Violência doméstica | IAS começou a ouvir opiniões para analisar a lei

A lei de prevenção e combate à violência doméstica entrou em vigor em Outubro de 2016 e este ano vai ser analisada. Clarificação do que constitui o crime, maior apoio legal às vítimas, criação de um fundo financeiro e inclusão de casais do mesmo sexo são algumas das sugestões dadas por associações num encontro com o IAS

[dropcap]A[/dropcap] lei de prevenção e combate da violência doméstica deverá ser analisada este ano, três anos após a entrada em vigor. Nesse sentido, o Instituto de Acção Social (IAS) já iniciou a recolha de opiniões para elaborar um relatório que vai dar a conhecer as sugestões das entidades ligadas a esta matéria. O objectivo é melhorar o diploma. Maior apoio legal à vítima, clareza no que constitui o crime, inclusão de casais do mesmo sexo e a criação de um fundo financeiro para responder às necessidades das vítimas são algumas das sugestões das associações. As opiniões vão ser entregues ao IAS em meados do próximo mês.

A tipificação clara do crime de violência doméstica é uma das maiores preocupações das entidades ouvidas na recolha de opiniões. Segundo o diploma em vigor “considera-se violência doméstica quaisquer maus tratos físicos psíquicos ou sexuais que sejam cometidos no âmbito de uma relação familiar ou equiparada”. Esta definição implica, de acordo com o parecer emitido no final da análise na especialidade da proposta de lei, uma ocorrência que se repete ao longo do tempo, correspondendo ao conceito legal de maus tratos estatuídos no Código Penal.

No entanto, segundo Cecília Ho, da Coligação Anti-Violência Doméstica, a definição deste crime não deve “ter em conta a sua frequência e seriedade, mas considerar apenas a relação entre as vítimas e a violência ocorrida”. A académica, que marcou presença na reunião com o IAS, entende que “se estes dois critérios estiverem preenchidos, o caso deverá ser julgado como crime de violência doméstica e não ‘ofensa simples à integridade física’, como está definido no Código Penal”. Cecília Ho realça que este tem sido o tratamento dado a casos destes pelos tribunais.

Para a responsável, é necessário esclarecer e uniformizar a forma como o crime de violência doméstica é interpretado pelo IAS, a polícia e os tribunais. Aliás, as associações consideram que, actualmente, a definição deste crime leva a interpretações diversas e o resultado é o número reduzido de processos judiciais, aponta Ho.

A opinião é partilhada pelos deputados Sulu Sou e Agnes Lam. “Desde que as relações familiares estejam definidas por lei, a violência que possa ocorrer dentro dessas relações tem de ser considerada violência doméstica”, diz Sou ao HM. O deputado pró-democrata e ex-presidente da Associação Novo Macau, também ouvida pelo IAS, apontou ainda que “na primeira metade do ano passado, o IAS tinha mais de 30 casos de violência doméstica e a polícia só identificou dois”, o que significa que a definição do crime não é a mesma nem é clara para as várias entidades envolvidas. “Os tribunais também entendem que o crime inclui actos repetidos e frequentes de violência”, o que, considera, vai contra a política de “tolerância zero” à violência doméstica.

Agnes Lam manifesta a sua preocupação no mesmo sentido, argumentando que na lei vigente “os juízes e mesmo outros intervenientes no processo não estão familiarizados com os termos usados no diploma”, apontou ao HM.

Uma lei normal

Já o advogado Pedro Leal considera que se trata de “uma lei bem estruturada, define o que são as relações familiares, enquadra situações de protecção, situações de assistência e de prevenção e qualifica os factos que são crime aplicando uma pena”. Por outro lado, se destes maus tratos resultarem outros crimes, “nomeadamente o homicídio ou uma violação”, aplica-se o código penal, acrescenta.

Entretanto, cabe a quem aplica a lei definir o que são maus tratos, até porque “se for uma coisa esporádica – um filho que se portou mal e levou uma palmada – não pode ser considerado mau trato, mas se for uma coisa que tem tendência a repetir-se não vejo que a lei esteja mal”, justifica Pedro Leal.

Apoio adicional

Outra das grandes preocupações manifestadas pelas entidades ouvidas pelo IAS é o apoio legal às vítimas que, consideram, deve ser prestado a partir do momento da queixa por um advogado especializado na matéria.

“As vítimas devem ter um advogado que as acompanhe desde a denúncia, para isso o sistema tem de ser melhorado de modo a garantir este apoio”, aponta Cecília Ho.

Já Sulu Sou lamenta que muitas vezes os casos denunciados acabem por não ter seguimento desejado porque as vítimas não conhecem os seus direitos e as ferramentas legais a que podem recorrer. Esta situação só pode ser ultrapassada com a disponibilização de advogados preparados pelo próprio sistema, defende.

Pedro Leal reitera igualmente a necessidade de apoio judicial desde cedo. “Os advogados fazem sempre falta, ainda por cima num assunto que envolve crime. A vítima tem de ser acompanhada também por um advogado.” Apesar de entender que o auxílio de um assistente social também tem a sua importância, tal não basta em termos jurídicos.

Fundo a longo prazo

Na opinião de Agnes Lam, a criação de um fundo público para apoiar vítimas de violência doméstica também deveria estar previsto na legislação. “Para já, o hospital deve fornecer os serviços médicos e de tratamento que uma vítima possa precisar e depois pode pedir a retribuição do dinheiro ao agressor”, refere a deputada, acrescentando que a medida pode não ser suficiente. “A vítima pode ficar com deficiências devido aos maus tratos que sofreu e é necessário não só garantir que exista um acompanhamento médico, como garantir outras medidas de longo prazo que a ajudem a continuar com a sua vida”, sugere.

Também no que respeita à autonomização destas pessoas, o Governo deveria garantir, através do fundo, a promoção de medidas que permitam ajudar a encontrar habitação, até porque “os abrigos podem acolher as vítimas durante um, dois ou três meses, no máximo durante um ano, e isso não é normal”. Desta forma, as vítimas não conseguem ser independentes e “os abrigos acabam por estar sobrelotados”, uma situação que dificulta a reintegração. “Neste sentido, é preciso apoio a longo prazo, quer financeiro, quer através da disponibilização de outros recursos capazes de promover o retorno a uma vida normal e nada disto está previsto na lei actual”, sublinha Agnes Lam.

Cecília Ho salienta ainda que a opinião das associações aponta no sentido da criação de uma compensação para as vítimas de violência doméstica, por “uma questão de justiça social”. No que respeita à habitação, as associações vão aconselhar o IAS a disponibilizar abrigos intermédios, para acolhimento de longo prazo ou durante o tempo necessário até a vítima conseguir obter uma situação de habitação estável.

Mais inclusão

Os casais do mesmo sexo não são considerados pelo actual diploma, situação que “tem de mudar”. “Não existem casos, nem dados, acerca da violência entre casais do mesmo sexo nem podem ser recolhidos dados nesta matéria porque o sistema de denúncia não se aplica a esta situação”, refere Cecília Ho. De acordo com a docente, o relatório de sugestões que vai ser entregue ao IAS no próximo mês, vai sugerir “o alargamento do escopo de protecção a estes casais”, aponta.

Recorde-se que este aspecto já tinha sido alvo de alerta por parte de Cecília Ho aquando da análise da proposta de lei em 2016. “Se a actual versão da lei não incluir os casais homossexuais então o que devemos fazer é, nos próximos três anos, recolher informação sobre esses casos que envolvem violência entre casais do mesmo sexo. Mas é preciso definir orientações. Se não houver informação como é que os assistentes sociais e a polícia vão estar sensibilizados para estas relações entre pessoas do mesmo sexo?”, questionava.

Voz das vítimas

No encontro com o IAS marcaram presença também três mulheres vítimas de violência doméstica que são agora “mães solteiras depois de deixarem relacionamentos abusivos”, revela Cecília Ho, acrescentando que “estão a começar uma nova vida com a responsabilidade de tomar conta das suas crianças de forma independente”.

Uma das preocupações manifestadas pelas vítimas foi a possibilidade de se encontrarem com os agressores nos tribunais, nomeadamente em casos que sucedem aos episódios de abuso, como divórcio e reuniões sobre a custódia dos filhos.

Este tipo de encontros é considerado “uma vitimização secundária”, tanto para elas como para os filhos, especialmente “quando as crianças são consideradas testemunhas”, avança Cecília Ho. A sugestão apontada é a utilização de salas com vidros de visibilidade unidireccional ou através de vídeo conferência.

Por outro lado, as vítimas sentem que não são acompanhadas por profissionais especializados, em particular no que diz respeito ao apoio legal.

Além dos pontos mencionados, o relatório vai ainda sugerir a divulgação de mais informação aos residentes e a profissionais que lidem com casos de violência doméstica. O objectivo da campanha de sensibilização é identificar situações de risco o mais cedo possível de modo a proceder ao encaminhamento, esclarece Cecília Ho.

28 Fev 2019

Photo Macau Fair | A primeira vez de Marina Abramovic

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] primeira edição da Photo Macau Fair, idealizada pela artista Cecília Ho, promete trazer não apenas os melhores trabalhos de fotografia artística mas também revelar a obra de artistas internacionais que nunca viram o seu trabalho exposto no território.

Um dos nomes mais sonantes da Photo Macau Fair, que acontece no Venetian entre os dias 24 e 26 de Março, é o de Marina Abramovic, uma artista conhecida pelas suas polémicas performances que esteve recentemente em Hong Kong.

A colecção de vídeos de Mike Steiner, um dos percursores do movimento minimalista na Europa, nos anos 60, realizados em conjunto com Marina Abramovic, fazem parte do programa da exposição, que foi apresentado esta terça-feira. De acordo com um comunicado, tratam-se de “vídeos raros e icónicos” feitos na década de 70 que pouca ou nenhuma exposição pública tiveram.

Na área da fotografia, a Photo Macau Fair vai destacar o trabalho de um dos primeiros fotógrafos de moda, Horst P. Horst, alemão que durante décadas trabalhou para a revista Vogue e que faleceu em 1999. Na exposição serão reveladas mais de 60 fotografias que mostram a diversidade do mundo da moda e das modelos da época, sem esquecer várias figuras do meio e da alta sociedade, como a estilista Coco Chanel. Ao longo da sua vida, Horst P. Horst fotografou nomes como Andy Warhol, Yves Saint Laurent, Salvador Dali ou Jacqueline Kennedy Onassis.

A cultura chinesa terá também destaque com a instalação de video intitulada “Corpo de Confúcio (Instalação 4), de Jeffrey Shaw, Peng Lin, Chang Tsong-Zung, Sarah Kenderdine. “Este projecto usa a última tecnologia digital para reeditar a ‘cerimónia de abertura, o ritual de etiqueta e o uso de vasos cerimoniais’ do Livro de Li (Etiqueta e Rituais) através de uma aplicação interactiva e três vídeos de de Paul Nichola, da Universidade Cidade de Hong Kong”. Este trabalho foi iniciado, pesquisado e produzido por Jia Li Hall da Universidade Tsinghua.

Segundo a organização da Photo Macau Fair, este trabalho multimedia “reflecte as mudanças que afectaram a sociedade moderna chinesa bem como o papel da arte enquanto linguagem comum com vista à promoção da harmonia”.

Durante a apresentação do programa oficial do evento, Cecília Ho revelou estar satisfeita por voltar à terra que a viu nascer e por conseguir trazer algo novo às suas comunidades.

“Estou muito feliz depois de 35 anos de ter deixado Macau. Tive a oportunidade de voltar e quis fazer algo no lugar onde nasci. A única coisa que sei fazer é arte, porque sou artista. A ideia de fazer esta exposição é porque a Ásia e a zona da Grande Baia. A China é um existem os maiores compradores de arte, e o mundo da arte inclui fotografia, escultura”, apontou.

15 Mar 2018

Exposição “Shaping Dream” inaugurada hoje no Clube Militar

A dias de arrancar a primeira edição da Photo Macau Fair, o Clube Militar acolhe uma exposição que é quase uma experiência daquilo que poderá ser visto no Venetian. “Shaping Dream” é o nome da exposição que é hoje inaugurada e que estará patente apenas até domingo

 

[dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap] fotógrafo Gonçalo Lobo Pinheiro é dos participantes na exposição “Shaping Dream”, que é hoje inaugurada no Clube Militar e que dura apenas três dias. A exposição tem como resultado uma competição de imagens artísticas, cujo prazo terminou no passado dia 31 de Janeiro, e que antecede a primeira edição da Photo Macau Fair, organizada, entre outras figuras e entidades, pela artista Cecília Ho.

Gonçalo Lobo Pinheiro, radicado em Macau há alguns anos, trabalha sobretudo nas áreas do fotojornalismo e documentário, mas resolveu arriscar com três trabalhos.

“Enviei cinco imagens, três foram seleccionadas. São três retratos, e penso que um deles já foi exposto. Com um dos retratos recebi uma menção honrosa numa exposição”, contou ao HM.

Apesar de não trabalhar com a fotografia artística, Gonçalo Lobo Pinheiro tentou fazer com que o seu trabalho se adequasse ao que era pedido nesta competição. O sonho e a imaginação foram o mote para a escolha das imagens.

“Duas fotos são com crianças e, logo aí, há sempre um sonho implícito. Uma delas é de Macau, outra foi tirada no Myanmar. A curadoria procura uma abordagem mais artística da foto, que é uma coisa que eu não faço, mas dentro daquilo que é o meu trabalho procurei imagens que fizessem esse compromisso artístico”, acrescentou o fotógrafo.

“Penso que a feira é mais virada para a fotografia enquanto arte. As vertentes de fotojornalismo, documentário ou reportagem, que são as vertentes com as quais trabalho mais, talvez não sejam bem o público-alvo da feira em si. Dentro do tema, decidi ir para a categoria do retrato, que também mostrassem alguma ilusão e sonho das pessoas que estão a ser retratadas”, referiu Gonçalo Lobo Pinheiro.

De acordo com um comunicado, a exposição é organizada pela Art Beyond Walls Association e visa “descobrir os trabalhos dos talentosos fotógrafos de Macau”. “Além de promovermos a fotografia enquanto meio queremos, ao mesmo tempo, mostrar o trabalho dos fotógrafos vencedores”, reforça o comunicado.

Um júri de fora

A competição estava aberta a profissionais e amadores e desafiava os participantes a serem inovadores e criativos. O júri que vai seleccionar as melhores obras é composto por Alvin Yip, curador independente e que esteve ligado à organização do pavilhão de Hong Kong presente na Bienal de Veneza, em 2006, entre outros projectos.

Joerg Bader é outro nome presente no júri, tendo no currículo o cargo de director do Geneva Center for Photography desde 2001. Johann Nowak, curador independente e fundador de uma galeria, é outro dos nomes presentes no painel de júris.

Cecilia Ho, artista de Macau e curadora, completa o painel dos júris. Cecilia foi a primeira artista chinesa a marcar presença na Real Academia de Artes de Londres, tendo participado em múltiplas exposições de Verão nos anos de 1996, 1997, 1998 e 1999).

2 Mar 2018