Caso casal Guerra | Governo timorense diz que justiça fez o seu trabalho

O ministro da Presidência do Conselho de Ministros timorense disse que o Tribunal de Recurso “fez o seu trabalho” ao absolver os portugueses Tiago e Fong Fong Guerra, reiterando que a justiça é independente. “A decisão depende do Tribunal. A justiça fez o seu trabalho e todos nós respeitamos a sua decisão”, afirmou Fidelis Magalhães em declarações à Lusa.

“Timor-Leste é um país democrático, está permanentemente a fortalecer e a construir o seu sistema de justiça para atingir o sistema ideal e uma das referências é o sistema de Portugal. Uma das coisas que aprendemos é a separação das competências e dos poderes”, frisou.

Fidelis Magalhães reagia a um acórdão do Tribunal de Recurso timorense que na quinta-feira absolveu o casal de portugueses Tiago e Fong Fong Guerra, condenado em 2017 por peculato a oito anos de prisão e a uma indemnização ao Estado, ordenando o descongelamento das suas contas.

O acórdão, aprovado por unanimidade e a que a Lusa teve hoje acesso, determina a absolvição do crime de peculato, pelo qual o Tribunal de Díli tinha aplicado uma pena de oito anos de prisão efetiva e o pagamento de uma indemnização de 859 mil dólares.

O tribunal determina ainda o descongelamento das contas bancárias do casal e o levantamento de todas as medidas de coação que estavam a ser aplicadas. Tiago e Fong Fong Guerra são residentes de Macau, onde neste momento decorre um processo conexo. O casal encontra-se neste momento a viver em Portugal.

Central à acusação contra o casal Guerra esteve uma transferência de 859.706,30 dólares, feita em 2011 por um ex-conselheiro petrolífero do Governo timorense, Bobby Boye, em modalidade escrow, para a conta da empresa de Fong Fong Guerra em Macau.

No acórdão de absolvição do casal, a que a Lusa teve hoje acesso, o Tribunal de Recurso julgou “não provado que existia um plano de Bobby Boie ‘de comum acordo e em comunhão de esforços e intentos com os demais arguidos” para se apropriarem desses cerca de 860 mil dólares.

Boye, que foi condenado nos Estados Unidos em 2015 por conspiração para defraudar Timor-Leste em mais de 3,5 milhões de dólares, foi libertado no passado dia 07 de janeiro depois de cumprir pena.

Fidelis Magalhães sublinhou que a justiça timorense é hoje “também um produto da cooperação com Portugal” que continua a ser “insubstituível”. “Toda a justiça timorense é também um produto da cooperação que temos com Portugal. A qualidade da justiça em Timor-Leste é também um produto da cooperação bilateral”, disse.

“Temos um sistema oriundo do sistema português e tirado e influenciado pelo sistema português, adotamos o sistema civilista, e a língua portuguesa. Podemos dizer que a cooperação com Portugal é insubstituível, se queremos melhorar o sistema da justiça de acordo com o sistema vigente”, notou.

18 Jan 2021

Fuga do casal Guerra pode afectar relações bilaterais

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] primeiro-ministro timorense advertiu ontem o Governo português que a sua atitude em relação ao caso do casal português que fugiu de Timor-Leste pode ferir as relações bilaterais e apelou a “um gesto” de Lisboa para esclarecer a situação. Mari Alkatiri disse estar preocupado com o facto de a embaixada portuguesa em Díli ter emitido os passaportes que Tiago e Fong Fong Guerra tinham quando fugiram do país, apelando a Lisboa para que faça “um gesto” em relação a esta situação. “Estou preocupado com a própria atitude da embaixada portuguesa ter emitido os passaportes portugueses. Isso pode ferir as relações entre dois países irmãos, e dentro da CPLP. Temos que gerir como deve ser esta situação”, disse.

Nesse sentido, Mari Alkatiri deixou um “apelo directo” ao Governo Português para “encontrar formas de fazer um gesto” para convencer as autoridades timorenses de que “isto foi um caso isolado que dificilmente poderá voltar a acontecer”. O caso de Tiago e Fong Fong Guerra tem marcado um dos momentos mais tensos das relações bilaterais recentes entre Portugal e Timor-Leste nos últimos anos, provocando uma onda de críticas na sociedade timorense.

Condenados a oito anos de prisão em Díli – o caso ainda não transitou em julgado porque foi alvo de recurso – Tiago e Fong Fong fugiram para a Austrália, onde chegaram, de barco, a 9 de Novembro, tendo chegado a Lisboa a 25 de Novembro.

 

Comunidade alvo de insultos e perseguição

Mari Alkatiri admitiu ainda estar preocupado que a comunidade portuguesa em Timor-Leste esteja a ser alvo de insultos e possa agora ser “alvo de perseguição” da justiça na sequência do caso. Um português e dois timorenses já foram detidos e dois deles, incluindo o português, estão em prisão preventiva na prisão de Becora, acusados de envolvimento na fuga do casal.

A entrega de passaportes ao casal pela embaixada portuguesa em Díli foi criticada em Timor-Leste, mas o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, garantiu que a legislação portuguesa foi respeitada, conclusão de um inquérito urgente que tinha ordenado.

Apesar disso, as críticas aos portugueses e a Portugal têm-se multiplicado em Timor-Leste com vários portugueses a relatarem terem sido insultados na rua. Nas redes sociais têm também aumentado os comentários críticos e insultos contra Portugal e os portugueses por parte de alguns timorenses, muitos deles com dupla nacionalidade e alguns dos quais ainda a receber pensões e apoios do Estado português.

“A segunda maior preocupação que tenho é com a comunidade portuguesa em Timor-Leste. Espero que isto não se generalize”, afirmou. “A partir de agora se houver algum português que seja suspeito de qualquer coisa dificilmente terá Termo de Identidade e Residência. Porque há perigo de fuga, tem que ir a prisão preventiva e seria péssimo que isso acontecesse. Essa é a minha maior preocupação: começar a colocar cidadãos portugueses como alvo de uma perseguição da justiça”, disse o chefe do Governo.

 

Chuva de críticas

Mari Alkatiri considerou que se corre o risco de “criar uma situação em que portugueses que eram considerados como irmãos passam agora a ser pessoas sempre alvos de críticas, ou de outro tipo de atitudes”. Por isso, deixou um apelo à sociedade timorense “para não generalizar esta questão”.

A situação actual tem sido exacerbada pela tensão que se vive, semanalmente, em frente à embaixada de Portugal em Díli onde se reúnem centenas de timorenses que estão a tratar dos seus pedidos de passaportes. A pressão é tão grande, com ameaças e insultos, que a embaixada já teve que fechar várias vezes o atendimento ao público, tendo a polícia timorense sido chamada.

Jornalistas timorenses juntam-se às críticas acusando em artigos na imprensa ou em ‘posts’ no Facebook, a embaixada de cumplicidade na fuga do casal, afirmando que vários pedidos de informação ou declarações feitas à missão diplomática estão sem resposta. A missão diplomática está a aguardar que o novo embaixador, José Pedro Machado Vieira, apresente as suas credenciais, mas a data ainda não foi marcada.

18 Dez 2017