Paulo José Miranda Em modo de perguntar h | Artes, Letras e IdeiasCarla Maciel: “Adoro o que faço. Sou uma privilegiada” Carla Maciel [dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á vinte anos que vens trabalhando em teatro, cinema e televisão. Imagino que exijam esforços e técnicas diferentes. Podes explicar-nos quais as maiores diferenças que encontras nesses diferentes modos de se ser actriz? E tens alguma preferência por um deles? E a tua preferência foi mudando ao longo dos anos, ou sempre se manteve a mesma? O meu pai era um apaixonado pela música e em criança comecei juntamente com ele a aprender a cantar e tocar guitarra. Durante a infância e a juventude a música e a dança ocupavam a maior parte do meu tempo. Até que aos 17 anos entrei numa escola de teatro no Porto. Tive o privilégio de ter um enorme background do que poderia ser este universo tão fascinante e ao mesmo tempo tão assustador. O teatro apareceu de uma forma espontânea. Não tenho preferências. Adoro o que faço. Sou uma privilegiada . Gosto de fazer de tudo um pouco. Depende muito das fases e do trabalho que aparecer. Até agora tem sido muito equilibrado mas confesso que o cinema tem sido a linguagem que menos tenho trabalhado. Há sempre alguns personagens que marcam mais as actrizes, quais foram os personagens que mais te marcaram até hoje? E por quê? Fiz muitos personagens ao longo da minha carreira. Passei por várias companhias desde o Porto até chegar a Lisboa e tive a sorte de interpretar grandes personagens. Houve uma personagem que dada a exigência de transformação me deu muito gozo fazer, uma velha alentejana (inspirada na minha avó) no Teatro Meridional. O espectáculo chama-se Amanhã, de José Luis Peixoto. Nos últimos anos a Madame Bovary, de Gustave Flaubert, tão inteligentemente encenada pelo Tiago Rodrigues; e Albertine, a partir de Marcel Proust, e tão brilhantemente escrita e encenada pelo Gonçalo Waddington. Em televisão também tive a sorte de fazer bons papéis. De há uns anos a esta parte tens trabalhado com o teu marido, o Gonçalo Waddington, há algumas desvantagens em levarem o trabalho juntos para casa, ou são só vantagens? A minha parceria com o Gonçalo nasceu instintivamente. Conhecemo-nos e ambos tínhamos um percurso artístico e objectivos semelhantes. À medida que fomos crescendo e amadurecendo, fomos conciliando os nossos sonhos sempre com a nossa vida pessoal. Claro que traz desvantagens e riscos, adoramos debater, somos os dois muito activos mas sempre com espírito de equipa, de colectivo, pelo respeito mútuo na discussão das ideias. Juntar o útil ao agradável e porque não? Dois casamentos numa única lógica. Respeito, cumplicidade, e muito amor pelo que fazemos. Uma outra actividade à qual tens emprestado o teu tempo é o da leitura de textos literários. Embora hoje não seja uma actividade exclusiva de actores – há, aliás, cada vez mais não actores a fazerem leituras –, os actores fazem-nos melhor? Comecei a ler muito tarde. Sou uma auto didacta. À medida que ia trabalhando com encenadores e colegas, fui escutando e absorvendo informação. Nomeadamente livros que eram bases importantes para o entendimento do próprio espectáculo. Com os anos comecei a sentir falhas estruturais, senti que precisava de ler os clássicos por exemplo, os filósofos, a poesia e por aí adiante. Qualquer pessoa que lê muito, sabe ler um texto. Claro que os actores têm mais facilidade, talvez pela colocação da voz, alguma interpretação e talvez um maior à vontade. Mas depende dos textos. Qual achas que está mais pujante hoje, em Portugal, o teatro ou o cinema? Penso que ambos estão pujantes. O cinema tem dado provas que cada vez mais há novos realizadores e de qualidade. Neste momento encontram-se um grande número de curtas e longas metragens fora do país, em festivais, a mostrar que o nosso cinema português apesar das dificuldades existentes ainda tem cinema de excelência. Estreou recentemente o filme do Marco Martins, São Jorge, que é a prova disso. Em relação ao teatro existe cada vez mais criadores, estão a nascer novas companhias, e os teatros, que têm vindo a criar diferentes dinâmicas para que o público consiga ter opção de escolha do teatro que pretende ver, apresentam-nos cada um a sua linguagem, trabalhando cada um deles para públicos diferentes. Considero que estamos no bom caminho. Apesar das dificuldades sentidas temos de ser perseverantes e exigentes continuando a mostrar o quanto a cultura é essencial. Nunca desistir. Que projectos para este ano? Este ano entro como actriz na segunda parte de uma tetralogia escrita e encenada pelo Gonçalo Waddington, O Nosso Desporto Preferido – futuro distante, com estreia em Abril no Teatro Municipal São Luiz. E em Novembro junto-me á actriz Teresa Sobral para criarmos um espectáculo com um texto do Gonçalo M. Tavares que tem estreia prevista para Janeiro de 2018. O ano ainda se preenche com um mestrado de teatro, ser mãe intensivamente, leituras e o que imprevisivelmente aparecer.