João Romão VozesCapitalismo insustentável A ideia de sustentabilidade explicitamente aplicada ao turismo tem cerca de 30 anos: foi no final dos 1990s que se começou a usar esta designação em títulos de conferências, jornais académicos ou documentos de orientação política. Foi relativamente pouco depois de o termo “desenvolvimento sustentado” ter aparecido e ficado como referência estratégica global, a partir da publicação de “O nosso futuro comum”, pela ONU, em 1987. Antes disso já havia, no entanto, referências implícitas e críticas sistemáticas e contundentes a processos de desenvolvimento turístico que destruíam ecossistemas sensíveis ou implicavam severas perturbações nos modos de vida de populações locais. Os temporários êxodos massivos de populações urbanas para zonas costeiras em tempos de verão, sobretudo a partir dos anos 1960 e 1970, são exemplos bem conhecidos em Portugal. Pouco tem a ver com esses tempos o desenvolvimento do turismo contemporâneo: hoje os métodos de planeamento regional e urbano estão mais generalizados e são suportados por informação, conhecimentos técnicos e tecnologias que nem sequer existiam na altura. A percepção dos impactos negativos do turismo também é generalizada e são relativamente consensuais conceitos como o de “capacidade de carga”, que define os limites físicos dos lugares para acolher visitantes, mas também os limites psicológicos dos turistas para que considerem que a sua visita valeu a pena – ou que tiveram uma experiência plenamente satisfatória, como agora se vai dizendo. Também os estabelecimentos hoteleiros passaram a ter outro tipo de preocupação na sua concepção e gestão, procurando melhorar o enquadramento na paisagem e a adequação aos recursos do território, ou passando a integrar mecanismos de poupança de água e energia, que tendem a ultrapassar muito largamente os consumos por pessoa que se praticam normalmente quando se está em casa. Pouco disto, diga-se, tem grande significado: é com os transportes aéreos e automobilísticos que o turismo impõe os seus maiores impactos ambientais, um contributo crescente para a emissão de gases de estufa e, por isso, para a aceleração dos processos de alterações climáticas a que continuamos a assistir com escassa capacidade – ou mesmo vontade – de intervenção. Essa escassa intervenção contrasta com a quantidade – e até clareza – das orientações políticas de diversas instituições, ligadas à promoção do turismo ou a outras formas de regulação económica, em diferentes escalas territoriais, da local à dos blocos continentais de países, passando naturalmente pela região e pelos territórios nacionais. Primeiro foram as sugestões sobre como o turismo pode promover a integridade dos ecossistemas valorizando recursos territoriais e garantindo experiências únicas, ao mesmo tempo que pode criar oportunidades de emprego e de iniciativas empresariais para comunidades locais eventualmente falhas de alternativas viáveis, contribuindo então para o crescimento das economias. Hoje é mais detalhada a descrição destes impactos e dos três pilares da sustentabilidade passou-se para os 17 objectivos de desenvolvimento sustentável. Para todos eles o turismo pode, diz-se, oferecer contributos relevantes. Só que o turismo, como também se sabe, não deixa de estar enquadrado num processo global de concorrência desenfreada e vagamente regulada, tendo sido também objecto de sucessivas vagas de liberalização, desde a utilização dos espaços aéreos, até aos investimentos internacionais em infraestruturas, equipamentos, atrações e serviços globais de hotelaria e restauração, facilitados pela livre circulação internacional de capitais, que aceleram a internacionalização dos movimentos turísticos, a intensificação da concorrência e, frequentemente, os processos de gentrificação associados a projectos de renovação urbanística. Dizem os manuais da especialidade que há uma fórmula para combinar o sucesso da competitividade nestes mercados globais com a sustentabilidade na utilização dos recursos do território: promover negócios locais, com a mão-de-obra residente, assente em produtos e serviços únicos e irrepetíveis, ligados ao património natural e cultural de cada região e suportados por tecnologias digitais que promovam comunicações rápidas e eficazes. Em vez produtos massificados mais baratos que os dos territórios concorrentes, promovam-se serviços únicos, de alto valor acrescentado, com menor procura mas maior benefício económico para as comunidades. Na realidade, não tem sido assim: grande parte dos destinos turísticos concorre com o preço mais baixo possível pela maior fatia possível dos mercados globais do turismo contemporâneo. Aliás, mesmo que assim fosse dificilmente se poderia dizer que se tratava de um processo bem enquadrado nos tais princípios da sustentabilidade: na realidade, tratar-se-ia de produtos e serviços caros, dirigidos ao consumo de uma minoria da população – a mais rica. Em última análise, a sustentabilidade económica e ambiental seria paga por quem pode, levando a novas formas de exclusão social numa actividade que até se foi democratizando com a sua massificação. Essa massificação é, aliás, uma condição necessária para a grande maioria das actividades económicas contemporâneas: não haveria computadores, telemóveis, televisões, câmaras fotográficas, automóveis, aspiradores ou máquinas de lavar se não fosse a massificação das suas produções e a inerente prática de preços relativamente baixos e acessíveis a grande parte da população. Sempre com a utilização máxima de recursos, diga-se: enquanto o benefício atingido superar o custo de se aumentar a produção, produz-se mais, para mais gente. Os limites do planeta continuam a contar pouco para esta equação. Não é diferente com o turismo: é a massificação planetária que permite haver voos a preços relativamente acessíveis, diferentes formas de alojamento nos mais remotos lugares, formidáveis sistemas integrados de informação que nos permitem escolher roteiros, comprar bilhetes de transporte, reservar quartos em hotéis ou garantir o acesso a lugares e eventos a partir do conforto do nosso telemóvel. É esse mercado de massas que permite que o negócio global funcione e que vão emergindo nichos frequentemente designados como mais sustentáveis. Na realidade, no capitalismo contemporâneo o negócio do turismo pouco difere de outros negócios: é insustentável.