Pedro Arede Eventos Festival Internacional de Cinema - EspecialGitanjali Rao, realizadora de Bombay Rose: “É possível contar inúmeras verdades dolorosas através da arte” Gintali Rao decidiu contar uma história sobre Bombaím e as suas pessoas através de quadros animados. Bombay Rose é o único filme de animação seleccionado para a Competição Internacional do Festival de Cinema de Macau e, segundo a actriz e realizadora indiana, fala de trabalho infantil, homossexualidade e dos “heróis” que não têm histórias de sucesso para contar Bombay Rose é uma história sobre restrições, amor e busca por novas paisagens e condições de vida. Que mensagem pretende passar com este filme? [dropcap]E[/dropcap]ssencialmente queria contar esta história há muito tempo, que fala de duas personagens, que imigraram para Bombaím. Vivo rodeada de pessoas como eles diariamente em Bombaím e descobri que as suas histórias nunca são contadas porque não são histórias de sucesso, não são as histórias convencionais. Mas é muito interessante de conhecer, do ponto de vista humano, as dificuldades pelas quais passaram, as pequenas aldeias de onde vieram e perceber, chegados a Bombaím, que nem todos os seus sonhos se tornaram realidade. Por isso queria contar uma história sobre como enfrentar as dificuldades e o que tiveram de fazer para sobreviver. Aqui não se trata de uma sobrevivência normal, são jovens que também se apaixonam, assistem a filmes de Bollywood e que também têm as suas fantasias, escapes e sentem falta do sítio de onde vieram. Por isso, este filme fala destas questões complexas e da forma como a cidade lida com elas, mantendo estas pessoas longe dos privilégios dos mais ricos, pois eles constroem, limpam e mantêm a cidade, mas são quase obrigados a viver na rua. Bombay Rose aborda vários temas sociais, novos e intemporais, que são críticos na sociedade, como a religião ou a homossexualidade. Como é que estas questões são abordadas no filme? Para mim, quando penso em personagens elas vêm com os seus problemas, porque é assim que acontece na realidade. É impossível separar alguém da língua e cultura do sítio de onde veio. Quando estas pessoas chegam a um novo sítio têm de sobreviver e estão constantemente a ser confrontadas com questões éticas acerca daquilo que devem ou não fazer e a maneira como lidam com essas situações. Queria que tudo isso viesse com as personagens, não queria que fossem só bonitas e simples para as pessoas as perceberem melhor. As personagens têm de trazer consigo os seus problemas e, a partir daí, faz sentido contar as suas histórias e de que forma conseguiram ultrapassar os problemas. Porque há três ou quatro personagens, e cada uma vem de um sítio diferente e tem um contexto diferente, retratando também um problema diferente, quer seja trabalho infantil ou a homossexualidade. Aqui, podemos fazer de duas formas. Ou não mostramos os problemas e só damos a ver as partes boas, ou mostramos os dois lados. Para mim é bom mostrar as duas partes e acreditar que é possível lutar e sobreviver. Para mim esses é que são os heróis. Não se trata de ter muito sucesso, mas de pequenos sucessos perante as dificuldades. Porquê animação e como enveredou pelo mundo do cinema? Depois de estudar comecei a trabalhar num estúdio onde aprendi animação. Ser actriz foi algo que surgiu em paralelo com o meu trabalho diário e com os estudos, porque eu era actriz de teatro e não tinha dinheiro para sobreviver se só fizesse teatro. Por isso, para mim, a animação foi algo que aprendi fazendo e foi uma forma de trazer as minhas qualidades artísticas enquanto pintora, para a realização. Mas também o que aprendi como actriz foi muito útil na animação para fazer com que as personagens do filme se comportem de forma realista, pois não possuem nenhum tipo de exagero nos seus gestos, são quase como pessoas reais. Nem mesmo actores são tão realistas. Para mim trata-se sempre de pintar, frame a frame, sem fazer qualquer tipo de animação 3D. Adoro fazê-lo sozinha e, para além disso, da forma como eu vejo a história, é possível contar inúmeras verdades dolorosas através da arte, porque se torna mais poético, torna-se lírico e estético. Acho que não conseguiria contar assuntos tão brutais num filme com actores. Como vê actualmente o cinema asiático? Para o ocidente é uma revelação mas para nós, a verdade é que temos feito isto desde sempre. Acho que o que tem acontecido ultimamente é que o espectro mudou. Quando era mais nova e procurava filmes nos anos 90 não via assim tantos filmes asiáticos, via sim muitos filmes europeus a toda a hora, em festivais. Era essa a influência. E os filmes americanos que apareciam nas salas de cinema. Até num país como a Índia, onde existem mais de 20 regiões diferentes, com línguas diferentes e que fazem o seu próprio cinema. Acho que a exposição daquilo que temos estado a fazer há muitos anos na Ásia está a tornar-se cada vez mais interessante para o resto da Europa. Na minha opinião, isto também acontece porque estes países são jovens em termos de desenvolvimento e têm muito mais coisas novas para dizer e isso está a tornar-se cada vez mais interessante para a audiência global. Na Ásia existe uma geração mais nova que está agora a fazer filmes em oposição ao ocidente onde as gerações mais antigas estão a fazer filmes. Por isso agora acho que o interesse está naquilo que é fresco, o que é novo e é bom, porque fazia falta há muito tempo. Sente que o IFFAM pode ser um veículo importante para esse crescimento? Sem dúvida. Acho que tudo isto está a acontecer na Ásia porque os países daqui estão a levar o cinema muito mais a sério e não apenas como um negócio. Porque nos países asiáticos é comum ver menos aposta na arte e mais no negócio. Com os festivais, é dada maior importância à parte artística, por isso eventos como este estão a fazer a diferença na forma como o público vê filmes. Quando era mais nova existia apenas um festival na Índia, agora devemos ter cerca de 100, em apenas 20/25 anos. Por isso está definitivamente a fazer a diferença.