Big Fish & Begonia

ou Tudo o que a Felicidade Precisa é de se Perder na Água

O Cinema é um formato belo e único. É simultaneamente um jogo e um transformador desse mesmo jogo. Nesta série, a autora e pensadora visual, Julie Oyang, apresenta 12 realizadores chineses, as suas obras e as suas invenções estéticas, que acabam por se revelar as invenções estéticas de antigos filósofos.

 

O filme de anime chinês Big Fish & Begonia é um espectáculo intensamente visual. Baseado no conceito de reencarnação, desenrola-se num mundo místico habitado pelos Outros, entidades que velam pelo mundo humano ao aceitarem as Leis da Natureza.

Uma rapariga chamada Chun é submetida ao rito de passagem ao entrar no reino humano por sua conta e risco. Quando é confrontada com um acontecimento fatal, é salva por um rapaz. O jovem acaba por se afogar no mar.

Sentindo-se culpada, Chun procura o Guardião das Almas, que se assemelha a um dragão chinês agachado – uma criatura mítica que resulta do cruzamento de espécies – a quem pede que ressuscite o rapaz. Ela paga este favor com metade da sua vida. Ao interferir com o curso dos acontecimentos, Chun provocou inadvertidamente repercussões no seu próprio povo. Nesta altura, a história sofre uma reviravolta sombria e Chun apercebe-se que tem de sacrificar todos para salvar o homem que ama e que tem de abdicar da sua obrigação como guardiã da ordem natural.

A um nível muito mais profundo, Big Fish & Begonia celebra a fluidez da água: o grande mestre Tao visualizado por Zhuang Zi, o influente filósofo chinês que viveu no séc. IV A.C.

O pensamento de Zhuang Zi foi introduzido na história através do nome do protagonista masculino. “Um peixe do Oceano Norte que dá pelo nome de Kun,” com um tamanho “demasiado grande para ser medido,” como se pode ler na legenda do ecrã de abertura. Numa introdução assombrosa, Chun, a protagonista feminina, fala do futuro, agora com 117 anos de idade, e diz acreditar que a existência de cada ser humano se assemelha a um peixe gigante que nada no mar. Recorda, da sua juventude, grandes peixes a conversar enquanto caíam do céu para saudar a constância da Mudança, o conceito Taoista de ordem natural. A Mudança está constantemente em acção, causando a metamorfose fluída. Com um design que lembra faiscantes gravuras em madeira ukiyo-e, o filme faz-nos mergulhar num tempo primordial em que a água cobria a superfície da Terra e as almas dos seres vivos vagueavam em forma de peixes gigantes em busca de significado e de respostas.

A “Begónia” é uma poderosa árvore cor de rosa vivo que nasce do poder colectivo dos Outros – que não é estranha à natureza, mas sim uma parte essencial. O poder colectivo dos Outros protege misteriosamente as espécies cruzadas em espaços multi-facetados, onde se entrelaçam os mundos conhecidos e os desconhecidos.

Há duzentos anos, Zhuang Zi escreveu: “Os homens veneram o que se encontra dentro da sua esfera de conhecimento, mas não se apercebem o quão dependentes estão do que se encontram para além disso.” A sua visão do mundo era vertiginosa e serena, uma mistura holística da terra, do vento, do fogo, da madeira, do metal e da água.

Os elementos da vida ocupam cada reino, numa míriade de infinitas e sedutoras tonalidades de azul à qual está ligado o destino de cada ser vivo.

“Recompensas e castigos são a pior forma de educação,” escreveu Zhuang Zi. O domínio cintilante e espontâneo das espécies cruzadas, envolve cada objecto com o brilho da possibilidade: a possibilidade de ser feliz. Um acto altruísta conduz a outro, de forma a procurar a felicidade escondida à espera de ser encontrada.

Onde está Tao? Zhuang Zi respondeu: “Em lado nenhum, não existe… Está no mijo e na merda.” A tristeza e a felicidade são duas faces da mesma moeda. A Felicidade é parte das Leis da Natureza “demasiado grande para ser medida” e não pode ser, nem deve ser, reclamada ou possuída.

Citações famosas de Zhuang Zi para reter na memória:

🌸 A felicidade é a ausência de luta para a alcançar.
🌸 Agarramo-nos aos nossos pontos de vista, como se tudo dependesse disso. No entanto, as nossas opiniões não são permanentes; como o Outono e o Inverno, vão gradualmente passando.
🌸 Reconheço a alegria dos peixes na água através da minha própria alegria, enquanto vou caminhando ao longo do mesmo rio.
🌸 Segue o curso dos acontecimentos e deixa a tua mente ser livre. Mantém-te centrado, aceitando o que quer que faças. Isto é o mais importante de tudo.
🌸 Onde é que posso encontrar um homem que se tenha esquecido das palavras para conversar com ele?

{{ Julie Oyang é uma autora de naturalidade chinesa, artista e argumentista. É ainda colunista multilingue e formadora em criatividade. As suas curtas metragens foram selecciondas para o Festival de Vídeo de Artistas Femininas e também para a Chinese Fans United Nations Budapest Culture Week. Actualmente, é professora convidada da Saint Joseph University, em Macau. Gosta especialmente de partilhar histórias inesperadas, contadas a partir de perspectivas particularmente distintas. Divide a sua vida entre Amsterdão, na Holanda, e Copenhaga, na Dinamarca.}

 

JULIE OYANG Writer | Artist | Namer of clouds
www.julieoyang.com | Instagram: _o_writes

5 Mai 2022