Diana do Mar Manchete SociedadeMacau contesta relatório “irresponsável” do Departamento de Estado norte-americano Restrições às liberdade de imprensa e académica, a incapacidade dos residentes mudarem o seu Governo e o tráfico humano figuram como os principais problemas apontados pelos Estados Unidos a Macau no domínio dos direitos humanos. A RAEM rejeita os “irresponsáveis comentários” de Washington [dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap] Departamento de Estado norte-americano publicou, na sexta-feira, o mais recente relatório sobre os direitos humanos no mundo, apontando a Macau as restrições à liberdade de imprensa e académica, as limitações na capacidade dos cidadãos mudarem o seu Governo e o tráfico humano como as “principais questões” de direitos humanos no ano passado. O Executivo de Fernando Chui Sai On contesta o teor do documento. O relatório “tece comentários irresponsáveis sobre a RAEM, o qual representa um assunto interno da China”, pelo que o Executivo “manifesta a sua forte oposição”, diz um comunicado divulgado pelo Gabinete do Porta-voz. “Os amplos direitos e liberdades, gozados pela população da RAEM, são plenamente garantidos, nos termos da Constituição e da Lei Básica”, refere a mesma nota oficial, sublinhando que “trata-se de uma realidade testemunhada por todas as pessoas sem preconceitos”. Washington tem, no entanto, uma perspectiva diferente, sustentando que, apesar das liberdades de expressão, incluindo a de imprensa, estarem consagradas na lei, “o Governo procurou ocasionalmente restringir esses direitos”. A autocensura A prática de autocensura pelos ‘media’ volta a estar em foco, com o Departamento de Estado norte-americano a apontar que tal sucede, “em parte, porque o Governo subsidia fortemente os principais jornais que, em assuntos politicamente sensíveis, tendem a seguir de perto a política do Governo da República Popular da China”. Neste âmbito, Washington recorda que a Associação dos Jornalistas de Macau declarou que pelo menos cinco editores de órgãos de comunicação locais receberam mensagens dos seus superiores instruindo-os a fazer uma cobertura noticiosa “mais positiva” sobre o tufão Hato, menos focada na responsabilidade do Governo, especialmente dos titulares de altos cargos. Outro dos pontos de destaque é a nota de protesto da Associação de Imprensa Portuguesa e Inglesa de Macau relativamente ao pedido da Comissão de Assuntos Eleitorais para que um jornal (o semanário Plataforma) removesse uma entrevista publicada com um candidato à Assembleia Legislativa do seu ‘site’. “Os ‘media’ locais expressaram uma ampla gama de pontos de vista, mas o Governo deu passos para restringir uma cobertura noticiosa desfavorável”, sintetizou o Departamento de Estado norte-americano. Washington faz referência ao caso de quatro jornalistas de Hong Kong que foram proibidos de entrar em Macau para fazer a cobertura do pós-tufão, citando ainda o relatório da Federação Internacional de Jornalistas que condenou a decisão do Governo de interditar a entrada a 15 jornalistas de Hong Kong, dos quais alguns pretendiam cobrir as eleições para a Assembleia Legislativa em Setembro. Também é referida a detenção de duas pessoas por terem alegadamente disseminado informações falsas durante a passagem do tufão Hato. Em paralelo, o documento sinaliza que académicos têm reportado autocensura e que, “muitas vezes, foram impedidos de estudar ou falar sobre tópicos controversos relacionados com a China”, mencionando relatos anteriores de que foram advertidos a não se pronunciarem em eventos politicamente sensíveis ou em nome de determinadas organizações políticas. No plano da liberdade de reunião e de associação, o Departamento de Estado diz que, regra geral, o Governo respeita estes direitos, embora note “esforços para desencorajar a participação em manifestações pacíficas”. “Activistas alegam que as autoridades estão a fazer um esforço concertado para usar tanto a intimidação como processos-crime”, refere o documento, mencionando o caso de Sulu Sou, cujo mandato de deputado foi suspenso após ter sido acusado de desobediência qualificada durante um protesto pacífico contra o Chefe do Executivo. Sobre a liberdade de movimentos, o Departamento de Estado lembra que vários políticos e activistas de Hong Kong foram proibidos de entrar sob o argumento de que representavam uma ameaça à segurança interna. O Departamento de Estado refere ainda as limitações à participação política, face à ausência de sufrágio universal na escolha do líder do Governo, que é eleito por um colégio composto por 400 membros. Já no que diz respeito às eleições para a Assembleia Legislativa, realizadas em Setembro, Washington observa que, em termos gerais, foram “livres e justas”, embora notando que “as rigorosas regras relativas à campanha limitaram a capacidade de novos candidatos se apresentarem à corrida”. Sobre a participação política, volta a recuperar o caso de Sulu Sou, sublinhando que críticos do Governo alegam que a acusação e suspensão do mandato do jovem deputado foram “politicamente motivadas”. Crianças e migrantes vulneráveis Washington aponta ainda que “as crianças e os migrantes são vulneráveis à prostituição e ao trabalho forçado” e que, embora “o Governo tenha investigado casos, não houve qualquer condenação” no ano passado. Segundo o relatório, entre Julho de 2016 e Junho de 2017, os inspectores da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) descobriram dois casos de violação à lei que proíbe o trabalho infantil que resultaram em multas de 40 mil patacas. Já sobre os trabalhadores não residentes, Washington reitera serem frequentes as queixas de discriminação no local de trabalho e ao nível dos vencimentos. No capítulo dos direitos dos trabalhadores, o destaque vai para as desigualdades salariais entre homens e mulheres, com o Departamento de Estado a assinalar que continuam a existir, embora o fosso tenha diminuído de 2500 patacas em 2011 para 1700 patacas em 2016. No tocante ao tráfico humano, o Departamento de Estado remete para o seu relatório especialmente dedicado ao tema, que teve a mais recente edição em Junho, em que Macau caiu para a lista de vigilância. Apesar das críticas, o documento saúda a atitude do Governo relativamente a investigações por parte de organizações locais ou internacionais, sustentando que “operam sem restrições”, “investigando e publicando as suas descobertas relativamente a casos de direitos humanos” e que, “na maioria das vezes, as autoridades cooperam e reagem de forma apropriada às suas opiniões”.