Andreia Sofia Silva Manchete ReportagemMonarquias Asiáticas | Saída do Imperador japonês sem influência Persistem na Ásia cinco monarquias que têm sabido manter-se sem grandes alterações ao longo dos tempos. Poderá a vontade de abdicar do Imperador japonês Akihito mudar o panorama? Dois analistas garantem que vai levar tempo até que as sociedades comecem a questionar a existência da democracia [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]kihito está cansado. A liderar o poder imperial japonês desde 1989, anunciou há semanas a vontade de abdicar antes da sua morte, o que poderá obrigar a uma revisão da Constituição japonesa, que permite a sucessão do Imperador apenas em casos de falecimento. Um inquérito realizado no país confirmou que cerca de 90% da população está de acordo com a abdicação. Democracia estável, com Shinzo Abe a encabeçar o Governo, o Japão enfrenta neste momento a possibilidade de ter de alterar uma tradição que se tem mantido inalterável ao longo dos séculos. O poder imperial é simbólico, sem intervenção directa na política, mas muito respeitado pela população japonesa. Países como a Tailândia, Butão, Malásia e Camboja continuam a ter monarquias, sendo que, para dois analistas contactados pelo HM, o impacto das mudanças no Japão nesses países será mínimo. “São coisas que levam muito tempo a modificar-se porque há uma cultura institucional, porque se pensa que estas coisas são imodificáveis”, defendeu Arnaldo Gonçalves ao HM. “Não vai ter um impacto de maior. As monarquias estão vivas, de boa saúde e vão continuar. Caso haja uma sucessão do filho mais velho no Japão a transição vai ser pacífica, porque o Imperador é uma figura simbólica. Não vejo grandes modificações”, acrescentou o especialista em Relações Internacionais. Para George Wei, docente da Universidade de Macau (UM) e especialista em ideologias políticas, vai demorar algum tempo até que a monarquia, enquanto instituição, comece a ser questionada, tal como já acontece na Europa. “É menos desafiante uma alteração às monarquias na Ásia por comparação ao Ocidente, porque no Ocidente os cidadãos estão mais habituados a sistemas democráticos e há escândalos associados às casas monárquicas. Muitas pessoas começam a pensar que não é necessário um sistema democrático. Na Ásia a tradição ainda é muito forte para a maioria das pessoas”, referiu ao HM. O docente acredita que os asiáticos ainda não chegaram à fase em que começam a duvidar do sistema monárquico. “No Japão, por exemplo, caso haja problemas que o Governo não consegue resolver, o Imperador pode ter um papel decisivo ao intervir no processo de implementação de políticas. E o processo em países asiáticos como a Tailândia é muito semelhante.” O rei-sol do século XXI As monarquias asiáticas têm em comum o facto da população continuar a idolatrar o rei ou o imperador como se de um Deus se tratasse. Se na Tailândia uma ofensa ao rei Bhumibol pode dar direito a prisão, no Butão, pequeno país enfiado nas encostas dos Himalaias, a população venera o rei Jigme Khesar Wangchuk e a sua esposa, Jetsu Pema, que criou inclusivamente uma conta na rede social Facebook. É por isso que, aos olhos de George Wei, o anúncio do Imperador Akihito vai manter a tradição como ela sempre foi. “Não me parece que haja um grande impacto ou que isso vá afectar a monarquia enquanto instituição. Muitas pessoas adoram este sistema, porque gostam que haja um imperador e respeitam-no. Habituaram-se a ter um imperador ou um rei”, explicou. Apesar do respeito que existe para com a instituição, é certo que a população começa a defender uma modernização da monarquia e dos seus costumes, como referiu Arnaldo Gonçalves. “É uma questão de adaptação da cultura monárquica japonesa aos desafios do século XXI. As pessoas têm emitido declarações que mostram que estão de acordo com isto. O Imperador está moribundo e na Tailândia a mesma coisa.” Arnaldo Gonçalves ressalva, contudo, o facto de uma reforma constitucional poder ser difícil de implementar. “No Japão essas reformas são difíceis, porque há uma câmara alta e uma câmara baixa e por isso as duas têm de estar maioritariamente de acordo para se fazer qualquer reforma. Essa é uma questão que se vai pôr mais tarde ou mais cedo, porque tem de se resolver o problema. O imperador tem de se arrastar na sua debilidade porque desempenha uma função institucional? Para a maioria das pessoas isso não faz sentido.” George Wei deixa, no entanto, um alerta. A obrigatoriedade de rever a Constituição poderá levar o governo de Shinzo Abe a fazê-lo olhando para outros objectivos. “Não sei se será bom para o governo japonês rever a Constituição, porque as verdadeiras intenções da revisão visam dar ao governo mais poderes para a expansão militar do país. Em relação à Casa Imperial não vejo grandes alterações a acontecer, porque se trata de um sistema que funciona bem”, concluiu. O problema do bom-vivant – Tailândia com obstáculos na sucessão Há seis anos já era um assunto tabu, ao ponto da revista The Economist ter escrito sobre o assunto e não ter enviado a edição para o país. A fraca saúde do rei Bhumibol e o problema da sucessão, pelo facto do herdeiro, Maha Vajiralongkorn, ser considerado playboy e ligado a escândalos, continua a ser um assunto sensível aos tailandeses. Com quase 90 anos, no poder desde 1946, o rei Bhumibol tem sido uma peça fundamental para equilibrar muitos dos conflitos políticos e sociais que têm ocorrido no país. Bhumibol tornou-se rei quando a monarquia era considerada uma instituição irrelevante, mas soube conquistar a confiança da população no equilíbrio das várias forças políticas. Se as mudanças no poder imperial japonês não vão trazer consequências de maior, a verdade é que a morte de Bhumibol pode gerar um novo panorama de difícil resolução. “Há uma Junta Militar e com a nova Constituição estou a vê-la ficar no poder, pelo menos, nos próximos dez anos. Isto porque é um factor de estabilidade e um ponto de equilíbrio entre os dois grandes grupos que dividem a classe política tailandesa. O rei tem uma autoridade natural, porque está há muito tempo no poder, conviveu com vários primeiros-ministros, é adorado pela população”, frisou Arnaldo Gonçalves. Maha Vajiralongkorn é um homem de 64 anos e o seu nome não pára de ser associado a escândalos. Divorciou-se recentemente da terceira mulher, que surge num vídeo em topless, feito quando ainda era princesa. “O candidato a rei não tem essa imagem (de seriedade, como o pai), é visto pela população como um indivíduo imaturo, um bom-vivant, alguém que faz uma vida fora do quadro ético e moral da monarquia. Se for colocado no poder, se estará à altura das responsabilidades, essa é uma grande interrogação. Vamos ver na Tailândia como vai ser, tenho algumas dúvidas de que o príncipe tenha alguma maturidade”, explicou Arnaldo Gonçalves.