Carlos Morais José Antropofobias h | Artes, Letras e IdeiasAnimais fantásticos da China XIII – O changyou Algures, na actual província de Hunan, existirá uma montanha referida nas crónicas como Changyou Shan. Dela se diz ser praticamente calva, por ali não medrar vegetação relevante, apesar de muita nascente, muito ribeiro e variados lagos animarem a paisagem. Esta paradoxal infertilidade da montanha — a inexistência de vegetação num lugar com excesso de água – não é explicada por nenhum dos antigos sábios, que se limitam a descrever este estranho fenómeno e nele não se detêm mais que uma linha, como se esta ocorrência fosse para eles algo de vulgar. “Não tem árvores ou plantas. Muita água.” É assim, laconicamente, que a montanha Changyou é descrita. Num desses escritos surge, no entanto, uma subtil alusão, provocada pelo deslocamento de um caracter na sequência da frase, o que possibilita outra leitura: a montanha será tão perigosa que árvores e plantas, prudentemente, ali recusam crescer. Ora nesta extensão nua de rocha, povoada de ribeiros e lagos, vive um animal que, tal como a montanha, é conhecido por changyou, muito parecido com um macaco. Apresenta, contudo, quatro orelhas em forma de leque sobre a cabeça e uma longa cauda. Felizmente, o changyou é um bicho elusivo, pois é tido por certo que, ao ser avistado, tal significa a proximidade de um dilúvio. Este facto tem sido extensivamente constatado e reportado em numerosos documentos. Um dos casos narrados refere o avistamento de um changyou, seguido de semanas de inundações; após o que outro changyou foi avistado e desta vez os rios transbordaram de tal maneira que várias aldeias foram submergidas. Talvez por isso, alguns relatos estabelecem uma relação de inimizade entre o changyou e o lendário rei Yu, que domesticou as águas, criando barragens e canais. Nessas lendas, o changyou teria tentado impedir o papel civilizador do soberano, tendo este desterrado o agourento macaco para aquela montanha estéril, onde ele desde então tem levado dura vida. Eventualmente, a existência do changyou, tal qual é descrito em duas breves linhas no Shanhaijing, poderá ter desencadeado, ao longo das transformações do imaginário chinês, a produção de variados seres mitológicos, como o Rei Macaco, da “Peregrinação ao Oeste”, entre outros deuses de compleição símia. De tal modo é temida uma aparição de um changyou que não existem relatos de caçadas ou de mezinhas produzidas a partir do seu sangue, carne, nervos ou pêlo; e nem mesmo as suas inusitadas quatro orelhas, dispostas em forma de leque, parecem ser alvo de qualquer tipo de cobiça por parte dos homens. Trata-se, portanto, de um animal que ninguém quer caçar, comer, capturar, encontrar ou sequer pôr a vista em cima.