CHINOISERIES Dez ficções luso-chinesas

Lili, cantador de fado
Existe, para os lados de Belém, um painel de azulejos não muito antigo que reproduz a figura de um chinês. O homem reproduzido existiu realmente nas ruas da Lisboa das primeiras décadas do século XX, e chamava-se Li. Os lisboetas de então, com a sua habitual verve, chamavam-no Lili. Tratava-se de um chinês vendedor de rua, natural da província de Zhejiang. Como é sabido, na Lisboa antiga, a Lisboa dos pregões, dos galegos aguadeiros, das varinas e saloios, das mulheres da fava-rica e dos pretos caiadores, havia ainda um outro tipo de vendedor – os chineses das gravatas. O Lili pertencia a esse grupo, pouco numeroso, mas sempre alvo de muita curiosidade por parte dos transeuntes, que pasmavam para eles, desabituados ainda de extravagâncias. O Lili, porém, destacava-se, pois jamais abandonou os trajes tipicamente chineses que trouxera de Zhejiang. Era uma galhofa por essas ruelas abaixo sempre que surgia nas suas cabaias coloridas, caixa de madeira a tiracolo com gravatas para mercar. Excepto quanto à intransigente recusa em envergar vestes ocidentais o Lili era então, e de longe, o chinês mais bem adaptado à vida portuguesa. Por isso, e porque tinha um temperamento alegre e suportava a troça com jovialidade, com resposta pronta para tudo, foi ganhando o respeito e a estima do povo de Lisboa. Pela manhã, podia topar-se com ele a sorver o seu café de lepes e, em a noite caindo, não dispensava o pratinho de iscas com elas, repugnante para qualquer outro chinês. Amantizado com a dona de um café de camareiras, diz-se que frequentava as meias portas, onde agarrava na banza e soltava o fado com espírito, sempre vestido à chinesa e trocando os erres pelos eles, o que lhe valeu a alcunha de “faia amarelo”.
Quando se encomendou o referido painel de azulejos, o artista julgou de gosto exótico, à moda da época, pintar um mandarim. Lembrou-se logo do Lili para fazer de modelo. O chinês aceitou posar com as suas melhores vestes em troca de umas moedas.
O Lili ainda galgaria as calçadas de Lisboa com as suas gravatas durante mais alguns anos mas, após dura rixa numa viela da Mouraria, acabou por fugir para Moçambique, onde terá eventualmente findado os seus dias. Foi visto pela última vez, numa idade já bastante avançada, a dançar o merengue em grupo numa rua esconsa da então Lourenço Marques.
O chinês Lili, tal como a famosa preta Fernanda – que serviu de modelo para a figura feminina em bronze que simboliza a África no pedestal da estátua ao Marquês de Sá da Bandeira -, é uma das duas personagens populares de origem estrangeira da cidade de Lisboa reproduzidas numa obra artística.

Lao Tse e o “Verdadeiro Clássico do Inominável”
Na cave do edifício da Reitoria da Universidade Clássica de Lisboa existe uma biblioteca sinológica da maior importância, que permanece todavia desconhecida do público devido à inexistência no país de especialistas na área. A maioria das obras foi doada pelo Instituto Cultural de Macau. Lá se podem consultar, entre outros tesouros, as obras completas de Ouyang Xiu, a poesia de Li Bai, Du Fu e Bai Ju Yi, os principais romancistas contemporâneos e o Sutra do Diamante.
Nessa biblioteca encontra-se também o único manuscrito existente em todo o mundo da obra atribuída a Lao Tse (Lao Zi), o “Verdadeiro Clássico do Inominável” (無名真經Wu Ming Zheng Jing). Para além do famoso Dao De Jing (道德經Tao Te King), o Wu Ming Zheng Jing é a sua única obra conhecida. Alguns sinólogos estrangeiros opinam que o recentemente descoberto Wu Ming Zheng Jing (abreviado em geral para Wu Jing) é ainda superior ao Dao De Jing.
O manuscrito foi descoberto no túmulo do sábio, no templo de Lou Guan Tai, província de Shanxi. O túmulo foi violado em 1994 durante um ritual secreto praticado por uma seita esotérica de alquimistas taoístas. A seita defende que Lao Tse continua vivo, tal como sua mãe, cujo túmulo se encontra ao lado, uma vez que ambos se dedicaram à prática de lian dan 煉丹, isto é, ao fabrico de pílulas da imortalidade. De facto, mais nada, a não ser o Wu Jing, foi encontrado no túmulo. A obra, mais breve ainda e mais densa do que o Dao De Jing foi caligrafada sobre tiras de bambu, mas desfez-se à medida que um dos iniciados taoístas a copiava apressadamente para um caderno.
No cap. XX do Wu Jing pode ler-se: “Apenas em mim nada é mortal / tesouro do inominável / mistério do grande Dao!” (我獨無死地也 / 無名之寶 / 大道之玄。Wo du wu si di ye / wu ming zhi bao / da dao zhi xuan). Segundo os alquimistas, trata-se, com efeito, de uma obra composta por Lao Tse já depois de se ter tornado um Imortal.
Três meses após a sua inesperada descoberta, o caderno foi vendido ao governo chinês para divulgação, decepado embora num terço das suas páginas. Segundo consta, nessas páginas, Lao Tse descreveria minuciosamente a receita infalível para alcançar a longevidade e a imortalidade, em cuja demanda se aplicaram gerações e gerações de seguidores do taoísmo. O grupo de alquimistas mantém absoluto segredo sobre o seu conteúdo e a pressão do governo para resgatar as folhas tem sido vã. A obra foi publicada incompleta pela Editora Xinhua em 1995. Quanto ao manuscrito truncado, foi roubado em 1998 do depósito da Biblioteca de Pequim, onde se encontrava, para ressurgir posteriormente num leilão da Sotheby’s. Stanley Ho adquiriu-o então a peso de ouro após acérrima disputa com o Instituto Ricci. Como foi parar à cave da Biblioteca da Reitoria da Universidade Clássica de Lisboa, ninguém o sabe explicar. Os descendentes de Stanley Ho encontram-se neste momento em negociações com a dita Reitoria no sentido de reaver o precioso manuscrito.

O incêndio do pavilhão
A cidade de Macau esteve representada na Exposição do Mundo Português em Belém quando decorria o ano de 1940. Construiu-se a Rua de Macau, cujo maior atractivo era um colossal paquiderme de pedra, de tromba erguida e carregando no dorso um pavilhão de dois andares em estilo chinês. O portal que dava acesso a essa rua pode ainda hoje ser visitado entre a folhagem do Jardim Botânico Tropical de Lisboa. No entanto, o elefante com o seu pavilhão desapareceu misteriosamente. O processo relativo ao desaparecimento foi abafado pelo regime de Salazar. Encontra-se na Torre do Tombo e, ainda hoje, não pode ser consultado pelo público em geral.
Segundo consta, a Seita do Dragão Azul, uma seita nacionalista chinesa, mantinha entre os estudantes macaenses residentes em Portugal uma pequena ramificação. Formada ainda sob influência, pelo menos indirecta, do Dr. Sun Yat-sen enquanto este vivia em Macau nos primeiros anos do século XX, a seita encontrava-se então activamente empenhada na luta contra o invasor japonês que ocupava toda a China do leste e, por extrapolação, contra qualquer poder colonizador. Os estudantes macaenses em Portugal receberam ordens para queimar toda a área colonial da Exposição na noite seguinte à da sua abertura oficial. Algo terá, porém, corrido mal e Salazar foi informado a tempo. A vigilância apertou-se em torno da área colonial e os asiáticos, goeses incluídos, passaram a ser discretamente revistados e identificados antes de nela poderem penetrar.
Os planos da Seita do Dragão Azul saíram gorados pela máquina salazarista e os portugueses puderam regozijar-se com a vastidão do seu império. No entanto, na última noite da Exposição, um estudante macaense, de nome Xavier Cheong, conseguiu deitar fogo ao símbolo de Macau. No flanco do elefante de pedra pincelou insultos a Portugal em português e chinês. Foi posteriormente capturado pela PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado), a antecessora da PIDE.
Na manhã seguinte à do fecho da Exposição, do pavilhão em madeira restavam apenas cinzas. Salazar ordenou que fossem rapidamente removidas e que lançassem ao Tejo o elefante de pedra, onde ainda hoje provavelmente jaz, sob as mesmas águas que as caravelas sulcaram outrora em demanda do Oriente.

A Pedra das Mutações
Como é comummente sabido, o Jardim da Fundação Gulbenkian contém, na sua arquitectura, elementos de influência sino-japonesa. Um dos mais curiosos é a pedra colocada sobre o relvado que desce para o lago dos nenúfares. A pedra foi transportada para Portugal nos princípios do séc. XVII por um fidalgo aventureiro nascido em Lisboa, Nuno Gouveia de Faria. Julgando-a altamente decorativa, Gouveia de Faria tê-la-ia usurpado de um jardim que existia então em Liampó (Ningbo), como o comprovam fontes inglesas coevas (veja-se a obra de Sir Colin Ormsby-Gore, The Portuguese Trade and Atrocities at the Port of Macao and Southern China, London, 1602, New Delhi, 1971, reprint.). De facto, a pedra foi outrora profusamente gravada e pintada com os 60 hexagramas do Clássico das Mutações (易經Yi Jing).
A pedra adornou o parque da mansão da família do fidalgo Nuno Gouveia de Faria até à sua demolição, nos finais do séc. XIX. Durante a construção do jardim da Gulbenkian, nos anos 1960, o sinólogo espanhol Pe. Lorenzo Benito Muralles, SJ, que veraneava então por cá, descobriu-a por acaso num descampado, tendo sido ele próprio a sugerir ao arquitecto Ruy Jervis D’Athouguia nova morada para a pedra. Muralles conhecera os pais do arquitecto em Macau, a cidade onde D’Athouguia nascera. Este mencionou o assunto ao seu colega Ribeiro Telles, encarregado do plano dos jardins do museu. Ribeiro Telles aprovou a ideia.
Muralles julgava mesmo distinguir ainda, no canto direito superior da pedra, a gravação – naturalmente muito desgastada pelo tempo – dos traços contínuos e descontínuos do décimo segundo hexagrama, o hexagrama pi 否: em cima, o Céu, em baixo, a Terra.

O Pátio das Flores Rubras
Pouca gente terá conhecimento da história assaz pícara por trás da construção da casa típica de Macau do Portugal dos Pequenitos, em Coimbra. Durante a concepção desse projecto do Antigo Regime, ficou encarregado do plano da casa de Macau um arquitecto que nunca pusera pé na Ásia. Para levar a cabo a tarefa, e na impossibilidade de até lá se deslocar, consultou afanosamente arquivos fotográficos respeitantes àquele longínquo território português. A sua escolha, no entanto, foi infeliz. Tomou como inspiração para reproduzir em pedra certa fotografia que mostrava um edifício de estilo acentuadamente chinês. O pobre arquitecto ignorava que se tratava de um famoso lupanar da zona mais libertina da Cidade do Santo Nome de Deus: o Pátio das Flores Rubras (紅花園Hong Hua Yuan). Este lupanar, que deliciou gerações de chineses e portugueses, foi incendiado em 1947, como consequência de uma intrincada história de vingança política, mulheres e ópio entre duas seitas rivais, a afamada Qing Bang e a Wo Shing Wo. Dos seus escombros resta apenas, na rua onde se situara, a pedra fronteira gravada com três caracteres chineses sobre a tradução portuguesa, ainda em grafia antiga: “Páteo das Flores Rubras”. No entanto, por ironias do destino, e para que fossem iniciadas de bem cedo as crianças portuguesas nos inefáveis mistérios do Oriente, a reprodução da sua fachada iria sobreviver, fiel, muito longe dali, em Portugal, no Portugal dos Pequenitos.

Retrato da Senhora Jacinta Wok
A Senhora Jacinta Wok (1884~1945), nada e criada na cidade do Porto, foi protagonista de um dos maiores escândalos que alguma vez abalaram Macau. Deveu-se o escândalo ao facto de ter vivido trinta e nove anos em regime de concubinato com um rico negociante chinês, Wok Mei Lo, estabelecido no território desde os finais do séc. XIX. Wok Mei Lo tomou-a como sexta concubina no final da dinastia Qing, quando a dona Jacinta, cujo apelido era ainda Santos da Cruz, servia como ama em casa da família Mendes Couceiro.
Juram versões que a ama terá trocado essa família pela casa Wok por se ter tomado de amores pelo negociante; outras explicam-no por um desejo irreprimível de ascensão social ou desilusões com a comunidade portuguesa. O certo é que se submeteu às exigências do negociante a ponto de chegar a enfaixar os pés. Sofreu, por isso, dores atrozes durante o resto da vida, uma vez que tal operação, em princípio, se destinava a meninas com cerca de cinco anos de idade. Além disso, teve de suportar as torturas e vexames que lhe infligiam as outras concubinas do negociante, não só devido à sua insignificante posição na casa – concubina número seis – como devido ao facto de ser estrangeira, pior, estrangeira traidora à sua própria comunidade. Rejeitada por ambas as raças, também no negociante Jacinta não encontrou qualquer apoio, pois Wok Mei Lo nunca a conseguiu apreciar, nem mesmo com os pés enfaixados. Segundo consta, servia-se dela nos seus negócios, cedendo-a a outros chineses ricos e curiosos, e exibia-a perante os portugueses como um troféu humilhante.

As tartarugas wenjia
As tartarugas wenjia (文甲, à letra, “carapaça escrita”) são uma espécie autóctone que se encontra apenas em território chinês. Os exemplares desta espécie caracterizam-se por uma particularidade notável: apresentam caracteres chineses gravados na sua carapaça, alguns deles muito antigos.
A única explicação para a existência destas carapaças baseia-se na teoria da selecção artificial, num processo em tudo semelhante ao que sucedeu com os caranguejos Heike de Danno-ura, no mar do Japão, que exibem nas suas couraças rostos de samurai. Assim, os cientistas supõem que, de início, as tartarugas wenjia seriam semelhantes a todas as outras espécies comuns na China. No entanto, como se sabe, há vários milhares de anos que os chineses praticam a adivinhação com carapaças de tartaruga e também há vários milhares que vêm apreciando a sua carne. Assim, os adivinhos teriam começado por poupar a vida dos antepassados das tartarugas wenjia cujas carapaças apresentavam sulcos que se assemelhavam a caracteres chineses. Os chineses acreditam que a origem dos seus caracteres é sagrada. Ao evitar-lhes a morte, e provavelmente sacralizando-as, as tartarugas encetaram um processo evolutivo. Apercebendo-se das vantagens de não apresentar uma carapaça vulgar – mais tempo para procriar e uma morte adiada – as tartarugas investiram nos caracteres das carapaças, marcas que são hereditárias. Com o fluir das gerações tanto de adivinhos como de tartarugas, aqueles animais cujas carapaças apresentavam caracteres sobreviveram.
Grandes coleccionadores de carapaças wenjia foram o poeta Camilo Pessanha e o advogado Silva Mendes quando residiam em Macau. Exibiram-se exemplares notáveis outrora pertencentes a ambos numa exposição temporária dedicada à sua faceta de coleccionadores de arte e brique-a-braque chineses no Museu Machado de Castro, em Coimbra, por ocasião da passagem da administração de Macau para a República Popular da China e que foi, infelizmente, muito pouco visitada pelo público português. Na loja do Museu, contudo, pode ainda encontrar-se à venda o magnífico catálogo.

O Templo Taoísta da Serra da Estrela (星山觀Xing Shan Guan)
O Templo Taoísta da Serra da Estrela (星山觀Xing Shan Guan) é o único templo taoísta existente em toda a Europa e um motivo de orgulho para Portugal. Foi inteiramente concebido segundo as normas arquitectónicas dos templos taoístas chineses. A sua estatuária, por exemplo, os Oito Imortais no pavilhão do mesmo nome, veio directamente da China. A valiosa figura em folha de ouro do Imperador Amarelo foi oferta do Templo Taoísta Zhongyue Miao (中嶽廟) que se ergue na montanha sagrada Song.
De Cantão deslocou-se um célebre especialista em geomancia chinesa (fengshui), Luk Ku Lou, a fim de escolher a localização ideal do templo no cenário da Serra da Estrela. Do Templo Taoísta da Nuvem Branca (白雲觀Bai Yun Guan), em Pequim, chegaram os monges que presidiram à cerimónia religiosa que teve lugar aquando da inauguração. Alguns permaneceram por ali até se terem formado os acólitos portugueses.
A localização exacta do templo, contudo, é apenas revelada aos iniciados. Diz-se que lhes é ensinada então uma dança oculta destinada a transformar o yang em yin. A dança decorre em cima de um mapa secreto da montanha, cujo reflexo num antigo espelho de bronze aponta o local do templo.
O espelho terá pertencido ao próprio Zhang Daoling que, na dinastia Han (202 a.C.– 9 d.C., 25–220 d.C), fundou e se tornou no primeiro patriarca da Via dos Mestres Celestes (天师道tianshidao) taoísta. Mas como poderá o espelho mágico de Zhang Daoling ter vindo parar a Portugal?
Zhang Daoling nasceu no primeiro ou segundo século da nossa era sobre a Montanha do Tigre-Dragão, no Jiangxi. Certo dia, Lao Zi (Lao-Tse) apareceu-lhe sob uma forma espiritual e encarregou-o de encontrar a fórmula para compor o elixir da imortalidade. Zhang Daoling foi bem sucedido nesse empreendimento. Aos cento e trinta e três anos, subiu aos céus montado no dorso de um tigre e, de seguida, preservou a sua identidade reincarnando sucessivamente num após outro dos seus próprios descendentes. Cada um daqueles a quem coube este privilégio retomou, assim, o nome de Zhang Daoling. Tais reencarnações continuaram pelo séc. XX adiante.
No séc. VIII, um decreto do imperador Xuan Zong deu jurisdição ao Mestre Celeste Zhang Daoling “sobre todos os templos taoístas no mundo”. Isto inclui, obviamente, o Templo Taoísta da Serra da Estrela.
Importa ainda chamar a atenção para uma curiosa passagem da obra Living Taoism, de John Blofeld. Embora muitos creiam no contrário, Blofeld declara ser altamente improvável que toda uma linhagem de pontífices que se conseguiu perpetuar por quase dois mil anos tenha desaparecido nos nossos dias sem deixar rasto. E refere que alguns estudiosos defendem que foi no governo de Chang Kai-chek que a última reencarnação do Mestre Celeste foi banida do país. Revela ainda que um autor chinês sustém que Zhang Daoling tem vivido desde então em Macau “como um dragão, entre as volutas de espessas nuvens – o ópio!” Isto explicaria a sua ligação a Portugal e a sua possível implicação na construção e funcionamento do Templo Taoísta da Serra da Estrela. Quanto ao ópio, é bem sabido ser um dos componentes essenciais no fabrico das pílulas da imortalidade.

As curandeiras
Terão reparado numa pequena estatueta portuguesa do princípio do século XX que retrata duas mulheres chinesas a segurar frasquinhos de unguentos, exposta num dos armários da primeira sala do bar-museu “Pavilhão Chinês”, no nº 89 da Rua D. Pedro V, em Lisboa? O “Pavilhão Chinês” foi outrora uma farmácia e a estatueta fazia parte do seu espólio, algum do qual foi depois adquirido pelo novo dono do espaço.
Essa tosca estatueta é uma humilde homenagem a duas curandeiras chinesas que protagonizaram, em Novembro de 1911, um escândalo de contornos bizarros que abalou a então jovem república portuguesa.
Ajus e Joé, assim as chamavam os jornais da época, numa grafia aportuguesada dos seus nomes originais, eram naturais de Xangai e apresentavam-se como especialistas em devolver a vista a cegos. Os ceguinhos de Lisboa, mais as suas caixinhas de esmolas, guitarras e acordeões, acorreram aos magotes ao humilde hotel onde as chinesas se hospedaram. Naqueles tempos conturbados, o povo sucumbia facilmente à crendice e floresciam as bruxarias.
Todavia, os republicanos, adeptos do positivismo, resolveram tomar as chinesas como caso exemplar, devido talvez à sua exótica proveniência. Afirmando almejar tornar a capital num paradigma do progresso, encheram-se de brio racionalista e mandaram prender as duas arautas do obscurantismo.
A Polícia, porém, deparou com tal resistência por parte da populaça em geral e, sobretudo, dos ceguinhos, que não hesitavam em quebrar as guitarras nas cabeças dos agentes, que se tornou impossível evitar um confronto. Rebentou um motim. Contaram-se mortos. Estouraram bombas. Redacções de imprensa foram assaltadas. Machado Santos escapou por pouco a ser linchado, ficando a dever a vida à pronta acção da cavalaria. O caso acabou por ascender ao Parlamento por iniciativa do ministro do Interior. A prisão das chinesas tornou-se tema obrigatório esgrimido nos comícios e no ataque a adversários políticos.
A estatueta do “Pavilhão Chinês” é obra de Zeferino Santos, que acompanhava o pai cego nas consultas às curandeiras. O dono da antiga farmácia resolveu adquiri-la para, por graça, a colocar ao lado do anúncio de um medicamento oftálmico.
Quanto a Ajus e Joé, foram libertadas poucos dias depois de terem sido presas. Recusaram a extradição para o seu país natal. Algumas semanas antes, a 26 de Outubro desse ano, Sun Yat-sen proclamara a República da China. Receavam ver-se envolvidas com mais republicanos, ainda que chineses. Deixaram Portugal num navio que iria atravessar o Atlântico e nunca mais ninguém delas soube. Tudo quanto resta é uma foto de Joshua Benoliel no Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa e a estatueta do “Pavilhão Chinês”.

Amália em Xangai
Decorria o ano de 1950 quando o jornal satírico “Os Ridículos” anunciou nestes termos jocosos de duvidoso gosto, só possíveis na época, a notícia sobre a actuação de Amália Rodrigues em Xangai, a realizar-se dali a pouco tempo: «(…) A Xangai, à China, achamos francamente fantástico! (…) A verdade, porém, é que achamos a China um país esquisito de mais para o fado (…) Vocês já pensaram, por momentos, no que será um auditório de chineses, todos sentados no chão, a comer arroz com dois pauzinhos e a Amália a cantar-lhes o “Tudo isto é fado” ou “Avé Maria Fadista”?»
Trata-se este do único registo português aludindo à actuação de Amália em Xangai. A notícia foi, de resto, completamente abafada. Nem os jornais da época, nem as biografias de Pavão dos Santos ou de Jean-Jacques Lafaye mencionam tal facto. Duas décadas volvidas e o contrário se passaria em relação ao Japão, quando o estrondoso êxito de Amália lá alcançado encontrou merecido eco em Portugal.
Todavia, Amália actuou de facto em Xangai, decorria o ano de 1950, acompanhada por Jaime Santos à guitarra e Santos Moreira à viola. A República Popular da China havia sido proclamada no ano anterior e Xangai fora o berço do Partido Comunista. Devido à sua notoriedade, mas sobretudo devido à modestíssima origem social da fadista, o governo chinês escolheu Amália para representar Portugal num espectáculo de folclore internacional em Xangai.
Ao contrário, porém, do que supunha o jornal “Os Ridículos“, Amália não cantou o “Tudo isto é fado” nem o “Avé Maria Fadista”. Achou mais graça, estando na China, a cantar o “Grão de Arroz”, de Belo Marques (“O meu amor é pequenino como um grão de arroz/ é tão discreto que ninguém sabe onde mora…)
Acresce que, com a sua proverbial facilidade para aprender línguas estrangeiras, Amália fez questão de cantar a versão em chinês, concebida de propósito para a ocasião: 我心上的人兒 / 是多麼小小的, / 他像一粒米似的。 / 他多麼謹慎 / 沒有人知道他住的地方。 Wo xin shang de ren er shi duome xiaoxiao de/ ta xiang yili mi side/ ta duome jinshen, mei you ren zhidao ta zhu de difang…)
Até aqui, a audiência entusiasmou-se com tal voz e tal mestria do chinês. Mas quando os versos seguintes foram cantados (“Tem um palácio de ouro fino aonde Deus o pôs/ e onde eu vou falar de amor a toda a hora…”), um dos representantes dos camponeses presentes por entre o público indignou-se e berrou: “Se tem um palácio de ouro fino não foi Deus que lho deu, mas sim o sangue e o suor das classes trabalhadoras!”
Foi como um rastilho. A audiência aplaudiu o representante dos camponeses e começou a assobiar e a apupar a pobre Amália que, seguida pelos dois assustados instrumentistas, teve de abandonar o palco lavada em lágrimas. No dia seguinte, partiu precipitadamente para Berlim, onde conheceria um êxito monumental nos espectáculos do Plano Marshall.
Este breve e triste episódio na carreira da grande fadista foi abafado pela própria Amália, que negou sempre ter alguma vez posto os pés na China Popular. No entanto, foi relatado no dia seguinte pelo Diário de Xangai. Esse exemplar do jornal pode facilmente ser consultado na Biblioteca da cidade por quem dominar a leitura dos caracteres chineses. A notícia, de 21 de Setembro, intitula-se “Cantora burguesa é apupada pelo povo trabalhador no Espectáculo de Folclore Internacional”.

(Escrito entre 1997 e 2000).

8 Nov 2022

A China e os chineses em Broken Blossoms

Broken Blossoms (Lírio Quebrado é o título português) é considerado pela crítica como um dos melhores filmes de Griffith, a par de O Nascimento de uma Nação e Intolerância. Estreou em Nova Iorque no dia 13 de maio de 1919, no George M Cohan Theater. O enredo desenvolve-se em torno de Lucy, uma rapariga de 15 anos do bairro de Limehouse em Londres. O pai, Battling Burrows, é um pugilista ébrio e violento que lhe torna a vida infernal. Certo dia, Lucy procura refúgio na loja de um jovem chinês, Cheng Huan. Este admirava em segredo a beleza da rapariga. Quando o pai de Lucy descobre, espanca a filha até à morte. Ao encontrá-la moribunda, Cheng Huan mata Battling Burrows e suicida-se. Lucy é interpretada por Lillian Gish numa época em que não tinha ainda atingido o auge do estrelato. A história, embora trágica, era simples e, como afirma Rotha, “confiou no cinema para ter sucesso” (1967, 172).
Broken Blossoms baseava-se no conto ‘The Chink and the Child’, parte da colectânea Limehouse Nights (1916) do escritor inglês Thomas Burke. Burke fora funcionário e jornalista na cidade e alcançara popularidade como cronista sensacionalista dos bairros sórdidos de Londres como Limehouse, retratando os seus habitantes como personagens pecaminosas entre o erotismo, a traição e a vingança (Kepley 1978, 41).
O filme foi rodado numa época em que vigorava um intenso preconceito anti-asiático na Europa e na América, fenómeno que começara no século XIX e se prolongaria pelas primeiras décadas do século XX. A animadversão contra os asiáticos podia ser encontrada nas políticas do governo britânico e dos EUA através de leis de imigração e de restrição de imigrantes, bem como em práticas imperialistas nas Caraíbas e na Ásia. Por exemplo, no caso do Supremo Tribunal da Califórnia People vs. Hall (1854), o tribunal descreveu os imigrantes asiáticos como
“uma raça de pessoas que a natureza marcou como inferiores e que são incapazes de progredir ou de desenvolvimento intelectual para além de um determinado ponto, como a sua história demonstra; com uma diferença na linguagem, nas opiniões, na cor e na constituição física; e entre quem e a nossa natureza colocou uma diferença intransponível”. (citado por Yang 2016, 10)
E a subsequente Lei Anti-Coolie dos EUA prosseguiu na mesma veia, pintando os asiáticos como “coolies, uma raça degradada de viciados em ópio, prostitutas e jogadores sem Deus” (citado por Yang 2016, 10).
A animadversão contra os asiáticos podia também ser encontrada nos meios de comunicação, na literatura, no teatro e no cinema. Os asiáticos, chineses e japoneses em especial, eram invariavelmente retratados como a encarnação viva de um mal insidioso. Tornaram-se figuras familiares na literatura e nas revistas populares através de romances e histórias de autores como o já referido Thomas Burke e o criador do conhecido Dr. Fu Manchu, Sax Rohmer, que sonhou com a China governando a Europa e a América.
Quando Broken Blossoms foi rodado, Hollywood tornara-se num centro catalisador de animadversão contra os asiáticos. Os filmes que produzia retratavam asiáticos indignos de confiança e que constituíam uma ameaça aos valores americanos, às mulheres americanas e à América enquanto país. Por exemplo, em The Yellow Menace (1916), os maléficos chineses unem forças com os mexicanos para erguer uma conspiração subversiva contra os EUA. O título do filme recorda o termo “Perigo Amarelo”, usado pelo Kaiser alemão Guilherme II para incentivar os impérios europeus a invadir e colonizar a China, a fim de impedir que uma hipotética aliança sino-japonesa conquistasse e subjugasse o mundo ocidental.
Não esqueçamos que o nascimento do cinema coincidiu com a proliferação de ideologias pseudo-científicas como o darwinismo social e a eugenia, que promoviam a noção de raça através de uma hierarquia natural das culturas humanas. O topo pertencia aos anglo-saxónicos, o nível seguinte aos restantes caucasianos e os mongólicos e negros eram colocados no fundo. Desde então
“O cinema americano tem construído consistentemente a brancura, a forma representativa e narrativa do Eurocentrismo, como a norma perante a qual todos os “Outros” falham por comparação. As pessoas de cor são geralmente representadas como ameaças desviantes à regra branca, exigindo assim punição civilizada ou brutal, ou como objectos fetiches de beleza exótica, ícones para uma escopofilia racista” (Bernardi 1996, 3).
Receando que a ausência de uma posição anti-asiática óbvia em Broken Blossoms irritasse ou desapontasse o público, Griffith decidiu manipular previamente a leitura que dele faria, promovendo com sucesso o filme como uma obra de arte séria. Devido à aura artística, a superação do preconceito racial talvez viesse a ser tolerada. Griffith concebeu um plano elaborado para a distribuição do filme nos EUA que se assemelhou a uma grande produção teatral. E assegurou-se de que a campanha publicitária não fazia referências claras ao tema do filme (Kepley 2009).
Broken Blossoms retrata a China como um lugar anacrónico de vida contemplativa onde as pessoas estão ligadas pela família, as amizades, a comunidade e a continuidade entre gerações, enquanto Londres é dinâmica, violenta e inóspita. Não obstante ter sido filmado em 17 dias, detecta-se por parte do realizador um certo esmero e exigência de autenticidade nas cenas passadas na China. Isso era muito raro na época e continuaria a ser raro durante largas décadas. É verdade que as duas principais personagens chinesas (Cheng Huan e Evil Eye) são interpretadas por caucasianos, como era então a norma, mas todos os outros chineses são chineses de facto. As roupas chinesas são roupas chinesas e os sapatos chineses são sapatos chineses. Além disso, e isto é ainda mais notável, os caracteres chineses são caracteres chineses reais e as frases que formam são frases plausíveis. Na maioria dos filmes ocidentais, os caracteres chineses ou eram rabiscos falsos ou apareciam de cabeça para baixo, como no close-up de uma carta em The Forbidden City (1918), de Sidney Franklin.
Para além disso, Broken Blossoms parecia ir deliberadamente contra a maneira de retratar os asiáticos então dominante nos meios de comunicação populares. Na história de Burke, Cheng Huan era retratado como “o inútil de um oriental” (citado por Yang 2016, 12). Griffith tentou distanciar-se do conto sensacionalista de Burke tornando o seu ‘homem amarelo’ numa personagem melhor, enfurecendo o escritor por não o ter consultado (Kepley 1978, 46).
Durante várias noites, Griffith levou Richard Barthelmess, o actor então desconhecido que interpretava Chen Huang, a passear pela Chinatown de Los Angeles para observar os chineses, como preparação para desempenhar o seu papel (Koshy 2001, 75).
Nas cenas passadas na China, Cheng Huan é retratado como uma personagem poética que sonha em ensinar o amor budista pela paz no Ocidente, um homem eloquente que abraça valores eternos, como a eternidade de Buda e a eternidade da civilização chinesa. Vestido com vestes ricamente ornamentadas, parece sereno, digno até.
Todavia, quando se muda para Londres, o seu sonho missionário soçobra. Não se mostra capaz de ultrapassar os obstáculos inerentes à tarefa de transplantar a espiritualidade asiática para o Ocidente. Torna-se paulatinamente apenas mais um ‘chinoca’ do bairro de Limehouse. A expressão facial é melancólica, pouco fala, usa roupas envelhecidas e adopta, como Lucy, uma postura encurvada. Conserva amiúde os olhos baixos, os braços enrolando-se sobre si próprio. Com os seus ideais despedaçados, Cheng Huan transforma-se num solitário viciado em ópio e num alienado desiludido incapaz de prosperar num ambiente hostil. Na verdade, as roupas de Cheng, a sua loja, a sua casa e o seu fumo de ópio parecem conservá-lo para sempre numa existência asiática. O filme alerta deste modo para os perigos das travessias culturais e para a degeneração daí resultante.
A dificuldade em ajustar-se a uma cultura diferente é sugerida logo no início do filme. “Os bárbaros anglo-saxónicos”, os britânicos, os marinheiros americanos, são encarnações de auto-confiança machista, mulherengos e bêbados que gostam de lutas. Mas “o sensível Homem Amarelo encolhe-se de horror” ao ver os marinheiros americanos a lutar. E embora a sua mensagem budista seja semelhante à cristã (“O que não queres que os outros te façam, não faças tu aos outros”) há um equívoco na percepção cultural. Cheng Huan interpreta como violência o que foi, de facto, segundo Griffith, “Apenas uma luta livre e sociável para os Jackies”. Em suma, provavelmente não se entendem.
Ainda assim, Cheng Huan irá apaixonar-se por uma rapariga branca. A ameaça de miscigenação é, portanto, um tema central do filme. A miscigenação era um tema popular, intrigante e repulsivo ao mesmo tempo. Um dos estereótipos em voga era que o homem asiático nutria um apetite voraz por mulheres brancas. Tal como em Broken Blossoms, a luxúria era unilateral, mas os homens asiáticos conseguiam impressionar as mulheres brancas através de uma gentileza calculista, embora nunca através de proezas físicas. The Cheat (1915) de De Mille servia como protótipo, ao retratar a história de um japonês rico e perigoso que prospera na sociedade branca e é uma ameaça para as mulheres, um violador (Kepley 1978, 39). Na sequência final, é claro, as mulheres eram invariavelmente salvas por um herói branco, de preferência americano.
Broken Blossoms foi uma inovação no sentido em que não há nenhum herói branco por quem Lucy se apaixone e que a vá salvar. O herói só podia ser branco e, portanto, Cheng Huan não a podia salvar.
Um aspecto representado na grande maioria destes filmes era a violência perpetrada contra um membro (e às vezes ambos) de um casal bi-racial, muitas vezes separando-os nesse processo. Assim, a miscigenação, mesmo que retratada de uma forma mais positiva, esteve quase sempre ligada à violência e era vista, em geral, como algo a abordar com cautela. (Hui 2010, 6)
As uniões bi-raciais estão condenadas a falhar e Cheng Huan não podia concretizar carnalmente o seu desejo pela rapariga branca. Abstém-se mesmo de beijar Lucy, pois esta parecia encolher-se de terror perante tal perspectiva. Tudo quanto podia fazer era demonstrar por ela uma espécie de amor maternal: “A falta de resposta infantil de Lucy à paixão de Cheng inicia uma transformação no papel deste como um potencial amante para o de mãe substituta.” (Koshy 2001, 65).
Cheng Huan, um misto de luxúria carnal e de espiritualidade, sublimou o desejo por Lucy em adoração pela sua brancura. O seu quarto torna-se num altar de adulação à Menina Branca, à Flor Branca. Esta, no entanto, só na aparência permite ser orientalizada, ao envergar vestes chinesas, “seda azul e amarela acariciando a pele branca”. Na verdade, está imobilizada entre a brutalidade do pai e o alienado Cheng Huan, entre o abuso e a miscigenação, entre a vida de escrava e a vida de prostituta. Sem herói branco à vista, para Lucy a única saída é a morte.
Ainda assim, na altura, Broken Blossoms foi recebido como uma forma de arte e como uma declaração contra a brutalidade masculina e os preconceitos raciais. Através de uma combinação ambígua de racismo e de antirracismo, surgiu como “uma das representações mais positivas de miscigenação entre asiáticos e brancos que a indústria cinematográfica americana apresentaria durante muitos anos.” (Hui 2010, 23).

Referências:
Andrew, Dudley (1981), “Broken blossoms: The art and the Eros of a perverse text”, Quarterly Review of Film Studies, 6:1, pp. 81-90.
Barry, Iris (1940), D. W. Griffith, American film master, New York: The Museum of Modern Art, 1965, pp. 28-9.
Beach, Christopher (2015), A Hidden History of Film Style: Cinematographers, Directors, and the Collaborative Process, University of California Press, pp. 48-52.
Bernardi, Daniel (1996), “Introduction: Race and emergence of US Cinema”, The Birth of Whiteness: Race and the Emergence of US Cinema, Rutgers University Press, pp. 1-11.
Flitterman-Lewis, Sandy (1994), “The Blossom and the Bole: Narrative and Visual Spectacle in Early Film Melodrama Author(s)”, Cinema Journal, Vol. 33, No. 3 (Spring, 1994), pp. 3-15.
Hui, Arlene (2010), “Fantasies of the “Yellow Peril”: Miscegenation in The Cheat (1915) and Broken Blossoms (1919)”, Film Journal 1 https://www.ucl.ac.uk/filmjournal/content2011 (accessed July 3, 2018)
Kepley Jr., Vance (1978), “Griffith’s “broken blossoms” and the problem of historical specificity”, Quarterly Review of Film Studies, 3:1, pp. 37-47.
Koshy, Susan (2001), “American Nationhood as Eugenic Romance”, Differences: a Journal of Feminist Cultural Studies, 12 (1), pp. 50-78.
Rotha, Paul e Griffith, Richard (1967), Survey of World Cinema. The Film Till Now A Survey of World Cinema, New York: Twayne Publishers, pp. 169-79.
Torregrosa, Daniel C. Narváez (2008), “La Vision Cinematográfica de D. W. Griffith”, Frame: revista de cine de la Biblioteca de la Faculdad de Comunicación, Nº 3 2008, pp. 44-57.
Yang, Helen (2016), “White Washed Out: Asian American Representation in Media” https://sites.duke.edu/bakerscholars/files/2017/02/Yang_AsianAmericanMediaRepresentation.pdf (accessed June 29, 2018)

28 Out 2022

Debate sobre cavalos brancos de Gongsun Long

Tradução e comentários de Cláudia Ribeiro

「白馬非馬」,可乎?
曰:可。
曰:何哉?
曰:馬者,所以命形也;白者,所以命色也。命色者非命形也。故曰:「白馬非馬」。

Interlocutor – “Cavalos brancos não são cavalos” é admissível?
Gongsun Long – É admissível.
I – Mas como?!
GSL – “Cavalo” nomeia uma forma. “Branco” nomeia uma cor. O que nomeia uma cor não é o que nomeia uma forma. Por isso digo: “cavalos brancos” não é “cavalos”.

Comentário
Neste início do diálogo, o interlocutor mostra-se surpreso com a afirmação de Gongsun Long de que cavalos brancos não são cavalos. Gongsun Long justifica que essa afirmação se sustenta porque o que nomeia uma forma não é o que nomeia uma cor. Que o que nomeia uma forma não é o que nomeia uma cor é uma afirmação verdadeira. No entanto, a conclusão – de que cavalo branco não é cavalo – não se segue das premissas. Para obter um modus ponens o raciocínio deveria ser antes o seguinte:
Se “cavalo” indica a forma, enquanto “branco” indica a cor; e se o que indica a forma não é o que indica a cor, então, “cavalo” não é “branco”. Ou seja, a conclusão não seria que “cavalo branco” não é “cavalo”.
E em que sentido é que o que nomeia uma cor não é o que nomeia uma forma? Será uma distinção entre essência e acidente do tipo aristotélico? Angus C. Graham (1986: 100) fez notar que, na filosofia chinesa, as coisas são concebidas como tendo forma e tendo cor, (有形有色, you xing you se). Ou seja, são concebidas como se forma e cor fossem sua parte intrínseca e não como sendo essencialmente formas onde a cor é um acidente. No entanto, é difícil discordar que a forma (cavalo) é algo de necessário, estrutural, para um cavalo ser visual- mente e mentalmente reconhecido como um cavalo, enquanto a cor branca é uma qualidade acidental. Mas também é verdade, como acrescenta Graham, que forma e cor são percebidas simultaneamente; e que a forma é percebida através de vários dos nossos sentidos, entre os quais a visão que capta a cor.
O que interessa reter é que esta resposta de Gongsun Long mostra que ele não se situa no mesmo plano do interlocutor. Situa-se no plano da linguagem e não no plano dos cavalos e das coisas brancas concretas. Refere-se a termos, aos termos “cavalo”, “branco” e “cavalo branco”. O termo “cavalo branco” provém da combinação da forma cavalo com a cor branca. Denota todos os cavalos que partilham a forma cavalo e a cor branca. Isto difere do termo “cavalo” que denota o conjunto de todos os seres com a forma cavalo, independentemente da sua cor. E difere do termo “branco” que denota todas as coisas brancas independentemente da sua forma. Ou seja, no plano semântico, cada um desses termos tem um conteúdo conceptual diferente. Por isso, é admissível afirmar que “cavalos brancos” não é “cavalos”.

曰:有白馬,不可謂無馬也。不可謂無馬者,非馬也?有白馬為有馬,白 之,非馬何也?
I – Mas, havendo cavalos brancos, não se pode dizer que não há cavalos. Se não se pode dizer que não há cavalos, então como é que [cavalos brancos] não são cavalos? Se, havendo cavalos brancos, então, há cavalos, como é que os brancos não são cavalos?

Comentário
O interlocutor riposta que a existência de cavalos brancos implica a existência de cavalos. O seu raciocínio respeita a lei da inferência. Todavia, mostra com isto que continua a pensar no plano (onto)lógico, no interior do qual a afirmação de Gongsun Long não só é falsa como é bizarra.

曰:求馬,黃、黑馬皆可致;求白馬,黃、黑馬不可致。使白馬乃馬也,是 所求一也。所求一者,白馬不異馬也;所求不異,如黃、黑馬有可有不 可,何也?可與不可,其相非明。故黃、黑馬一也,而可以應有馬,而不 可以應有白馬。是白馬之非馬,審矣!
GSL – Se o que se procura são cavalos, os baios ou negros podem ser enviados. Mas, se o que se procura são cavalos brancos, os baios ou negros não podem ser enviados.
Se “cavalo branco” fosse “cavalo”, ambas as pretensões seriam idênticas. Se ambas as pretensões fossem idênticas, “branco” não se diferenciaria de “cavalo”. Se ambas as pretensões não fossem diferentes, como pode ser que os baios ou negros ora sejam admissíveis, ora sejam inadmissíveis? É óbvio que “admissível” e “inadmissível” não são idênticos um ao outro. Por isso, através dos baios ou negros pode concluir-se que há cavalos, mas não se pode concluir que há cavalos brancos. Daí que, de facto, “cavalos brancos” não é “cavalos”!

Comentário
Gongsun Long riposta com um raciocínio que se assemelha a um modus tollens:
Se cavalos brancos são cavalos, então procurar cavalos brancos é idêntico a procurar cavalos baios e negros.
Procurar cavalos brancos não é idêntico a procurar cavalos baios ou negros. Logo, cavalos brancos não são cavalos.
Mas trata-se, na verdade, de um raciocínio falacioso do tipo designado como “boneco de palha”, através do qual se distorce o raciocínio do interlocutor para melhor o atacar. O interlocutor não defendeu que é idêntico procurar cavalos brancos e procurar cavalos baios ou negros. De cavalos brancos serem cavalos não se segue que procurar cavalos brancos seja idêntico a procurar cavalos baios e negros. Logo, a conclusão é inválida.
No entanto, se nos deslocarmos da esfera estritamente lógica para a esfera semântica, as coisas mudam de semblante. Antes de mais, se o que se procura são “cavalos” e se os baios ou negros vão de encontro ao que se procura, como afirma Gongsun Long, então isto significa que também os brancos iriam ao encontro do que se procura. Nesse sentido, Gongsun Long está a reconhecer, sub-repticiamente, que cavalos brancos são efectivamente cavalos.
Por isto se vê que o interesse de Gongsun Long não é contrariar a noção comum de que os cavalos brancos são cavalos. Fei em bai ma fei ma, não tem, aliás, a mesma carga ontológica do nosso “não é”, mas aproxima-se mais de “não é o mesmo que” ou “não é como”.1 Nesse sentido, bai ma fei ma não está nos antípodas de “cavalos brancos são cavalos”, mas apenas de que “cavalos brancos são o mesmo que cavalos.”
O que move Gongsun Long é mostrar que, em determinadas circunstâncias, os cavalos brancos não devem ser tomados simplesmente como cavalos. Isto porque, quando o que se procura não são “cavalos”, mas “cavalos brancos”, nem cavalos negros nem cavalos baios vão ao encontro do que se pretende. Se um regente pedisse que lhe fossem enviados cavalos brancos para uma dada cerimónia protocolar e súbditos distraídos lhe enviassem cavalos brancos, baios e negros, como se o imperador tivesse pedido apenas “cavalos”, poderiam rolar cabeças… Os cavalos baios e negros podem ser incluídos na extensão “cavalos” mas não podem ser incluídos na extensão “cavalos brancos”.
Repare-se que, no final do trecho, Gongsun Long torna a reconhecer que os cavalos brancos são efectivamente cavalos, quando afirma que, através dos baios ou negros (logo, também dos brancos) se pode concluir que há cavalos. Todavia, nem de “cavalos baios e negros”, nem sequer de “cavalos”, se pode concluir que há cavalos brancos. Apenas de “cavalos brancos” se pode concluir que há cavalos brancos. “Cavalos” e “cavalos brancos” são termos que não dizem respeito exactamente ao mesmo conjunto de seres. Tanto a extensão como a intensão são diferentes. Por isso, mais uma vez, é admissível afirmar que “cavalos brancos” não é “cavalos”.

曰:以馬之有色為非馬,天下非有無色之馬也。天下無馬可乎?
I – Consideras que cavalos com cor não são cavalos mas, neste mundo, não há cavalos sem cor. “Neste mundo não há cavalos” é admissível?

Comentário
O interlocutor não repara que Gongsun Long acabou de afirmar implicitamente por duas vezes que os cavalos brancos são efectivamente cavalos, o que poderia ter inflectido o debate numa outra direcção. Mantendo-se no plano concreto, apoia-se num mal-entendido: que Gongsun Long afirmou que cavalos concretos, com cor, não são cavalos. Ora, em nenhum momento isso aconteceu. Mas o interlocutor prossegue, ripostando que, por reductio ad absurdum, nesse caso não existiriam cavalos, dado todos os cavalos terem cor. Negar que um cavalo branco seja um cavalo equivale a negar que um cavalo de qualquer cor seja um cavalo. Ora, não existem cavalos sem cor; de onde se concluiria que não existem cavalos, o que é um absurdo e até Gongsun Long teria de o reconhecer como tal.

曰:馬固有色,故有白馬。使馬無色,有馬如已耳,安取白馬?故白者非 馬也。白馬者,馬與白也;馬與白馬也,故曰:白馬非馬。
GSL – Os cavalos têm necessariamente cor, por isso há cavalos brancos. Se os cavalos não tivessem cor, então só haveria cavalos como tal; como distinguir aí os cavalos brancos? Por isso, “branco” não é “cavalo”. “Cavalo branco” é a combinação de “cavalo” com “branco”. Poderá a combinação de “cavalo” com “branco” ser “cavalo”? Por isso digo: “cavalo branco” não é “cavalo”.

Comentário
Gongsun Long desloca-se brevemente para o plano concreto do seu interlocutor e corrige-o: não há efectivamente cavalos sem cor. Caso os cavalos não tivessem cor, não haveria cavalos brancos. Não havendo cavalos brancos, não existiria o termo “cavalos brancos”, bastaria o termo “cavalos”. Mas há cavalos brancos, cavalos baios e cavalos negros. E faz notar que o termo “cavalos brancos” engloba “brancos”, tal como a identidade dos cavalos brancos engloba ser branco. Ora, o mesmo não sucede com o termo “cavalos”, que não engloba por si cor alguma, tal como o cavalo conceptual é livre de especificidades (como a cor) e por isso não é idêntico aos cavalos específicos, particulares. Algo nos cavalos com cor, como os brancos, é cavalo, mas não existe uma relação de identidade entre o que “cavalos brancos” e “cavalos” denotam. Dado não terem a mesma identidade, é admissível afirmar que “cavalos brancos” não é “cavalos”.

曰:馬未與白為馬,白未與馬為白。合馬與白,復名白馬。是相與以不相 與為名,未可。故曰:白馬非馬未可。

I – “Cavalo” que não se combina com “branco” é “cavalo”, “branco” que não se combina com “cavalo” é “branco”. “Cavalo” com “branco” combinando-se, o composto nomeia-se “cavalo branco”. Isto chama-se combinar o que não se combina, o que é inadmissível. Por isso, dizer que “cavalo branco” não é “cavalo” é inadmissível.

Comentário
Por fim, o interlocutor desloca-se também ele para o plano semântico. E conclui que, se a combinação de “cavalos” com “brancos” não é “cavalos”, como defende Gongsun Long, então só quando “cavalo” não se combina com nenhuma cor é que é “cavalo” e só quando “branco” não se combina com nada é que é “branco”. Se os cavalos tiverem cores serão sempre “cavalos brancos”, “cavalos baios” ou “cavalos negros” e nunca simplesmente “cavalos”. Mas isso, prossegue, é formar um termo composto (“cavalo branco”) com componentes originalmente independentes um do outro, “cavalo” e “branco”.

曰:以「有白馬為有馬」,謂有白馬為有黃馬,可乎?
GSL – Dizes: “se há cavalos brancos, então há cavalos”. E dizer que, se há cavalos brancos, então há cavalos baios, é admissível?

Comentário
Depois de relembrar ao interlocutor a posição deste (de que se pode concluir que há cavalos de haver cavalos brancos), Gongsun Long distorce novamente um pouco a questão e pergunta-lhe se, de um universo onde existem cavalos brancos, se pode concluir que há cavalos baios ou negros. Isto equivale, claro está, a perguntar o inverso, se de um universo onde existem cavalos baios ou negros é admissível concluir que há cavalos brancos.

曰:未可。
I – É inadmissível.

Comentário
O opositor, obviamente, discorda que, de haver cavalos brancos, se possa concluir que há cavalos baios.

曰:以有馬為異有黃馬,是異黃馬於馬也;異黃馬於馬,是以黃馬為非 馬。以黃馬為非馬,而以白馬為有馬,此飛者入池而棺槨異處,此天下之悖言亂辭也。
GSL – Considerar que haver cavalos difere de haver cavalos baios é diferenciar entre “cavalos baios” e “cavalos”. Ora, diferenciar entre “cavalos baios” e “cavalos” é considerar que “cavalos baios” não é “cavalos”. Considerar que “cavalos baios” não é “cavalos”, mas manter que “cavalos brancos” é “cavalos”, é como “algo a voar penetra no lago” e “caixão interior e caixão exterior estão em diferentes lugares”2 – do mais contraditório e disparatado deste mundo!

Comentário
Gongsun Long faz então com que o interlocutor repare na sua presumível contradição. “Presumível” porque, mais uma vez, deixa cair, pelo caminho, o termo “branco”. Afinal, “cavalo baio” é diferente de “cavalo” (e já não de “cavalo branco”). Dado que “cavalo baio” é diferente de “cavalo”, então, “cavalo branco”, necessariamente, também é diferente de “cavalo”. E vai avisando que, caso o interlocutor discorde disto, cairá em contradições que considera absurdas. Os dois exemplos de contradições que oferece não costumam merecer qualquer linha dos comentadores. No entanto, se lhes prestarmos atenção, assemelham-se estranhamente a algumas das teses de Hui Shi acima referidas. Não seria esta uma crítica a esse tipo de antinomias, como se Gongsun Long delas se quisesse demarcar?

有白馬,不可謂無馬者,離白之謂也。不離者有白馬不可謂有馬也。故所以為有馬者,獨以馬為有馬耳,非有白馬為有馬。故其為有馬也,不可以謂馬馬也。
GSL – De haver cavalos brancos, não se pode dizer que não há cavalos: chama-se “separar o branco”. Não separar o branco, é quando, de haver cavalos brancos, não se pode dizer que há cavalos. Assim, que há cavalos, é porque de “cavalos” se conclui que há cavalos, não porque de “cavalos brancos” se conclua que há cavalos. Assim, se [de cavalos brancos] se concluísse que há cavalos, então não se poderia dizer que os cavalos são “cavalos”.

Comentário
Gongsun Long deixa claro que quem defende que se deve “separar ‘branco’” (li bai) defende que “quando há um cavalo branco pode afirmar-se que há um cavalo”. Ou seja, havendo um cavalo branco, é possível abstrair do branco e concluir que há um cavalo, conferindo, assim, o protagonismo a “cavalo”. É a posição do interlocutor.
Mas, para quem defende que não se deve “separar ‘branco’” (bu li), “quando há um cavalo branco não se pode afirmar que há um cavalo”. Se há um cavalo branco, não é possível abstrair “branco” do cavalo. Um cavalo branco, com cor, é diferente do cavalo-forma, abstracto, sem determinação de cor. Ou seja, aqui confere-se protagonismo a “branco”. É a posição de Gongsun Long.
Assim, da proposição “há cavalos brancos” conclui-se que há cavalos só por causa do termo “cavalos”. Se do termo “cavalos brancos” se concluísse que há cavalos (ou seja, se “brancos” também estivesse implicado nessa conclusão), então “cavalos” e “cavalos brancos” seriam idênticos e intermutáveis. Mas se os termos “cavalos” e “cavalos brancos” fossem intermutáveis, então, das duas uma: ou seria possível chamar “cavalos brancos” aos cavalos baios e negros, o que é inadmissível; ou teria de se chamar aos cavalos baios e negros outra coisa que não “cavalos”.

曰:白者不定所白,忘之而可也。白馬者,言白定所白也。定所白者,非 白也。馬者,無去取于色,故黃、黑皆所以應。白馬者,有去取于色,黃、 黑馬皆所以色去,故唯白馬獨可以應耳。無去者非有去也;故曰:「白馬非馬」。
GSL – “Branco” não fixa o que é branco e pode ser posto de parte. Em “cavalos brancos” fala-se num branco fixado. O branco fixado não é “o branco”. “Cavalos” não exclui nem selecciona cores, por isso, baios ou negros podem ser aceites. Mas “cavalos brancos” exclui e selecciona cores e, por isso, os baios ou negros ficam excluídos devido à cor e só cavalos brancos podem ser aceites. Não excluir nada não é o mesmo que excluir algo. Por isso digo: “cavalos brancos” não é “cavalos”.

Comentário
Gongsun Long declara que, neste debate, é extemporâneo discorrer sobre uma cor que não está associada a nada. Rebate assim a anterior interpretação distorcida do seu interlocutor segundo a qual estaria a afirmar que só quando “cavalo” não se une a “branco” é que se trata de cavalo, e que só quando “branco” não se une a “cavalo” é que se trata de “branco”. Um termo (“cavalo”) que informa sobre a forma mas não informa sobre uma determinada característica, como a cor, difere forçosamente de um termo que informa tanto sobre a forma como sobre uma determinada característica, como a cor (“cavalos brancos”). Por não informar sobre a cor, “cavalos” designa os cavalos brancos, baios ou negros. Por informar sobre a cor, “cavalos brancos” só designa os cavalos brancos e exclui os baios ou negros. Logo, “cavalos brancos” não é o mesmo que “cavalos”. Mais uma vez, dado não terem nem a mesma intensão nem a mesma extensão, é admissível afirmar que “cavalos brancos” não é “cavalos”.

Notas
1 Fei pode desempenhar quatro funções: afirmar que um sujeito é diferente de um objecto; afirmar que um sujeito não tem um certo atributo; mostrar que a relação entre um sujeito e o objecto é exclusiva; e mostrar que nomes compostos (como “bois-cavalos”) não são iguais a nomes de indivíduos. Em bai ma fei ma, fei é utilizado na primeira forma, no sentido em que “cavalo branco é diferente de cavalo” (Mou Zongsan 1979).
2 Na China Antiga, para cada cadáver, era costume utilizarem-se dois caixões, um exterior e um interior.

Excerto de Cláudia Ribeiro, “Podem cavalos brancos não ser cavalos? O “Debate sobre Cavalos Brancos” de Gongsun Long e sua tradução comentada.”, in Philosophy@Lisbon, nº11.
http://www.philosophyatlisbon.org/archive.php

21 Out 2022