Manchete SociedadeEx-procurador atribuía obras e serviços a empresas de familiares e empresários locais Joana Freitas - 29 Fev 201629 Fev 2016 Mais de duas mil adjudicações de obras e serviços, empresas ocas – próprias ou de familiares –, conluio com empresários e dez anos de ilegalidades “em equipa” entre o ex-procurador, o Chefe do seu Gabinete e um assessor. São as acusações que Ho Chio Meng enfrenta, agora que está em prisão preventiva depois de ter tentado sair de Macau [dropcap style=’circle’]H[/dropcap]o Chio Meng, o Chefe do Gabinete do Procurador e um assessor do Ministério Público são três dos envolvidos no caso que levou o ex-procurador da RAEM a ficar em prisão preventiva, depois de ter sido apanhado pelas autoridades a tentar sair de Macau. Ho Chio Meng está acusado de corrupção, burla, participação económica em negócio, abuso de poder e falsificação de documento, em conjunto com “um assessor do MP, o chefe do Gabinete do MP e outros empresários locais”, como referiu ontem André Cheong, dirigente do Comissariado contra a Corrupção (CCAC). O Chefe do Gabinete de Ho Chio Meng era, à data e como pode ser confirmado no Boletim Oficial, Lai Kin Ian. Numa conferência de imprensa marcada especificamente para revelar informações sobre o caso, o Comissário indicou que “o ex-procurador da RAEM” – só existe um, que é, então, Ho Chio Meng – “adjudicou obras e serviços a mais de dez empresas e empresários locais, sendo dois deles familiares” do próprio Ho Chio Meng. Mais de duas mil adjudicações foram feitas directamente pelo MP, directamente ou através de concursos públicos forjados – muitos deles “a empresas ocas, sem trabalhadores efectivos”. O montante envolvido é, para já, de mais de 167 milhões de patacas, sendo que “os suspeitos terão beneficiado de pelo menos 44 milhões”. As contas, contudo, dizem respeito a dez anos – de 2004 a 2014 – e André Cheong admite que pode haver mais valores. “Ainda estamos a ver essas quantias, isso é no mínimo.” As obras e serviços foram adjudicadas directamente pelo MP, porque dizem respeito a serviços de “melhorias” das instalações, “limpeza e segurança” e este é um órgão independente. “As obras e serviços eram atribuídas directamente em conluio com empresário ou até a empresas de eles próprios, algumas ocas, que não prestavam esses serviços e que os adjudicavam, por sua vez, a outras. O caso envolve empresários de cerca de dez empresas, algumas [adjudicações] até foram a concurso público, mas ganhavam sempre as mesmas, havia dois ou três que ganhavam sempre os concursos, ou por casa da urgência ou da experiência”, explicou André Cheong, que acrescentou que, por vezes, havia repetições da adjudicação do mesmo serviço ou obra. Dentro de casa Há cerca de dois meses, o HM interrogou o MP sobre se Ho Chio Meng estaria em Macau, devido a uma fonte ter revelado a este jornal a possibilidade de o ex-procurador estar a tentar sair “devido a um processo”. O MP negou que este não estivesse no território e o CCAC, questionado sobre a situação, indicou que não havia qualquer investigação a decorrer. Ontem, contudo, André Cheong revelou que, mesmo antes de tentar sair do território na sexta-feira, Ho Chio Meng já tinha sido alvo de aplicação de medidas de coacção. “Já tinha sido declarado arguido e aplicado medidas de coacção, pelo que fizemos a detenção dado a gravidade do caso”, explicou o Comissário, que disse ainda que Ho Chio Meng já tinha conseguido passar a fronteira quando foi apanhado por um polícia e um agente do CCAC, no Terminal Marítimo do Porto Exterior. A denúncia que levou à investigação do CCAC partiu do próprio MP. Apesar de há dez anos a situação estar a decorrer, só depois de Ho Chio Meng deixar o cargo – que ocupou desde 1999 até Dezembro de 2014 – é que esta aconteceu, “no primeiro semestre de 2015”. “Eles funcionavam em equipa, era uma parceria, e utilizavam meios para que os outros [trabalhadores] não se apercebessem das adjudicações.” O tribunal acabou por aplicar a medida de prisão preventiva a Ho Chio Meng e de proibição de saída da RAEM a “outros quatro arguidos”, bem como a suspensão do desempenho das funções públicas dos trabalhadores do MP. O ex-procurador, o Chefe do Gabinete e o assessor são já arguidos, mas não há ainda data para o julgamento. Cheong fez questão de frisar que o “volume de trabalho do CCAC bateu um recorde e foi utilizado quase todo o pessoal” do organismo na investigação, que ainda decorre. Pode haver “mais suspeitos e casos conexos” e “agravamento” das acusações, ainda que Ho Chio Meng esteja a “colaborar”. Garantida imparcialidade do MP André Cheong foi questionado sobre se haveria a possibilidade de Ho Chio Meng ter abusado do seu poder para questões relacionadas com a própria justiça, mas o Comissário nega. “Por ser dentro do MP é uma tristeza para todos, mas é de natureza idêntica a outros casos de corrupção encontrados antes. Mas isto não implica a imparcialidade ou a integridade do MP, até porque a denúncia partiu do próprio organismo, que prestou uma colaboração intensa ao CCAC. Não houve outros magistrados envolvidos e não há suspeitas de benefícios através do poder judicial.” Governo “não comenta” De acordo com André Cheong, Chui Sai On “nada disse sobre o caso, a não ser para o CCAC agir de acordo com a lei”. Em comunicado, e depois de questionado sobre a situação que envolve o ex-procurador, o Executivo disse apenas que “devido ao início do processo judicial, não faz nenhum comentário”. No CCAC, o Comissário falou dos recentes casos que decorrem sobre chefias e dirigentes acusados de corrupção na Função Pública e garantiu que “sejam moscas, sejam tigres” todos são iguais perante a lei, numa referência aos nomes dados pela China continental aos funcionários e aos dirigentes, respectivamente. André Cheong disse ainda não poder responder sobre se a investigação teve apoio das autoridades do continente.