SociedadeEducação Cívica | Estudo diz que disciplina é “incompatível com cidadania activa” Hoje Macau - 15 Jan 2016 [dropcap style=’circle’]U[/dropcap]m estudo da Universidade de Macau (UM) conclui que a Educação Cívica e Moral promovida no território tem-se revelado incompatível com o conceito de “cidadania democrática activa”, cenário agravado após o movimento Occupy Central, em Hong Kong, em 2014. A ideia é o resultado do estudo “Harmonizar a melodia?! Um estudo crítico da política de Educação Cívica e Moral do sistema de educação não-superior”, assinado por Teresa Vong, docente e investigadora da instituição. “Este é um estudo sobre a evolução da Educação Moral e Cívica”, começa por explicar ao HM, a docente e autora do estudo. “Existe um conflito entre a educação nacional e a Educação Moral e Cívica. Estamos a falar sobre o conceito de cidadania e a participação cívica. Esta participação parece ter, de alguma forma, um grande conflito com a proposta de educação nacional”, continua. Em conclusão, o estudo indica que “o aspecto controverso [da Educação Cívica] prende-se com a coesão social, por um lado, e, por outro, com a promoção de um cidadão activo, com pensamento crítico e [que tome parte no] debate público, em busca da democracia. Até agora, parece que o discurso de uma cidadania democrática activa e o de construção de uma nação são incompatíveis no contexto de Macau”. A investigadora argumenta que o conceito de cidadania está a ser interpretado de forma “muito estrita, maioritariamente ligado ao patriotismo, ao cumprimento da lei e incluindo algumas virtudes tradicionais chinesas”, um entendimento que “não é suficiente para preparar os cidadãos para viverem num mundo mais vasto”. Em Macau manifesta-se uma “tensão entre o discurso da cidadania activa e a consolidação nacional desejada pelo Governo de Macau, ou talvez do Governo Central”, lê-se no estudo. O conceito de Educação Cívica e Moral – materializado numa disciplina que em 2015 começou a ser implementada nas escolas – começou a ser promovido no período de transição de Administração do território de Portugal para a China e ganhou novo fôlego com o movimento pró-democracia de desobediência civil de Hong Kong, em 2014. Vem de trás Teresa Vong recorda que a Educação Cívica e Moral esteve sempre “politicamente carregada”: a administração portuguesa foi pouco intervencionista, levando as instituições privadas a comporem o mosaico escolar com elevada liberdade, de tal modo que a primeira Lei da Educação surge apenas em 1991, em consequência da assinatura da Declaração Conjunta, em 1987, que preparou a transição para a China. Esta lei reconhece a importância do cultivo da cidadania, definindo que se deseja “desenvolver uma consciência cívica, através da transmissão da cultura de Macau, que é indispensável ao reforço e consolidação da sua identidade”. A mesma lei refere o “desenvolvimento da democracia e do pluralismo”, a importância do “respeito pelos outros e pelas suas ideias”, com “abertura ao diálogo e à livre troca de pontos de vista de modo a cultivar os cidadãos a julgarem com espírito crítico e a participarem criativamente nos assuntos sociais”. Esta lei foi substituída em 2006, passando a afirmar que as escolas e governos têm a responsabilidade de “promover o carácter patriótico dos estudantes e o amor a Macau, as boas virtudes e o cumprimento da lei e disciplina”, entre outras características. “A identidade cultural chinesa torna-se o foco, enquanto as características de Macau se tornam periféricas”, aponta Vong. Em 2014 e 2015 foi aprovada nova legislação que inclui a Educação Cívica no currículo escolar, com conteúdo específico e objectivos curriculares, tornando o conceito “mais estrito”. “As acções são altamente focadas no fortalecimento do patriotismo e da coesão do Estado através da construção de uma identidade cultural chinesa. (…) O aspecto central desta governamentalização [da educação] é a ênfase extraordinária no patriotismo, na unidade e conformidade, que pode ensombrar a importância da democracia e da autonomia individual numa sociedade liberal”, lê-se no documento. Pressão vizinha O estudo afirma que o movimento Occupy Central, em Hong Kong, “gerou grande pressão para o reforço da educação nacional e patriótica em relação à juventude de Macau”, motivando mais de cinco centenas de artigos em 17 dias, grande parte alertando para os impactos negativos do movimento em Macau. Em Outubro de 2014, a Associação de Educadores Chineses de Macau “enviou uma lista de orientações a professores para encaminharem os estudantes e reflectirem sobre o Movimento Occupy de Hong Kong de modo a evitarem influências negativas”. Em Março de 2015, Li Gang, director do Gabinete de Ligação do Governo Central em Macau, sugeriu que, devido ao Occupy, era necessário reforçar a educação nacional em Macau, lembra Vong. A investigadora conclui ser necessário “reescrever” o conceito de cidadania de modo a integrar Macau “na comunidade local, regional, internacional e global” mas admite: “Neste momento em que assistimos à harmonização de uma melodia, tudo o que ouvimos é uma peça colectiva e as vozes dos indivíduos são silenciadas”.