Indie Lisboa 2020 / 17ª Edição

[dropcap]E[/dropcap]ntre o dia 25 de Agosto e 5 de Setembro esta edição do Indie Lisboa leva às salas dos cinemas S. Jorge, cinema Ideal e Culturgest, 240 filmes seleccionados de cinematografias “periféricas” à grande indústria americana.

Se é demonstrável que o cinema contemporâneo não vive a dicotomia indústria versus arte, é igualmente demonstrável que fora da majores da grande indústria dificilmente os orçamentos permitem que se ultrapasse o regime da contenção, o que nem sempre é necessariamente mau, diga-se.

O cinema Indie, é esse vastíssimo universo de filmes produzidos fora dos grandes orçamentos e também, da pressão de sucesso de bilheteira da grande indústria.

Neste dia de abertura destacamos os filmes da secção Silvestre, assim apresentada pela organização: “… obras de jovens cineastas e autores consagrados, esta secção competitiva encontra na singularidade a sua norma. Mostramos sobre a asa do Silvestre, obras que rejeitem fórmulas consagradas, que despertem novas linguagens e cuja rebeldia espelhe o espírito do festival” e um documentário na secção IndieMusic.

À sala Manuel de Oliveira no cinema S. Jorge, chega à tela, a longa metragem documentário State Funeral de Sergei Loznitsa, realizador Ucraniano. O filme teve a sua estreia mundial a 6 de Setembro de 2019, no Festival de Veneza .

A morte de Josef Stalin em Março de 1953 foi um acontecimento de dimensão planetária, o líder da “revolução proletária internacional” tombava na efemeridade da universal condição humana. Como se sabe, as narrativas dos homens precisam dessa força icónica que ata o humano, mesmo quando com fios que se corroem com as sucessivas abordagens dos tempos que vão chegando, a dimensões próximas do mito. É essa não só a razão das histórias da história, como um dos motivos do fascínio perante a tela cinematográfica. O poder e os homens de Estado precisam e são investidos colectivamente nessa narrativa, a dos homens condutores de homens, gigantes na banalidade quotidiana. Todo o funeral de um homem de estado é investido formalmente nessa carga simbólica. Quando se trata de alguém que liderou uma visão e organização do mundo com a dimensão de uma União da Repúblicas Socialistas Soviéticas, essa morte é a ascensão ao território do mito, um híper acontecimento político.

Sobre o filme, quando da estreia em Veneza, Anton Dolin escreveu na revista Meduza: “Este funeral é uma produção notável, uma performance grandiosa. Como se costuma dizer hoje, envolvente. Os espectadores são seus participantes de pleno direito, sem os quais a acção não teria ocorrido. O público na sala onde o filme de Loznitsa é exibido também. Stalin transformou-se num artefacto, ele está prestes a se tornar uma múmia, para sempre encarnado de um objeto físico em um símbolo. Mas as pessoas vivas estão olhando para ele, de quem nada sabemos, mas cuja realidade está além de qualquer dúvida. Embora os motivos permaneçam incrivelmente vagos: e se eles não sofrerem realmente, e se estiverem interiormente regozijando-se? Se disserem adeus não ao seu amado tirano, mas à era da tirania que vai embora sem deixar vestígios? No final, nós também ficamos hipnotizados por essa ação sem pressa, esse ritual sagrado.”

Trabalho ficcional construído com recurso ao arquivo onde os procedimentos desde o anúncio da morte às cerimónias do mega funeral de estado são tema e matéria fílmica.

Antes, às 19 horas, também na mesma secção e na mesma sala, é exibido o filme “ La femme de mon frére”, ficção, 107 minutos, uma produção canadiana realizado por Monia Chokri que, conjuntamente com Justine Gauthier, também assina a montagem. O filme tem nova sessão no dia 3 às 21h30m no Grande Auditório da Culturgest.

Foi o filme de abertura no Festival de Cannes 2019 da secção “ Un Certain Regard”, onde foi vencedor no júri “coup de coeur”. Já exibido no Festival de Hamburg, Motovun Film Festival, é a primeira longa metragem da realizadora. A crítica em Cannes não efusivamente favorável, construído numa sucessão de skectchs é um filme que chega a Lisboa e que desperta curiosidade. Se o jornal “Le Figaro” lhe atribui uma estrela, e o L´Humanité duas, os Cahiers du Cinema , Paris Match, Liberacion, Elle, ou Les Inrockuptibles atribuíram 4 . O filme é apresentado como: “… inscrito na tradição do filme familiar quebequense, mas também na subtileza e cosmopolitismo de autores como Noah Baumbach ou Greta Gerwig, esta é a comédia dramática acerca de uma jovem já não tão jovem, recém doutorada, que, sem planos de futuro, procura compensação emocional na relação com o seu irmão. A ironia constante é a grande arma de boa disposição maciça, mas, através da alternância entre o cómico e a dor verdadeira – algo que a adtriz Anne-Élisabeth Bossé domina na perfeição – as personagens geanham outra vida e profundidade.” (Carlos Natálio – catálogo do festival) . Um filme e uma actriz a ver nesta ou noutras oportunidades.

Ainda nesta noite, na sessão IndieMusic, secção com filmes que trabalham temas de músicos e bandas, e os contextos políticos e sociais em que existem, sempre muito do agrado do público, chega ao ecrã do grande auditório da Culturgest às 21h30m, o documentário Billie de James Erskine. É uma produção do Reino Unido de 2019, 96 minutos.

Billie Holiday é uma lenda do jazz norte-americana.

No final dos anos 60, enquanto preparava uma biografia, o jornalista Lipnack Kuehl gravou mais de 200 horas de entrevistas com outros músicos, familiares, amigos e amantes da cantora. James Erskine com este material, registos de performances, e outras imagens de arquivo, constrói um filme sobre a vida de Billie Holiday . A cantora é uma das mega vozes do século XX. Nasceu em 1915, viveu em excesso e euforia, em 1959 era admirada por Duke Ellington, Frank Sinatra, Ella Fitzgerald.

Vamos acompanhar com atenção a edição do Festival que se apresenta como uma “ aposta na exibição de obras que preencham o vazio da circulação cinematográfica moldado pela produção mainstream que domina o mercado.” Assunto nada displicente e que nos merecerá a devida atenção.

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