Já não somos todos gregos, nem o Syriza

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ão é viral, mas está disponível nas apostas online para quem gosta de arriscar. É possível fazer-se dinheiro com uma possível saída da Grécia do euro ou uma manutenção do status quo – uma continuidade, sublinhe-se, dramática para o povo grego, com mais medidas de austeridade, restrições à saída de capitais do país e introdução de uma nova divisa. No sítio de apostas online Betway, o principal patrocinador do clube de futebol West Ham da primeira liga inglesa, quem apostar quatro libras na saída da Grécia da zona euro ganha em troca sete libras, mais o valor da aposta inicial. Segundo um outro sítio online, o OddsCheckers, que faz a síntese das apostas disponíveis na internet com links para as casas de apostas, 55 por cento das pessoas que têm apostado na principal questão política europeia das últimas semanas crêem que a Grécia vai abanador o euro, contra os outros 45 que acreditam na manutenção de Atenas no clube restrito dos 19 países do Eurogrupo.
Como em quase tudo na vida, a realidade da política – da negociação entre o Eurogrupo, a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e o governo grego – parece suplantar a mais fantasiosa imaginação de uma qualquer aposta online. Cinco dias depois de os gregos maioritariamente terem dito não a mais austeridade, num referendo considerado pelo próprio governo como um exercício democrático que outros Estados-membros da União Europeia deveriam ter a coragem de imitar, eis que o governo grego apresenta uma proposta aos credores que responde positivamente a quase todas as exigências às quais, até então, os gregos tinham dito oxi (nunca em tão pouco tempo houve tanta gente a aprender grego como agora, sobretudo partidários de uma esquerda europeia saudosa de causas agregadoras e capazes de provocar mudança). Podemos, sim, foi a nova mensagem de Alexis Tsipras, condicionada a uma reestruturação da dívida, à qual a Europa – leia-se Alemanha – não estava nem nunca esteve inclinada a discutir.

[quote_box_left]Por mais que a Grécia tenha feito o seu caminho, alguns elementos chave do Eurogrupo têm muitas dúvidas sobre a capacidade deste grupo de homens e mulheres que governa hoje a Grécia em cumprir a palavra dada. E isso mina qualquer negociação e põe em causa qualquer futuro a 19. Pelo menos a 19.[/quote_box_left]

É evidente que a situação económico-social se agrava na Grécia a cada minuto que passa. E que o desespero forçou os governantes a avançarem para um pacote de austeridade mais ambicioso do que a última proposta dos credores – aquela que tinha sido rejeitada pelo governo grego antes do referendo e que fora também afastada pela consulta popular.
Independentemente do que vier a acontecer na cimeira de chefes de Estado e de governo da União Europeia deste domingo, 12 Julho, marcada para discutir pela enésima vez a crise grega (escrevo este artigo antes de a reunião ter começado), uma coisa é indubitavelmente certa: a União Europeia, enquanto projecto e entidade político-administrativa, sai desta crise muito enfraquecida. Este é um facto que parece dar razão àqueles que a criticam por ser extremamente burocrática, demasiado focada nas questões macroeconómicas e menos nos problemas e cada vez menos solidária, quer entre os diferentes Estados-membros quer entre as pessoas, os cidadãos da União – e desde 1992, com o Tratado de Maastricht, todos os cidadãos dos diferentes Estados-membros são cidadãos europeus, como atesta o passaporte de cada uma ou um. grécia
Para uma certa Europa, para a Europa que influencia a União Europeia e é capaz de determinar o seu rumo, a Grécia não é uma parte importante. Foi apenas até 2012, quando um segundo regaste financeiro teve de ser aprovado para salvar alguns bancos alemães e franceses de uma situação muito complicada – afinal eram eles quem tinha emprestado ao governo grego e estavam na contingência de não verem os seus créditos pagos, porque em apenas dois anos de austeridade imposta pela troika, o Estado grego estava de novo à beira do incumprimento.
Agora é oficial – diz o FMI e insistem os norte-americanos. Sabe-se que as medidas foram extremamente gravosas e que a Grécia não vai lá sem um terceiro empréstimo internacional nem um aliviamento (pleonasmo para perdão) das condições dos dois anteriores. Mas alguns países não parecem estar disponíveis para ceder. Falta-lhes vontade para atravessar a sua metade da ponte para encontrar o Syriza – a coligação da esquerda radical grega – e aceitar algumas das condições que estão agora sobre a mesa. Afinal, os últimos meses foram de avanços e de recuos. De ausência de boa-fé negocial. De reuniões gravadas às escondidas através do iPhone e depois transcritas na imprensa.
Por mais que a Grécia tenha feito o seu caminho, alguns elementos chave do Eurogrupo têm muitas dúvidas sobre a capacidade deste grupo de homens e mulheres que governa hoje a Grécia em cumprir a palavra dada. E isso mina qualquer negociação e põe em causa qualquer futuro a 19. Pelo menos a 19.
Ainda para mais, depois de todo este processo – haja ou não fumo branco em Bruxelas neste domingo –, o Parlamento alemão terá ainda de apoiar a decisão. E essa parece ser um cenário pouco plausível. Na última semana, a opinião publicada alemã apontava para um só caminho, apelando à chanceler Angela Merkel para ser firme e rejeitar um entendimento com os gregos.
O objectivo principal não é o de afastar o mercado de 10 milhões potenciais compradores das mercadorias alemãs. É o de punir os eleitores da Grécia por terem escolhido uma coligação de esquerda radical para governar o país e evitar que outros países sigam a mesma estratégia. O problema não é “apenas” o da Grécia sair. É sair e no curto prazo apresentar indicadores positivos, o que tornará o “crime” ainda mais apetecível. E isto não lhes sai da cabeça.

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