Imigrantes mais-valia

Em qualquer cidade do país se frequentamos ou nos deparamos com um hotel, restaurante, hipermercado, obra de construção civil, apoio domiciliário, hospital, loja comercial, fábrica, vindima, colheita da azeitona ou de outros frutos, encontramos imigrantes de Angola, Guiné-Bissau, São Tomé, Brasil, Cabo Verde, Índia, Nepal ou Bangladesh. Todos a falar português, integrados na grande necessidade que Portugal tem de falta de mão-de-obra e a contribuir para a sustentação da Segurança Social. É com grande satisfação que somos atendidos num bom restaurante onde os funcionários, vestidos a rigor, de uma educação extrema e amabilidade exemplar nos transmitem que são de Angola, da Guiné-Bissau ou do Brasil.

São seres humanos como os portugueses que optaram por Espanha, França, Alemanha, Finlândia, EUA, Austrália, Canadá ou Timor-Leste. Portugueses que foram aprendendo a língua local, integrando-se na sociedade e, essencialmente, recebidos com os benefícios sociais em vigor nesses países. Em Portugal, ainda não recebemos os imigrantes com a dignidade que mereciam. A maioria ainda tem de arrendar um quarto ou uma casa ou, depois de integrados, assumirem um crédito bancário para adquirirem um imóvel.

Alguns imigrantes que já trabalham, que descontam para a Segurança Social são ainda dominados pela impossibilidade de viver dignamente porque aguardam o título de residência, caem nas mãos das mafias que lhes vendem uma barraca nos arredores das grandes cidades. Muitas vezes, existem autarcas que antes de construírem habitação social enveredam pela demolição das barracas deixando essas famílias sem tecto e a dormir ao relento, num gesto de grande crueldade e incompreensão.

Naturalmente que os imigrantes que se desloquem para Portugal com um visto de turismo e que depois ficam por aqui ilegalmente e a viverem 20 num quarto, esses, não podem pensar em adquirir o estatuto de residentes. Vivem na penúria, explorados por próprios compatriotas e ilegais perante a lei portuguesa. Neste particular, o governo está a tomar medidas de regulação para a entrada de imigrantes. No entanto, essa regulação não pode ser radical como defende André Ventura, que, por sua vez, apenas deseja que não entre em Portugal nem mais um imigrante e por vontade do neofascista até seriam expulsos todos os imigrantes. Ventura tem alegado que a criminalidade em Portugal se deve à presença dos imigrantes. Nada mais errado.

A teoria de que a imigração é responsável pelo aumento do crime, de que a mais recente vaga de imigração, qualquer que seja a sua nacionalidade, é menos desejável que as anteriores, de que todos os recém-chegados devem ser encarados com uma atitude de suspeição é uma teoria quase tão antiga como as colónias criadas pelos ingleses na costa da Nova Inglaterra. Recentemente, o director da Polícia Judiciária citou números referentes à criminalidade violenta, a qual tem vindo a diminuir desde há 20 anos e o facto de o rácio de estrangeiros reclusos ter evoluído na razão inversa do aumento da população imigrante.

O mesmo tipo de evolução sucedeu com os detidos pela polícia que Luís Neves dirige. Assim, se em 2009, quando a população estrangeira residente somava menos de meio milhão (454 191), a PJ deteve 631 estrangeiros (correspondendo a 138,9 detidos por 100 mil imigrantes), em 2023, com o número de estrangeiros residentes mais que duplicado (1 044 605), foram 513 os detidos, correspondendo a 49,1 por 100 mil residentes.

Para consubstanciar as suas afirmações, o director da PJ explicou mais: não só esta redução do rácio de detidos estrangeiros face ao número de residentes não portugueses foi consistente nos últimos 14 anos, como uma parte considerável dos detidos e reclusos estrangeiros, sobretudo relacionados com tráfico de estupefacientes, não são imigrantes, mas elementos daquilo a que dá o nome de “criminalidade transnacional” – com relevo para as “mulas de droga”.

Um outro facto demonstrativo de que o aumento da criminalidade não está directamente ligada aos imigrantes são as provas que os municípios têm divulgado. Municípios com maior peso de imigrantes têm menos criminalidade.

Alguns exemplos de municípios onde a população estrangeira tem um impacto significativo na população residente, com dados de 2023: Vila do Bispo (onde os imigrantes representam 43,68% da população total), Odemira (41,8%) e Lisboa (28,7%). Se houvesse uma relação directa entre imigração e criminalidade, a expectativa seria de que o aumento dos estrangeiros residentes se reflectisse directamente numa subida dos crimes registados pelas autoridades policiais.

Porém, nada mais errado. Municípios com maior peso de imigrantes têm menos criminalidade. Em relação ao Porto, onde têm aumentado os crimes contra imigrantes reportados na comunicação social, a evolução crescente dos residentes estrangeiros também não é acompanhada por um aumento da criminalidade, verificando-se até uma diminuição da criminalidade nos anos de maior aumento da imigração. Em 2009 foi registado um total de 17.383 crimes, ano em que ali residiam 8809 estrangeiros. Em 2019, os crimes desceram para 15.422 e os estrangeiros residentes aumentaram para quase o dobro: 14.558. Em 2023, os estrangeiros residentes no Porto voltaram a duplicar – para 35.653 – e o total de crimes registados foi de 14.552. No Porto, os estrangeiros representam neste momento 14,3% da população.

De tudo isto, podemos depreender que o que André Ventura e o seu partido propagandeiam a toda a hora relacionando o aumento de criminalidade com os imigrantes não passa de uma balela racista com vista a igualar as atitudes dos neonazis que tudo têm feito violentamente contra imigrantes.

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