VozesO rosto de Dom Dinis Amélia Vieira - 21 Jan 2025 Fez agora setecentos anos a sete de Janeiro que faleceu o rei mais emblemático de um país ausente de feições e formas, que em termos estéticos e anatómicos nada poderemos considerar emblematicamente representativo, ou mesmo sonhar a forma física de certos muitos outros representantes, mas com ele, aconteceu. Vimo-lo como a um Janus renascido no tempo (deixando no entanto para trás aquilo que poderia ter sido o seu jovem rosto) e foi com alguma comoção que o olhámos, e isso não se apagará da memória colectiva que jamais foi alheia ao seu encanto. Dom Dinis é um pouco como as lendas e que tenha um rosto enche-nos de empolgação e estranho entusiasmo, que, no dia exacto da sua hora grave, ali o tínhamos. A região que o coroou está porém repleta daqueles rostos, aquela costa atlântica de pinhal e litoral é emblemática em parecença fisionómica, e estas coisas são comoções a acrescentar ao muito impacto do momento- ele vinha de uma bruma que as de Avalon talvez ainda reclamassem – e tinha a serenidade incontestável de um poeta. Um monarca pode ser, ou não, sereno, numa perspectiva política, estatal, portanto, mas nele sentimos-lhe uma outra coisa que não vem nos mapas das referências do seu próprio estatuto. Diz a lenda que era ruivo, mas o que nos chegou, foi aquele ser do século XIII que morrera com sessenta e três anos, uma idade considerada de grande longevidade para a época, que seu corpo sepultado não representou como é claro o outro homem que fora, e foi a imagem possível retirada do seu sepulcro de Odivelas que nos chegou como uma estranha aparição que nos silenciou e nos obrigou a uma sentida vénia. Os seus olhos azuis, que dizem ter tido reflexos esverdeados, os seus cabelos brancos de louro esquecido, foi o que nos restou e deslumbrou: e se retratássemos o seu avô Afonso X o Sábio, iriámos buscar as mesmas subtis características que fizeram de avô e neto a harpa por onde ainda hoje os nossos corações se alinham. As Canções de Santa Maria também devem ter estes olhos azuis, que Aragão em sua insígnia fúnebre ainda foi sua sepultura, e isto tudo nos deixa, claro está, bastante pensativos. Ele foi o sexto rei português, e nunca as quinas poderão exercer ordem tamanha na demanda da sua numérica. Talvez tivesse sido a nossa Estrela de David sem os recentes aspectos que a definem, quando ainda, e amorosamente, chamou para si «os seus judeus». Também chamou os mouros, templários, e todos aqueles que em seu coração cabiam. Dirigimo-nos a ele com o respeito intacto de setecentos anos volvidos, que a nossa matriz não pára nas rosas, nem os nossos sonhos são mais livres que a profunda natureza de seu sentido de missão, onde cumpriu e foi senhor, amando ainda por todas as terras de seu reino as mulheres que o inspiraram: onde brotou ainda um Afonso Sanches, um filho bastardo que seguiu as pisadas de um pai que cultivou a língua e a impôs pela primeira vez como língua oficial. Depois teve um neto chamado Pedro a quem dera alvíssaras no momento do nascimento com moedas de ouro e outros recitais para que a sua voz fosse límpida como convinha a um monarca, mas o menino seria mais tarde muito gago, um amante de seu avô, e o mais belo príncipe do mundo. De seu filho excrementício, Afonso IV, teve batalhas com lágrimas e algum sangue, mas Dom Dinis não fugia aos embates como homem de seu tempo, e sua natureza de gesta deve ter sofrido com a rudeza e os golpes destas coisas. Ele nasceu a 9 de Outubro de 1261, foi aclamado rei em 1279, e morreu em 1325 neste 7 de Janeiro tão cheio de más memórias. Nós devemos lê-lo para saber cantar, conhecer o verde, cheirar os pinhos, e saber construir as novas embarcações. Tinha ainda um perfil truculento, nariz grande e semblante terno e tenaz. Mas a centelha que emblema os seres nenhuma ciência ainda sabe como reproduzir, identificar, e mostrar enquanto domínio pragmático. – O amor como guia «ai deus e u é» –