Macau Visto de Hong Kong VozesCampbell’s Soup David Chan - 16 Dez 2025 Robert Garza, um antigo analista de ciber-segurança da Campbell’s Soup, uma conhecida marca de alimentos vendida em Macau e em Hong Kong, levantou um processo judicial no tribunal do Michigan, EUA, alegando possuir a gravação de uma reunião com Martin Bally, vice-presidente de tecnologia de informação da empresa, realizada em Novembro de 2024, para discutir uma indeminização. Na gravação ouve-se Bally dizer que a comida da Campbell’s Soup é “vendida aos pobres” e é “altamente processada”, afirmando ainda que o frango da sopa é “imprimido em 3D” e que “ele nunca a compraria.” Robert Garza está a usar a gravação como prova neste processo, acusando a empresa de o ter despedido injustamente porque considerou os seus comentários desafiadores. O caso está actualmente em julgamento. Depois de verificar a gravação, a Campbell’s Soup Company determinou que estas observações eram”vulgares, ofensivas e falsas,” despediu Bally no passado mês de Novembro e desculpou-se publicamente. A Campbell’s Soup é vendida em todo o mundo e este incidente, que ocorreu na sede da empresa nos EUA, tem implicações significativas. Podemos comentar em profundidade estas notícias a partir de múltiplas perspectivas, desde as laborais às empresariais, passando pela indústria alimentar e pelo público. Em primeiro lugar, do ponto de vista das relações laborais, um funcionário superior diz a um funcionário intermédio que o produto que vendem é “comida de pobres” o que afecta a imagem da empresa. A queixa do funcionário de nível intermédio, que resultou em despedimento, demonstra que o mecanismo de reclamações da empresa é ineficaz. Os funcionários que se queixam põem em risco o seu trabalho. Esta forma de gestão reduz a lealdade dos trabalhadores, anula o potencial de desenvolvimento a longo prazo da empresa e não oferece nada de positivo. Em última análise, obriga os funcionários a demitir-se ou a denunciarem a situação às entidades governamentais ou à imprensa, fazendo escalar o conflito entre a empresa e os trabalhadores. O bom funcionamento das empresas depende de funcionários competentes e leais, ele são o seu activo intangível mais importante, seja qual for a área de negócio. Neste caso, embora Bally tenha sido despedido, a empresa precisa de repensar o seu mecanismo de reclamações. Por exemplo, podiam ser dirigidas directamente ao Conselho de Administração, o que restauraria a confiança dos trabalhadores e ajudaria a uma gestão mais eficaz. Os consumidores não se interessam pelo despedimento de um funcionário, mas estão interessados em discutir se a empresa usa “frango impresso em 3D” na sua comida. A Campbell’s Soup esclareceu que o seu frango vem de fornecedores tradicionais e não é carne “cultivada em laboratório”. “O rótulo “bio-engenharia” refere-se à utilização de tecnologias geneticamente modificadas em alguns ingredientes de origem vegetal, como milho e a soja. Esta é uma prática comum na indústria alimentar dos EUA e é completamente diferente da “carne cultivada por células”. Para garantir a reputação comercial e o valor do produto da Campbell Soup, estes esclarecimentos devem ser acompanhados por novas estratégias de vendas e de gestão de crises. Isto passa por reforçar a longo prazo a responsabilidade social da empresa, aumentando a transparência do processo de produção e pela aceitação de inspecções externas aos ingredientes para verificar a presença de componentes geneticamente modificados. Tudo isto testa a capacidade de tomada de decisões e a capacidade de gestão de risco da administração da Campbell Soup. Por outro lado, “frango impresso em 3D” voltou a despertar as preocupações de longa data do público acerca da moderna indústria alimentar. Os consumidores preocupam-se se a comida produzida em série é excessivamente processada, se a origem dos produtos é clara e também com os efeitos que podem ter na saúde. Este incidente levou novamente os consumidores a discutir estas questões. O impacto será tanto maior quanto maiores forem as preocupações dos consumidores. Talvez a empresa possa considerar a contratação de uma entidade externa que conduza um inquérito para avaliar o grau de preocupação dos consumidores e depois desenvolver estratégias para o reduzir. Para a sociedade americana, a Campbell’s Soup, que fornece comida conveniente e acessível, tem desde há muito tempo a imagem de uma marca “familiar” e “reconfortante”. A afirmação “comida de pobres” insulta os consumidores. As pessoas com rendimentos baixos têm recursos financeiros limitados e dependem de alimentos processados, o que levanta a questão da relação entre alimentos produzidos em série e baixos níveis de rendimento. Isto revela que as escolhas alimentares dos americanos estão intimamente relacionadas com as suas finanças. Este fenómeno expõe a impotência dos americanos de baixos rendimentos na escolha dos alimentos e traça um quadro confrangedor de um país desenvolvido. O que está no cerne desta questão é o facto de um gestor de topo da Campbell ter minimizado a confiança do público no produto da empresa, causando uma ruptura entre as declarações internas e a confiança dos consumidores. Representa uma situação em que o “mito da marca foi construído na cozinha mas colapsou na sala de reuniões”, uma questão de ética empresarial e não de qualidade do produto. A forma como este escândalo irá afectar as vendas e a marca dependerá de a Campbell conseguir manter com sucesso a sua imagem de produto familiar e reconfortante, da memória dos consumidores, mas também do seu cepticismo em relação aos alimentos produzidos em série, das acções dos concorrentes, etc. Além de resolver a crise no mercado interno, a dimensão da confiança dos mercados estrangeiros, enquanto importantes destinos comerciais para a Campbell’s Soup, não pode ser ignorada. Na era da internet, os eventos ocorridos num local atravessam o mundo num instante. Se a Campbell’s Soup não considerar as reacções dos consumidores estrangeiros, estará a fazer uma gestão de crise inadequada. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo