EntrevistaTimor-Leste / Independência – Mari Alkatiri: Proclamação foi antecipada pela presença militar indonésia Hoje Macau - 24 Nov 2025 Entrevista de Isabel Marisa Serafim, da agência Lusa O líder da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), Mari Alkatiri, disse que a proclamação unilateral da independência estava prevista para 01 de dezembro de 1975, mas foi antecipada porque as tropas indonésias já se encontravam no território. “Estava inicialmente marcada para 01 de dezembro”, disse Mari Alkatiri, em entrevista à Lusa por ocasião dos 50 anos de declaração da unilateral da independência, que se assinalam na sexta-feira, e da ocupação indonésia, nove dias depois, em 07 de dezembro. Em novembro, Mari Alkatiri fazia um “safari” por vários países africanos, principalmente aos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), que passou pela participação na declaração da independência de Angola, em 11 de novembro de 1975. “Depois dessa ‘tour’, desse ‘safari’ africano, regressei ao país. Na altura estava em Maputo para preparar o meu regresso e recebi um telefonema do Nicolau Lobato para não regressar, porque precisávamos de ter alguém fora do país”, recordou, salientando que não acatou a ordem do então vice-presidente da Fretilin. “Então voltei a Díli em 22 ou 23 de novembro e o comité central e comité político militar estava reunido no atual quartel-general da Polícia Nacional de Timor-Leste, era sede provisória da Fretilin, e discutia-se a proclamação para 01 de dezembro”, explicou. No dia 28 de novembro, Mari Alkatiri, então com 25 anos, recordou que Nicolau Lobato foi ter a sua casa e disse que era preciso proclamar a independência naquele dia. “Saímos os dois num carrito dele para Lahane onde estava Xavier do Amaral [antigo presidente da Fretilin] e transmitimos isso a Xavier Amaral, que disse claramente para esperarmos mais três ou quatro dias. Dissemos que não havia tempo para esperar e decidimos fazer a proclamação nesse dia à tarde”, disse. “Felizmente que não só a Constituição estava pronta, mas também a bandeira já estava pronta. Foi a minha mãe que coseu a bandeira. Havia condições mínimas para a proclamação da independência”, afirmou o atual secretário-geral da Fretilin, que também escreveu o texto da proclamação. “Quando começo a falar destes dias não é só memória, eu participei ativamente na proclamação unilateral da independência, embora se tente cortar a minha fotografia, politiquices, mas a verdade é que só há uma pessoa ainda viva que participou ativamente na proclamação há 50 anos, sou eu”, salientou. No primeiro Governo timorense, liderado por Nicolau Lobato e que só durou nove dias, Mari Alkatiri foi nomeado ministro de Estado para os Assuntos Políticos. Nocolau Lobato liderou a luta contra a ocupação ondonésia e foi assassinado em dezembro de 1978. A restauração da independência aconteceu em 20 de maio de 2002, depois da realização de um referendo pela autodeterminação em 30 de agosto de 1999 e de 24 anos de resistência contra a Indonésia. Uma questão de egos Mari Alkatiri afirmou também, na mesma entrevista, que os “egos” estão a impedir Timor-Leste de suplantar os desafios e que é preciso uma cultura de liderança mais democrática, inclusiva e abrangente. “Se nós conseguimos na altura, com todas as dificuldades, com todos os desafios suplantar, à velocidade da luz quase, porque é que hoje não conseguimos? É essa questão, a questão da causa. Quando a causa une, a jornada pode decorrer, com muitos atropelos aqui e acolá, mas vai conseguir e vai vencer”, disse Mari Alkatiri em entrevista à Lusa por ocasião dos 50 anos de declaração unilateral da independência, que se assinalam na sexta-feira. Questionado sobre a razão para não haver união, o líder da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin) disse que são os “egos”. “Eu estou a acompanhar o debate orçamental, quando nós continuamos a pensar de uma forma ‘cantineira’ os assuntos do Estado, não vamos a lado nenhum”, criticou o antigo primeiro-ministro timorense, cujo partido optou por se abster na votação final global do Orçamento do Estado. Sobre as críticas contra as opções da atual governação, Mari Alkatiri disse não saber se alguma vez houve uma opção. “Estratégia não vejo. Há uns acertos aqui e acolá, tenta aqui e acolá, mas não há estratégia, mas defende-se bastante o planeamento estratégico, investimento estratégico, mas não vejo”, afirmou. “Há necessidade de uma cultura de liderança muito mais democrática, muito mais inclusiva, muito abrangente, com sentido de missão e visão no futuro”, salientou o secretário-geral da Fretilin. O dirigente partidário alertou também para que não se aguarde que a “bomba rebente”. “A bomba retardatária está aí, a bomba-relógio está aí, espero não termos de fazer, depois disso, a apologia da verdade, depois da bomba rebentar”, salientou. Questionado sobre se a “bomba” é a insatisfação, o ex-primeiro-ministro disse: “completa”. “Um país que após 24 anos de restauração de independência, com os meios que teve para trabalhar, porque é que falhou? Falta de sentido de inclusão. Nós estamos a construir um Estado, fala-se de Estado de Direito Democrático, é verdade? Ou oligárquico”, questionou. As novas gerações Ainda em relação aos jovens, que representam a maioria dos cerca de 1,4 milhões de habitantes de Timor-Leste, Mari Alkatiri disse que estes se sentem perdidos. “Os jovens são naturalmente mais generosos quando são mais considerados, ou mais revoltosos, quando revoltados. Há duas facetas aqui na juventude, a de generosidade quando abraçam uma causa, outra, é uma reação muito mais violenta de confrontação”, disse. Salientando que mais de 70% da população tem menos de 35 anos, Mari Alkatiri advertiu que daquelas “duas gerações já estão sacrificadas” devido à educação “sem qualidade” e uma “saúde cada vez pior” e “sem perspetivas”. “Agora, todos nós falamos que o dinheiro do petróleo vai acabar, estou a ver que para o Governo a alternativa para o petróleo, é o petróleo”, disse. O capital do Fundo Petrolífero de Timor-Leste era em setembro de 18,95 mil milhões de dólares (16,4 mil milhões de euros). “Ficámos a sonhar com o Sunrise e como costumo dizer enquanto sonhamos com o Sunrise, teremos o ‘sunset’, porque não há política, não há planos, não há programas”, acrescentou. Mari Alkatiri referia-se ao campo de gás Greater Sunrise, localizado a 150 quilómetros de Timor-Leste e a 450 quilómetros de Darwin, cujo projeto tem estado envolto num impasse, com Díli a defender a construção de um gasoduto para o sul do país, e a Woodside, segunda maior parceira do consórcio, a inclinar-se para uma ligação à unidade já existente em Darwin. O consórcio é constituído pela timorense Timor Gap (56,56%), a operadora Woodside Energy (33,44%) e a Osaca Gás (10,00%). O Governo de Timor-Leste anunciou no sábado a assinatura de um acordo de cooperação com a australiana Woodside Energy para estudos para processar e exportar gás para o país. Discussões que faltam O secretário-geral da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), Mari Alkatiri, defendeu a necessidade de “todos juntos” discutir o que falhou nos últimos 24 anos, após a restauração da independência, em maio de 2002. “Fala-se muito de novos paradigmas e o velho paradigma, estamos prontos para nos sentarmos todos juntos para discutir o velho paradigma, porque é que falhou? Não”, afirmou o antigo primeiro-ministro timorense, em entrevista à Lusa por ocasião dos 50 anos de declaração unilateral da independência, que se assinalam na sexta-feira. Para Mari Alkatiri, todos contribuíram com a “sua parte positiva, com a sua parte negativa”, mas é preciso perceber as falhas em “termos individuais”, em “termos coletivos” e haver “responsabilização”. Questionado pela Lusa sobre as razões pelas quais não há essa discussão, o líder da oposição timorense respondeu que um “líder que não se consegue sentar à mesa, não é um líder”. “O líder deve saber que há um momento de se sentar à mesa. Eu fiz propostas. Quando voltei em 2018, disse ‘este meu voto é para que o povo possa vencer’, não disse para a Fretilin vencer. A mensagem era clara, era tempo de pensarmos todos em conjunto. Fiz a campanha a dizer Fretilin ganha, Xanana ganha”, afirmou Mari Alkatiri. O líder da Fretilin disse que a resposta tem sido “de vingança, de ódio”. “De tal forma que para se vingar de mim atinge centenas de pessoas, famílias. Se é comigo, venha falar comigo, não tem de prejudicar os outros, mas isso é uma questão pontual”, afirmou, referindo-ae ao primeiro-ministro timorense, XAnana Gusmão. A questão fundamental, continuou Maria Alkatiri, é “ter sentido de missão, visão de futuro e ter uma causa comum”. “O que é determinante é saber todo o dinheiro que se gastou, o que se fez. Um balanço de desempenho do coletivo e do individual. Quando estávamos a fazer a guerra, sabíamos o que queríamos, restaurar a independência, 24 anos depois da restauração da independência não sabemos para onde vamos”, lamentou o dirigente. Mari Alkatiri disse também estar “muito preocupado” com o relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), que alertou em 11 de setembro para a proliferação de redes criminosas em Oecussi, enclave timorense no lado indonésio da ilha de Timor, salientando que as recentes investigações mostram uma contaminação da região. “Já está a ser absorvido pelo cartel de mafiosos, que estão a entrar aqui em toda a sua força. Fechamos quiosques e achamos que estamos a combater a máfia. Estou muito preocupado”, disse. Para o futuro, Mari Alkatiri afirmou que vai continuar a lutar, mas para “criar massa crítica”. “A minha luta agora não é a preocupação com os ciclos eleitorais, mas como posso criar realmente uma massa crítica verdadeira em Timor-Leste. Acabemos com a cegueira, muitos dos nossos intelectuais académicos emprenham pelos ouvidos, mas não ficam grávidos”, salientou. O líder da Fretilin disse também, a todos da sua geração, que é tempo de se pôr “egos” de parte e voltar-se a “pensar em conjunto”, salientando que têm mais cinco anos para o fazer. “O próximo mandato de governação deve ser produto do entendimento se queremos realmente que este país vá para a frente”, afirmou Mari Alkatiri, salientando que o povo timorense merece “muito mais e muito melhor” do que o que foi dado até hoje.