China | Análise: Batalha contra deflação e excesso de oferta ainda longe da vitória

O Financial Times alertou que a China continua longe de vencer a deflação, apesar de a inflação homóloga ter regressado a terreno positivo em Junho, pela primeira vez desde Janeiro. Os analistas aconselharam uma redução da oferta

 

De acordo com o editorial do Financial Times (FT), publicado no domingo, “poucos acreditam que o crescimento sustentado dos preços esteja de volta”, devido sobretudo à fraca procura interna. Pequim tem feito esforços para incentivar o consumo, mas terá de ir mais longe, nomeadamente através do reforço dos sistemas de pensões e benefícios sociais, de modo a reduzir a poupança preventiva das famílias.

O FT sublinha ainda que a dinâmica deflacionista não será travada se o Partido Comunista Chinês não enfrentar também o excesso de oferta.

A deflação consiste numa queda dos preços ao longo do tempo, por oposição a uma subida (inflação). O fenómeno reflecte debilidade no consumo doméstico e investimento e é particularmente perigoso, já que uma queda no preço dos activos, por norma contraídos com recurso a crédito, gera um desequilíbrio entre o valor dos empréstimos e as garantias bancárias. Outro dos efeitos é o de levar ao adiamento das decisões de consumo e investimento em resultado de expectativas de preços mais baixos no futuro, podendo criar uma espiral descendente de preços e procura difícil de inverter, afectando a economia por inteiro.

O risco de deflação na economia chinesa agravou-se nos últimos dois anos, suscitado por uma profunda crise imobiliária, que afectou o investimento e o consumo, e o excesso de capacidade de produção em vários sectores.

Os preços de produção estão em queda desde Outubro de 2022, num contexto em que as fábricas chinesas reduzem os preços para manter quota de mercado, tanto em indústrias tradicionais, como o aço e o cimento, como em sectores modernos, incluindo veículos eléctricos, painéis solares e inteligência artificial.

O jornal britânico lembra que o Presidente chinês, Xi Jinping, e outros altos responsáveis passaram de negar as preocupações externas sobre excesso de capacidade de produção a criticar os fabricantes domésticos pelo fenómeno de neijuan (“involução”), expressão usada para descrever a concorrência excessiva em preços.

Fabricar eficiência

O editorial frisa que as próprias políticas de Pequim alimentaram o problema, com a aposta em “novas forças produtivas de qualidade”, voltadas para tecnologias avançadas e novas indústrias, a desencadear uma corrida para atrair apoio político e subsídios locais. O resultado é “um surto de investimento com duplicações em excesso”, levando a cortes de preços e acumulação de produtos armazenados, desde veículos eléctricos estacionados em portos a semicondutores para sistemas de inteligência artificial sem uso.

“Está a tornar-se cada vez mais difícil para os fabricantes chineses exportarem este excesso de produção, à medida que os parceiros comerciais estão mais conscientes do impacto da importação de produtos baratos nas suas indústrias locais”, nota o jornal.

Vários dos principais parceiros comerciais do país asiático, incluindo União Europeia, Estados Unidos, mas também países em desenvolvimento como o Brasil, têm adoptado medidas proteccionistas, incluindo o aumento de taxas alfandegárias, e lançado investigações ‘antidumping’ contra a China. O ‘dumping’ consiste na venda abaixo do custo de produção.

O Financial Times defende que Pequim deve limitar a “generosidade do Estado” e criar um mercado nacional mais unificado, restringindo os incentivos distorcivos dos governos locais. Propõe ainda alterar as metas provinciais, reduzindo a ênfase no Produto Interno Bruto, e reforçar a protecção da propriedade intelectual para incentivar uma diferenciação mais inovadora.

Segundo o editorial, Xi Jinping poderá tentar fixar tectos de produção e pressionar os fabricantes a reduzir a oferta, mas “Pequim fará bem em perceber que o seu apoio excessivo é o problema”. “O Estado pode construir fábricas, mas não pode fabricar eficiência”, aponta o Financial Times.

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