Perspectivas VozesA geogastronomia e o papel da gastronomia portuguesa em Macau Jorge Rodrigues Simão - 20 Fev 2025 “Macau’s food culture is a fascinating amalgamation of flavors brought together by centuries of trade and colonial rule. The Portuguese influence is particularly evident in dishes that combine local ingredients with techniques and recipes brought from Portugal.” Macau’s Culinary Delights: Portuguese and Chinese Fusion Barker, Anthony A intersecção entre a geografia e a gastronomia, designada por geogastronomia, ilustra a influência significativa do lugar nas práticas culinárias. A culinária portuguesa de Macau engloba uma mistura única de tradições culinárias, práticas inovadoras e intercâmbios culturais que evoluíram a partir de influências portuguesas e ingredientes locais. No cerne da cozinha macaense está o seu enquadramento histórico. A identidade gastronómica de Macau emerge dos laços históricos com Portugal, sobretudo a partir de meados do século XVI. A presença portuguesa na Ásia deu início a um intercâmbio cultural e culinário que levou ao desenvolvimento de pratos únicos. Esta ligação estabeleceu uma plataforma para o intercâmbio culinário não só entre as cozinhas portuguesa e chinesa, mas também com os sabores de outras regiões, como a Índia e o Sudeste Asiático. Assim, as origens da cozinha macaense podem ser atribuídas a esta integração intercultural, moldada pela disponibilidade de ingredientes locais e pela migração de povos. A introdução de ingredientes como o açafrão, as malaguetas e as batatas transformou a cozinha local. As receitas tradicionais portuguesas foram adaptadas aos gostos locais e aos recursos disponíveis, criando assim um híbrido culinário distinto. Durante o período da colonização, os portugueses em Macau estabeleceram um porto comercial vibrante, facilitando o comércio entre a Europa e a Ásia. Este comércio trouxe não só ingredientes exóticos, mas também diversas técnicas culinárias que formaram a espinha dorsal da gastronomia de Macau. A mistura de sabores de influências portuguesas, chinesas e asiáticas contribuiu para a riqueza da oferta culinária de Macau. A cena culinária de Macau tem sido moldada por diversos chefes de cozinha que têm estado na vanguarda da promoção de pratos tradicionais portugueses fundidos com influências locais. A sua abordagem exemplifica o culminar das tradições culinárias portuguesas e dos ingredientes locais, resultando em pratos inovadores que apelam tanto aos locais como aos turistas. Além disso, os historiadores e críticos gastronómicos têm desempenhado um papel crucial na documentação e promoção da história da gastronomia portuguesa em Macau. A sua investigação fornece informações valiosas sobre a evolução das práticas culinárias, ajudando a preservar o património e a garantir a sua relevância futura. A geogastronomia analisa a forma como os contextos geográficos e culturais moldam as práticas alimentares. Em Macau, esta perspectiva é evidente na fusão culinária que define a região. Diversos pratos tradicionais portugueses foram adaptados utilizando temperos locais, criando uma versão única que reflecte a identidade de Macau, não podendo ser considerado cópia ou adulteração. A influência das especiarias e das técnicas culinárias locais levou também ao aparecimento de pratos macaenses, como o “Pork Chop Bun”, chamada de ” versão macaense do hambúrguer” e derivado da “bifana” e o “African Chicken”, que é derivado do “frango à piri piri” que evidenciam a mistura de sabores e tradições. O papel das especiarias na cozinha macaense não pode ser subestimado. Os colonos portugueses trouxeram consigo uma grande variedade de especiarias das suas colónias, incluindo pimenta preta, canela e cravinho. Estes sabores misturaram-se com ingredientes indígenas chineses, dando origem a pratos únicos que reflectem ambas as heranças. Por exemplo, um dos pratos macaenses mais famosos é o Bacalhau à Brás, um prato de bacalhau que integra técnicas portuguesas com sabores locais como o alho e a cebola. Outro prato notável é o icónico Caril Macaense, que apresenta influências portuguesas infundidas com especiarias que lembram a cozinha indiana. A introdução de novos métodos de cozedura é um aspecto importante desta fusão. A cozinha tradicional portuguesa envolve frequentemente técnicas como grelhar, estufar e cozer. Estes métodos foram harmoniosamente misturados com os métodos chineses, como fritar e cozer a vapor, criando uma cozinha que é tão diversa na preparação como no sabor. Pratos como o a “Pato de cabidela”, um prato de pato cozido em vinagre e servido com arroz, exemplificam esta mistura. O uso do arroz em si é digno de nota, pois é um alimento básico em ambas as culturas, muitas vezes preparado com técnicas que realçam o seu sabor, como fritar com alho antes de ferver. A adaptação destes pratos demonstra a natureza dinâmica das práticas culinárias em resposta a factores geográficos e culturais. O papel da gastronomia portuguesa vai para além das meras práticas culinárias; desempenha um papel significativo na formação da identidade cultural e no desenvolvimento económico de Macau. A rica oferta culinária da região tornou-se uma parte vital da sua indústria turística. Os turistas que procuram experiências autênticas são frequentemente atraídos para os restaurantes locais que servem pratos tradicionais luso-macaenses, apoiando assim as empresas e a economia. Além disso, a paisagem culinária ganhou reconhecimento internacional, com Macau a receber o título de Cidade Criativa da Gastronomia da UNESCO a 31 de Outubro de 2017. Esta designação sublinha a importância da preservação do património culinário, promovendo simultaneamente o seu significado cultural e o seu potencial de inovação. Destaca a necessidade de práticas sustentáveis nos sectores do turismo e da gastronomia, garantindo que os sabores únicos de Macau continuem a prosperar. Nos últimos anos, a cena culinária de Macau tem registado mudanças significativas devido à pandemia da Covid-19, globalização e à alteração das preferências dos consumidores. (continua)