Clima | Sugerida criminalização de ligações ilegais de esgotos

Um relatório recentemente divulgado pelos Serviços Meteorológicos e Geofísicos prevê que, até final deste século, Macau irá registar um aumento da precipitação e subida do nível do mar. O arquitecto Mário Duque propõe a criminalização de ligações ilegais de esgotos para tentar minimizar o impacto

 

Segundo uma projecção apresentada recentemente pelos Serviços Meteorológicos e Geofísicos (SMG), com base no sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC), prevê-se não só a subida de precipitação em termos globais como da altura do nível do mar, isto entre o meio e o final deste século.

Sendo assim, que respostas podem ser dadas em termos urbanísticos? O arquitecto Mário Duque tem-se debruçado sobre esta matéria em alguns artigos de opinião e, em resposta ao HM, sugere, por exemplo, a criminalização de todas as ligações ilegais de esgotos que, em época de tufões e subida do nível das águas, podem causar inúmeros estragos.

Tendo em conta que “as circunstâncias que convergem para inundações na RAEM não são possíveis resolver em absoluto, ou definitivamente, importa medidas de adaptação para que os habitantes da cidade convivam com situações de inundação, mantendo-se funcionais e sem danos”.

Assim, deve-se, no entender do arquitecto, “fiscalizar e penalizar como crimes contra o ambiente e a saúde pública todas as ligações privadas de esgotos domésticas feitas ilegalmente a redes pluviais”, devendo-se ainda “substituir todas as redes antigas de esgoto unitário”. Este tipo de esgoto, que existe no território, conjuga infra-estruturas de esgotos domésticos com pluviais, e, segundo Mário Duque, ainda funciona em muitas casas e fracções nas zonas mais baixas do território.

Chuvas fortes

Divulgado no passado dia 11 de Setembro pelos SMG, o relatório IPCC traça algumas conclusões preocupantes no que diz respeito ao futuro do território na sua relação com a água. “Estima-se que a temperatura global de Macau entre o meio e o fim do século XXI irá continuar a subir”, sendo que “os eventos climáticos de temperaturas elevadas tornar-se-ão mais frequentes”, e que “a precipitação global e a altura do nível do mar em Macau também vão sofrer alterações”.

As autoridades estimam a ocorrência de crescentes cenários de “precipitação extrema”, e que “num cenário de emissões intermediárias, a precipitação anual e a precipitação máxima diária anual em Macau, em meados do século XXI, entre os anos de 2041 e 2060, irão aumentar cerca de 8,3 e 5,8 por cento, respectivamente”, em relação aos valores médios registados entre 1995 e 2014.

Além disso, “num cenário de emissões muito elevadas, a precipitação máxima diária do ano no final do século XXI”, já para os anos de 2081 a 2100, “vai aumentar cerca de 30 por cento, reflectindo um aumento significativo da precipitação extrema”.

O mesmo estudo acrescenta que “seja qual for o cenário do século XXI, a altura do nível do mar em Macau vai aumentar”, sendo traçadas várias previsões. “Num cenário de emissões intermediárias, em meados do século XXI (2041-2060), a altura do nível do mar em Macau vai aumentar cerca de 0,31 metros em relação aos valores médios de 1995 a 2014, e no final do século XXI (2081 a 2100), está projectado um aumento de cerca de 0,64 metros”, pode ler-se. Assim, indica o relatório, “é previsível que a subida do nível do mar venha a agravar o impacto das marés astronómicas e do ‘storm surge’ em Macau”.

O documento destaca o lado universal destas mudanças, pois “à medida que o aquecimento global no século XXI se intensifica e a frequência de fenómenos meteorológicos extremos aumenta significativamente em todo o mundo, Macau vai enfrentar também problemas relacionados com as alterações climáticas, tais como temperaturas elevadas, aumento da precipitação extrema e subida do nível do mar”.

Almeida Ribeiro é exemplo

Perante estas previsões, os SMG defendem que cabe à população e sociedade adoptar uma série de medidas com base nos quatro pilares que norteiam os “Alertas antecipados para todos”, da Organização das Nações Unidas.

São eles a “consciencialização e conhecimento sobre catástrofes e riscos”, a “observação e previsão”, “a preparação e capacidade de resposta” e também a “divulgação e comunicação de informações”. Tudo para que se possa “elevar a capacidade de resposta a desastres meteorológicos e enfrentar conjuntamente os desafios globais, tais como as alterações climáticas e os desastres naturais”.

Os SMG sugerem, ainda o reforço do “intercâmbio e a cooperação com os serviços públicos e entidades privadas e promover a generalização da educação meteorológica”.

Para Mário Duque, é também importante que “a forma urbana esteja vocacionada para admitir e canalizar ar através do espaço urbano, isto ao nível em que os habitantes das cidades o usam, ou seja, o espaço público ao nível do solo”.

O arquitecto destaca o bom exemplo do planeamento da Avenida de Almeida Ribeiro. “É óbvio que a tipologia e a configuração urbana da Avenida de Almeida Ribeiro, planeada muito antes de se falar de alterações climáticas, é a solução mais adequada a muitas, senão todas, estas contingências actuais”, refere, apontando uma crítica à construção da Ponte Cais 16, onde se situa um hotel e casino. Esse empreendimento “não devia ter obstruído a abertura da avenida ao estuário”.

“Em casos de alta densidade urbana, o espaço de canal, nomeadamente as ruas, desimpedido e em direcção à periferia será sempre a configuração urbana mais favorável”, pois quando chove “as praças mais interiores funcionam como superfícies de exaustão do ar quente da cidade”.

No caso do aumento das chuvas nos próximos anos, Mário Duque refere a possibilidade de cobertura de percursos e locais de correspondência de transportes, “para conforto dos habitantes da cidade”.

Para o responsável, “o acréscimo de temperaturas urbanas será sempre equilibrado com a repercussão em acréscimo de pluviosidade, se suportado por uma forma urbana favorável”. Mas coloca-se o caso das inundações, que ocorrem com frequência em Macau e quase sempre originadas pelos tufões.

Neste contexto, “o acréscimo de inundações por redução do estuário, a elevação dos níveis de maré e o aumento de pluviosidade afigura-se uma batalha perdida, porque os desenvolvimentos de todos os factores não se atenuam entre si, antes contribuem para a mesma intensificação”.

Dados do relatório da Organização Meteorológica Mundial referidos pelos SMG apontam que o ano passado “foi o mais quente de que há registos”, pois a temperatura média global próxima da superfície terrestre foi 1,45º, superior à média do período anterior à Revolução Industrial, entre os anos de 1850 e 1900.

Neste contexto, “as principais concentrações de gases de efeito de estufa na atmosfera”, como é o caso do dióxido de carbono, metano e óxido nitroso, “continuaram a aumentar”.

“Ao mesmo tempo, o aquecimento oceânico, a acidificação oceânica, a subida do nível do mar, o manto de gelo nos oceanos antárticos e os icebergues voltaram a bater recordes. O nível médio global do mar também atingiu um novo máximo histórico, na última década, desde 2014 a 2023, pois subiu mais do dobro em relação ao valor do nível médio entre 1993 e 2002”, pode ler-se.

No caso concreto de Macau, e desde a criação dos SMG, em 1952, até ao ano passado, “o aumento da temperatura média anual de Macau foi de 0,10 graus Celsius em cada 10 anos”, sendo que 2019 foi o ano mais quente, com uma temperatura média de 23,6 graus celsius. O segundo ano mais quente foi 2021, com uma temperatura média de 23,5 graus. Média semelhante foi registada no ano passado, com 23,4 graus celsius.

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