A gueixa e a erotização da mulher asiática

O fetiche pelas mulheres asiáticas tem raízes profundas na história e continua a manifestar-se na sociedade moderna através de estereótipos culturais, representações mediáticas e dinâmicas de poder. Muitas vezes, as mulheres asiáticas são retratadas como submissas, exóticas ou sexualizadas, sendo vistas através de uma lente distorcida moldada por fantasias ocidentais. A cultura pop, através de filmes, literatura e, mais tarde, a internet, reforçou essas representações erróneas, perpetuando a visão da mulher asiática como uma figura “dócil” e “obediente”. Um dos símbolos centrais dessa erotização é a figura da gueixa — um ícone cultural no Japão que tem sido mal interpretado.

Durante a dita “expansão” colonial, as mulheres asiáticas foram colocadas em estereótipos de submissão, quietude e hiper-sexualidade. Recentemente, nas plataformas de encontros online nota-se o agravamento deste problema. Estudos mostram como as mulheres asiáticas são interpeladas com comentários racialmente carregados e vindos de fetiches, como “Sempre quis estar com uma asiática”. Há quem chame a esta tendência o yellow fever.

Das muitas causas para a criação do estereótipo da mulher asiática como submissa e sexualizada, trago a figura da gueixa. As gueixas, cujas origens remontam ao século XVII, são artistas e anfitriãs treinadas em diversas formas de arte tradicional japonesa. São conhecidas pelo seu domínio da música, dança, cerimónia do chá e a capacidade de manter conversas sofisticadas, muitas vezes em jantares ou eventos importantes. Ser gueixa é sinónimo de disciplina e respeito pela preservação de tradições culturais seculares. Para se tornar uma gueixa, uma mulher passa por anos de treino nas artes performativas, aprendendo a vestir elaborados quimonos, aplicar a icónica maquilhagem branca e dominar a interação social.

Em vez de reconhecerem as gueixas como figuras culturais, a imaginação ocidental transformou-as em símbolos de disponibilidade sexual e submissão. A gueixa não é, e nunca foi, uma trabalhadora do sexo, como muitas vezes se assume. Esta redução das gueixas a meros objetos de desejo sexual alimentou o crescente estereótipo das mulheres asiáticas como exóticas e submissas. Não quer dizer que as suas práticas performativas não sejam dotas de sensualidade, mas estão carregadas de tradição e respeito também.

Alguns exemplos de incompreensão: um pub irlandês perto da base americana de Okinawa decorou a sua entrada com duas meninas japonesas de kimono, a descobrir as suas pernas e decote. Filmes como Memórias de uma Gueixa apresentam uma versão ocidentalizada e sexualizada do papel das gueixas. Até a Kim Kardashian quis dar o nome de “Kimono” à sua marca de roupa interior, que provocou consternação no Japão. O kimono é uma peça de roupa sofisticada que as Gueixas usam em para eventos sociais – não é uma peça de roupa interior. Não é por acaso que os turistas estão agora proibidos de visitar o bairro de Gueixas em Kyoto.

Talvez seja um salto astronómico, mas estes retratos sociais mal compreendidos contribuem para o universo colectivo do fetiche racial. E a par da representação popular da Gueixa poderia numerar muitas outras, como a representação da mulher vietnamita durante a guerra do Vietname, e a representação de inocência das mulheres à frente de grupos de K-Pop e J-Pop. Combater o estereótipo da mulher asiática submissa exige uma reflexão crítica sobre como a cultura e a história asiática têm sido apropriadas e deturpadas em outras partes do mundo; de como as histórias que contamos sobre a história precisam de ser reanalisadas com sensibilidade e respeito. Implica, acima de tudo, rejeitar as narrativas que reduzem as mulheres a objetos de fantasia e reafirmar a sua complexidade.

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