António Chainho despede-se dos palcos aos 86 anos

O guitarrista e compositor António Chainho decidiu pôr fim à carreira aos 86 anos, realizando um último espectáculo este mês, em Lisboa, uma decisão que justificou por “sentir dificuldades em tocar alguns temas”. “Comecei a sentir que estava na hora de deixar a guitarrinha, que nunca vou deixar. Quem começa a brincar com este instrumento aos 6 anos é impossível largá-lo”, disse o músico, em entrevista à agência Lusa.

O espectáculo de despedida dos palcos, “Lisboa Saudade”, está marcado para 13 de Setembro. Com cerca de 60 anos de carreira, Chainho afirmou à Lusa que um dos motivos que o levou a tomar esta decisão foi quando notou problemas no dedo indicador da mão direita, “que é base para tocar”.

“Nas coisas que eu aprendi com os grandes guitarristas, nas mais complicadas, aí já sinto uma certa dificuldade”, disse o autor de “Voando sobre o Alentejo”, comparando os dedos de um guitarrista às pernas dos corredores. “Eu estou a sentir agora os problemas dos quase 90 anos de idade”.

A vida numa guitarra

António Chainho nasceu a 27 de Janeiro de 1938 em Santiago do Cacém, e conseguiu a proeza de gravar um disco, “O Abraço da Guitarra”, depois dos 85 anos. “Não tenho conhecimento de alguém que tenha gravado depois dos 60 anos. Carlos Paredes ainda tentou gravar, e em relação aos outros guitarristas não tenho conhecimento de alguém que tenha gravado depois dos 80 anos”, disse.

António Chainho recordou os primeiros passos que deu na aprendizagem da guitarra portuguesa, o seu instrumento de eleição, de objecto de brincadeira, também por influência do pai “que tinha magníficos dedos”, aliando o seu “bom ouvido musical”, escutando as melodias que ouvia na rádio, por aqueles a quem chama os seus mestres, Armandinho, Raul Nery, Jaime Santos, entre outros.

O serviço militar obrigatório levou-o a Lisboa, onde contactou directamente com o meio fadista, “estreando-se” em meados de 1960, numa casa de fados na Praça do Chile, onde tocou ainda “vestido à magala” e saiu em ombros, tal o êxito alcançado.

Cumpriu o serviço militar em Moçambique, e regressou, quando se deu o seu encontro com o seu conterrâneo Carlos Gonçalves (1938-2020), autor das músicas de “Lavava no Rio, Lavava” ou “Lá Vai Maria”, de autoria e criação de Amália Rodrigues.

Carlos Gonçalves convenceu-o a ficar no seu lugar na casa de fados Retiro da Severa, onde permaneceu cerca de seis meses, mudando-se depois para o restaurante O Folclore, também em Lisboa, que era apoiado pelo então Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo (SNI).

Iniciou uma carreira de acompanhante e, a determinada altura porque “não tinha tempo para estudar” as melodias e compor, optou por acompanhar os fadistas Carlos do Carmo e Frei Hermano da Câmara, durante mais de 20 anos, e também, “mas menos tempo”, Teresa Tarouca. Mais tarde, trabalhou com Rão Kyao, com quem fez o álbum “Pão, Azeite e Vinho” e realizou uma digressão.

A lista de músicos que acompanhou e com quem gravou é vasta e inclui nomes como Maria Bethânia, Adriana Calcanhotto, Marta Dias, António Calvário, Paco de Lucia, John Williams, María Dolores Pradera, José Carreras, Jürgen Ruck, Pedro Abrunhosa, Paulo de Carvalho, Ana Bacalhau, Sara Tavares ou Rui Veloso.

O músico reconheceu que sentirá saudades da carreira à qual põe termo, mas continuará “a tocar para os amigos” e a acompanhar a escola que ostenta o seu nome em Santiago do Cacém. Apontado como “um dos virtuosos da guitarra portuguesa” pela “Enciclopédia da Música em Portugal no século XX”, António Chainho foi condecorado pelo Presidente da República, em Março de 2022, com o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.

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