As ideias absurdas de Kim Ki-duck e as diferenças de género no suicídio

O vereador de Seul, Kim Ki-duck, atraiu atenção mediática ao opinar sobre a taxa de suicídio entre os homens da cidade. Com um aumento acentuado, de 430 em 2018 para 1035 em 2023 (um aumento de 10 por cento no total), culpou prontamente a sociedade “dominada por mulheres”. Num relatório publicado no site do Concelho Metropolitano de Seul, o vereador sugere que a causa da diferença de género no suicídio é a competição das mulheres por bons empregos e a dificuldade acrescida dos homens em encontrar uma parceira para casar.

Foi com grande alegria que vi o público sul-coreano e a imprensa internacional condenarem as ideias do vereador. Muitos apontaram para o óbvio: a Coreia do Sul não é um paraíso de igualdade de género laboral. Certamente que levanta a questão de como as mulheres podem estar a competir pelos postos de trabalho que Kim Ki-duck sugere. Ainda assim, em todos estes relatos ficou por explicar o porquê da diferença de género no suicídio, um assunto demasiado sério para ser ignorado.

Será necessário olhar atentamente para a cultura local e realizar estudos mais aprofundados em Seul para entender as dinâmicas em jogo. Mas se é para atirar generalizações irreflectidas, ao menos que se fale de generalizações já bastante reflectidas e estudadas. Embora não possam explicar especificamente as dinâmicas de género em Seul, oferecem uma visão mais complexa sobre o suicídio e sua prevalência.

Salvo algumas excepções geográficas, esta é uma tendência global: os homens morrem mais por suicídio do que as mulheres, embora as mulheres sejam mais frequentemente diagnosticadas com depressão e tenham mais ideação suicida. Há uma diferença essencialmente nos métodos de suicídio escolhidos. Enquanto os homens optam por estratégias mais assertivas (e.g., atirar-se de uma ponte, usar uma arma de fogo), as mulheres utilizam outros métodos (e.g., overdose de comprimidos), que, se tratadas a tempo, podem ser revertidas e cuidadas a longo prazo. A incidência de depressão nas mulheres sugere também que lhes é prestada ajuda de forma mais atempada.

As representações e expectativas de género afectam a forma como os homens e as mulheres procuram ajuda. A masculinidade hegemónica tende a ditar que os homens não podem vulnerabilizar-se, o que contribui para maior isolamento social. Isto dificulta diagnósticos de saúde mental prévios, ou um acompanhamento mais aproximado em alturas de crise. Também ainda prevalece a crença de que os homens têm de garantir o sustento da casa, que, em situações de desemprego e precariedade laboral e social, pode suscitar os piores cenários. As mulheres, por outro lado, têm socialmente validado o contacto com as emoções, sendo mais propensas a falar sobre o que é difícil, partilhando com os outros as suas dores e desconfortos, diminuindo assim o isolamento. A causa para a disparidade de género do suicídio terá muito que ver com as representações rígidas de género que não permitem viver as dificuldades de forma acompanhada.

É importante também lembrar que, ao olhar para populações específicas, há grupos mais vulneráveis ao suicídio, exactamente por estarem em situações de precariedade mais extremas. Dentro do grupo das pessoas trans, nos EUA, 40 por cento já tentaram o suicídio. Este é o resultado das várias camadas de discriminação e exclusão social que enfrentam. É preciso preocuparmo-nos com valores absolutos, mas também é preciso analisar a propensão de forma relativa e comparada. Existem especificidades estruturais e culturais que fazem com que outras incidências se manifestem, que merecem todo o nosso cuidado e preocupação.

O suicídio é um assunto sério. É uma das principais causas de morte a nível mundial, segundo a Organização Mundial de Saúde. Macau, inclusive, tem registado um aumento no número de suicídios. No ano passado, Macau ultrapassou a média global ao registar 13 mortes por 100.000 habitantes, de acordo com fontes noticiosas locais. E porque não deveremos falar de assuntos extramente dolorosos e difíceis sem oferecer possibilidade de ajuda e resolução, aqui ficam contactos úteis para quem tem ideação suicida ou conhece alguém que tenha. Podem contactar a Caritas Hope for Life Hotline (2852 5777) para atendimento em português e inglês das 14h às 23h de domingo a terça-feira e das 9h às 18h de quinta-feira a sábado. Está fechado às quartas-feiras e em feriados nacionais. Para atendimento em Chinês (2852 5222) o atendimento é permanente (24/7).

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