Coco Zhao, músico de jazz: “Quero ser um vocalista que também é um artista”

O concerto do passado mês de Fevereiro, no Centro Cultural de Macau, deu a Coco Zhao a possibilidade de contactar com muitos jovens fãs, o que o surpreendeu. Um dos músicos chineses de jazz mais reconhecidos internacionalmente assume-se como um amante da experimentação, estando a preparar um álbum que inclui poesia falada e diversas sonoridades. Coco Zhao fala também de como é ser homossexual na China

 

Esteve, este ano, no Centro Cultural de Macau. Como foi essa experiência?

Foi incrível, as equipas maravilhosas com que trabalhei foram muito profissionais, fizemos grandes arranjos para o palco, onde tudo estava perfeito. Isso dá-nos um sentimento de segurança para o concerto, porque nós, músicos, precisamos de ter tudo bem preparado em palco. O público foi incrível. Nunca tinha tido a experiência de ter tantos jovens a fazerem fila a pedir autógrafos e a tirar fotografias. Por norma, a música jazz, especialmente na Europa, é apreciada por gerações mais velhas, enquanto as gerações mais novas estão mais ligadas ao rap e hip-hop, ou o R&B. Por isso fiquei surpreendido por ver como os jovens se sentiram tocados pela nossa música, e perguntei-lhes se realmente tinham gostado. Disseram-me que sim, que nunca tinham tido este sentimento pela música jazz. É uma sensação incrível, maior do que receber palmas. É uma espécie de prémio sentir que a música jazz transmitiu alguma coisa.

É um dos cantores de jazz chineses mais reconhecidos internacionalmente. Como se sente relativamente a isso? Quando começou a sua carreira como cantor e compositor, alguma vez imaginou que a sua carreira chegasse a este ponto?

Não imaginei. Nunca pensei que um dia viesse a ser o cantor de jazz mais reconhecido na China, mas quando estava no conservatório sempre pensei em fazer algo diferente.

Que diferença queria trazer para a música?

No meu tempo a maior parte dos músicos ouvia música clássica ou antigas canções pop chinesas, na sua maioria de Taiwan e de Hong Kong. Aprendi muito com a música clássica, que, para mim, é a origem. Os meus pais são artistas e compositores de ópera, por isso cresci com uma grande base de elementos da cultura chinesa. Ouvi tudo isso quando era mais jovem, mas sempre quis fazer algo diferente, mais extemporâneo. Nesse tempo queria ouvir os Beatles, Michael Jackson, queria ir mesmo [por um caminho] mais internacional do que [fazer] apenas [música] chinesa. Quando cresci decidi que ia tentar fazer algo que combinasse todos esses elementos com a música chinesa. No tempo em que passei pelo conservatório comecei a aprender mais sobre o jazz. Conheci um amigo em Xangai que tocava guitarra e a partir daí comecei a descobrir uma porta para entrar no mundo da música jazz. Para mim o jazz é a conexão entre a música clássica e pop. Tem estrutura, harmonia, ritmo, tal como a música clássica, mas tem mais liberdade. O jazz proporciona também um espaço para incluir um conjunto de diversos elementos. Além da maior liberdade, é também um estilo musical onde posso incluir mais a minha personalidade. Ao mesmo tempo, o jazz ensinou-me uma grande coisa: como ser ouvinte.

Como assim?

A maior parte das vezes em que tocamos apenas queremos expressar algo. Uma vez ouvi esta pergunta: “Será que a música é feita para os ouvintes ou para os que tocam?”. A resposta foi: “Claro que a música é para quem a ouve, mas os músicos são os primeiros ouvintes”. Por isso o jazz inspira-me muita reflexão de como ouvir antes de falar, e isso é muito importante na música. Penso que os grandes músicos de jazz pensam da mesma forma.

É natural de Hunan, mas o seu nome está muito conectado com a cena musical de Xangai. Como descreve essa relação?

Quando comecei a aprender jazz tocava sobretudo o mais clássico, as músicas padrão, com nomes como Duke Ellington, Cole Porter, Miles Davis, Count Basie, todos os grandes mestres. A partir daí comecei a ouvir jazz francês, jazz português, com Maria João, e pensei que deveríamos ter jazz chinês também. Pensei que deveria ter um lugar onde pudesse incluir elementos da música chinesa, e nessa altura passei a focar-me muito na música que se fazia em Xangai entre os anos 20 e 30. Foi assim que comecei, mas também fiz outras coisas, como fazer o arranjo de músicas folk chinesas, mesmo ópera chinesa, e incluir tudo isso no meu repertório. As músicas de Xangai foram mesmo o meu primeiro elemento para juntar a música chinesa ao jazz. Isso deu-me muita inspiração e espaço como músico que estava a começar. Depois disso, quando comecei a explorar novas áreas, a compor as minhas músicas, estas já não tinham nada a ver com as músicas que se faziam em Xangai, mas fiquei agradecido por essas sonoridades. Para mim funcionou.

Nos anos 90 tocou com vários músicos e deu concertos, inclusivamente um onde esteve presente Bill Clinton, ex-presidente dos EUA. Gravou o seu primeiro álbum em 2006. Poder fazê-lo foi a prova de que era um verdadeiro compositor e músico?

Já estava nos meus planos tornar-me um músico profissional nesse percurso, mesmo antes do concerto onde esteve Bill Clinton. Já pensava ser um músico ou vocalista profissional. Diria que o lançamento do álbum foi a altura em que tive maior certeza de que queria mesmo ser um vocalista de jazz profissional.

Em 2010 foi para Nova Iorque com uma bolsa de estudos. O período que passou nos EUA foi importante para lhe dar uma nova dimensão ou visão do jazz?

Absolutamente, até porque o jazz nasceu na América, tem raízes no país, e queria encontrá-las. Fui para Nova Orleães durante duas semanas para penetrar mesmo nas raízes da música jazz. Percebi que as origens estão lá, mas o jazz está também está muito presente em Nova Iorque, não o tradicional, mas sim o contemporâneo. Não sou americano, mas sim chinês, sou algo diferente, e para mim Nova Iorque promove mais espaço para trazer novos elementos para o jazz. Isso dá-me mais inspiração e mais certeza de que posso tocar jazz da forma que eu quero. Em Nova Orleães é tudo mais tradicional, há uma certa maneira de tocar jazz, mas em Nova Iorque há diversas formas de o fazer, e todos podem trazer a sua personalidade, carisma e cultura para a música. Isso, para mim, é fascinante, a possibilidade de trazer algo diferente para a música enquanto arte. E às vezes nem é só música, pois o jazz pode-se misturar com outros formatos artísticos como a poesia ou o teatro, ou a arte performativa. Diria que Nova Iorque, em 2010, foi um grande ‘abrir de olhos’ para a minha carreira musical e vida pessoal.

É vocalista e compositor. Toca algum instrumento também?

Piano. Costumava tocar oboé, e toco um pouco de instrumentos chineses. Hoje em dia aposto em instrumentos mais electrónicos. O piano ajuda-me a registar as minhas ideias, mas o lado electrónico [da música] cria mais possibilidades, com efeitos de som, por exemplo. Estou a planear fazer performances artísticas onde apenas utilizo a minha voz e os meus aparelhos electrónicos. Não quero ser apenas um músico de jazz, mas um vocalista que é também um artista. A voz é o canal através do qual me posso expressar e o jazz é o meio para as minhas criações, mas não quero ficar apenas aí.

Está a trabalhar num projecto novo?

Sim. Estou a planear lançar agora um álbum de duetos, com um repertório, em que eu estou ao piano ou com a guitarra, no trompete, no baixo, como numa banda, criando algo mais intimista. O trabalho terá, maioritariamente, composições minhas e músicas em que estou com outros músicos. O estilo já não é apenas jazz, podendo ser electrónica ou música experimental. Gosto de escrever poesia e cada música terá uma poesia minha, e alguma será apenas lida.

Quando escreve poemas, que mensagens quer transmitir?

Normalmente escrevo sobre amor. Sou gay, e na minha geração as histórias do amor homossexual não eram bem aceites na China, e mesmo agora as pessoas continuam sem compreender. Há muita gente a escrever sobre amor e a escrever grandes poemas sobre esse tema, e não quero competir com eles. A maior parte das coisas que escrevo é sobre as minhas observações, sobre o meu próprio desenvolvimento [como pessoa] e também o desenvolvimento sobre as cidades, ou reflexões sobre mim próprio nesses lugares. Xangai é uma cidade com charme, mas só o é porque tem pessoas com charme a viver nela, por isso tento escrever sobre as pessoas nas cidades, e de como eu me reflicto em determinada cidade.

Falta ainda abertura na China para o universo LGBT a nível artístico, por exemplo?

A situação está melhor do que antes, há uma maior abertura, e maior aceitação da parte da sociedade, mas não por parte das autoridades. A sociedade não se importa com essa questão.

As famílias têm ainda um lado tradicional, não aceitando a homossexualidade?

A minha família aceitou-me muito bem. Mas tudo depende de quão tradicional é a família, ou de quanto pode cuidar. Acredito que se existe um verdadeiro amor dos pais, eles vão amar-te independentemente do que és. Também tive de assegurar aos meus pais que sou uma pessoa forte e capaz, porque a maior parte dos pais, quando não aceitam a homossexualidade, preocupam-se se não és bem aceite ou se vais sofrer de discriminação pela sociedade. Na China já ninguém quer ter filhos, há um envelhecimento da população e isso está a tornar-se um grande problema. O facto de não existirem filhos não são uma grande preocupação para os pais de homossexuais, mas estes preocupam-se que os seus filhos possam ser discriminados. Tive de assegurar aos meus pais que ninguém me pode diminuir por causa da minha sexualidade. Disse-lhes que posso contribuir para a sociedade e que eles não precisam de se preocupar.

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