Via do MeioAnalectos – as conversas de Confúcio Rui Cascais - 16 Mar 2023 Tradução de Rui Cascais Revisão e notas de Carlos Morais José LIVRO II 為政 (Weizheng) GOVERNAR 2.1. O Mestre disse: “Governar um país com virtude é ser como a Estrela Polar: permanecer no seu lugar, enquanto as outras estrelas volteiam em seu redor.”19 2.2. O Mestre disse: “Os trezentos poemas podem ser resumidos numa fase: ‘Pensar a direito’.”20 2.3. O Mestre disse: “Se o povo for guiado por regulamentos e mantido na ordem através de castigos, para se subtrair à severidade das leis o povo perderá toda a vergonha; mas se for guiado pela virtude e disciplinado pelos ritos, desenvolverá um sentido de honra e comportar-se-á de forma correcta.21 2.4. O Mestre disse: “Aos quinze anos, o meu coração só desejava o estudo. Aos trinta anos, estabeleci-me. Aos quarenta anos, não tinha dúvidas. Aos cinquenta anos, conhecia os mandatos que o Céu me destinara. Aos sessenta anos, os meus ouvidos estavam afinados. Aos setenta anos, podia seguir o que o meu coração desejava, sem transgredir o que é correcto.”22 2.5. Interpelado por Meng Yizi sobre a piedade filial, o Mestre respondeu: “Não a contraries”. Mais tarde, enquanto Fan Chi segurava as rédeas da sua carruagem, o Mestre contou-lhe: “Meng Yizi perguntou-me sobre a piedade filial e eu respondi-lhe: ‘Não a contraries’.” Fan Chi perguntou: “O que queres dizer com isso?” O Mestre retorquiu: “Enquanto vivos, serve os teus pais segundo os ritos; quando mortos, enterra-os segundo os ritos; depois, presta-lhes sacrifícios segundo os ritos.”23 2.6. 孟武伯問孝。子曰:「父母唯其疾之憂。」 2.6. Doutra vez, à mesma pergunta, o Mestre respondeu ao filho de Meng Yizi, Wubo: “Não lhes causar qualquer preocupação, para além da tua saúde”. 2.7. Ziyou24 perguntou sobre a piedade filial. O Mestre respondeu: “Hoje considera-se terem piedade filial os que nutrem os seus pais. Mas isso até aos cães e aos cavalos se proporciona. Se não lhes devotares respeito, qual será a diferença?” 2.8. Zixia perguntou sobre a piedade filial. O Mestre respondeu: “O que mais custa é mostrar-lhes boa cara (conter a expressão facial). Libertá-los de tarefas e servi-los em primeiro lugar comidas e bebidas, será que meramente isso pode ser considerado piedade filial? 2.9. O Mestre disse: “Posso falar um dia inteiro com Yan Hui sem que ele faça a menor objecção, como se fosse um idiota. Mas quando ele fica só, examina o que foi dito e tira as suas próprias conclusões. Yan Hui está longe de ser um idiota.”25 2.10. O Mestre disse: “Observa as suas acções, repara nos seus motivos, examina o que os satisfaz. (Se assim fizeres) quem poderá esconder-te qualquer coisa? Quem poderá esconder-te qualquer coisa?”26 2.11. O Mestre disse: “Pondera o antigo como meio de compreender o novo — tal pessoa pode ser considerada um mestre.” 2.12. A pessoa exemplar não é um mero utensílio.27 2.13. Zigong inquiriu acerca das pessoas exemplares. O Mestre respondeu: “Primeiro praticam aquilo que vão dizer, só depois o dizem.” 28 2.14. O Mestre disse: “As pessoas exemplares, ao associarem-se abertamente com outros, não seguem facções; as pessoas menores, as que seguem facções, não se associam abertamente com os outros.”29 2.15. O Mestre disse: “Estudar sem reflectir é inútil; reflectir sem estudar é pernicioso.” 2.16. O Mestre disse: “Tornar-se exímio numa qualquer doutrina heterodoxa não traz senão desgraça.”30 2.17. O Mestre disse: “Zilu31, será que te posso ensinar o significado de sabedoria? Saber aquilo que se sabe e saber aquilo que não se sabe – isto é a sabedoria.” 2.18. Zizhang estudava para os exames oficiais. O Mestre disse: “Se puderes escutar abertamente, deixa de lado aquilo de que não estás certo e fala cautelosamente do resto de modo a cometeres poucos erros; se puderes olhar abertamente, deixa de lado o que é perigoso e age cautelosamente em relação ao resto de modo a que, assim, tenhas poucos remorsos. Poucos erros nas tuas palavras, poucos remorsos das tuas acções — terás uma brilhante carreira.”32 2.19. O Duque Ai de Lu inquiriu Confúcio, perguntando: “O que se pode fazer para obter a lealdade do povo?” Confúcio respondeu: “Eleva aqueles que são verdadeiros acima dos que são corruptos e será tua a lealdade do povo; eleva os corruptos acima dos que são verdadeiros e o povo não será teu.”33 2.20. Ji Kangzi perguntou: “O que fazer para que o povo seja respeitoso, leal e zeloso? O Mestre respondeu: “Supervisiona o povo com dignidade e este será respeitoso; sê filial para com os teus maiores e bondoso com os teus mais novos e o povo será leal; eleva aqueles que têm talento e instrui os que não têm e o povo mostrará zelo.” 2.21. Alguém perguntou a Confúcio: “Por que não tens emprego no governo?” O Mestre respondeu: “Quando o Livro dos Documentos diz: ‘Tudo está na piedade filial! Ser filial para com os pais e amigável com os irmãos fará florir essas virtudes no governo’ – será que isto não é falar do exercício do governo? Será que não se pode governar sem fazer parte do governo?”34 2.22. O Mestre disse: “Não estou certo de que alguém que não cumpra a sua palavra seja viável enquanto pessoa. Se uma carruagem de grande porte não tiver uma barra para o seu jugo ou se uma pequena carruagem não tiver uma barra na sua cruzeta, como poderão ser conduzidas seja onde for?” 2.23. Zizhang perguntou: “Será possível saber o que se passou sob o Céu (天下 tianxia) daqui a dez gerações?”35 O Mestre respondeu: “A dinastia Yin adaptou a observação da propriedade ritual a partir da dinastia Xia e modo como o fez é conhecido. Os Zhou adaptaram a observação dos ritos a partir dos Yin e o modo como a alteraram é conhecido. Se houver uma dinastia que suceda aos Zhou, mesmo que tal ocorra daqui a cem gerações, a continuidade e a mudança poderão ser conhecidas.” 2.24. O Mestre disse: “Sacrificar a espíritos de antepassados que não os seus é bajulação. Não agir naquilo que é entendido como justo (義 yi) é cobardia.” Notas 19. Um dos objectivos últimos do pensamento de Confúcio é a formação de homens capazes de governar com virtude. Alguns comentadores consideram que neste ponto estamos perto do conceito taoísta de não-acção (無為 wu wei), ou seja, que o governante deve unicamente exibir um comportamento virtuoso e exemplar, tornando-se num modelo para os outros homens que à sua volta giram como as estrelas volteiam em redor da fixa Estrela Polar. Assim, o governante ideal intervirá o menos possível no socius, ou seja, na vida das linhagens que, considerando o comportamento benevolente e recto do soberano, por ele pautarão igualmente as suas acções. De algum modo, aqui está descrita a utopia confucionista. 20. Referência de Confúcio ao livro que, segundo a tradição, ele próprio editou, o Livro das Odes (詩經 Shi Jing), que contém, na realidade, 305 poemas. É aqui citado, como súmula do próprio livro, um verso de uma dessas odes que fala poderosos cavalos de guerra criados para puxar carruagens e avançar a direito sem se desviarem do caminho desejado — tal como o pensamento e o comportamento devem avançar sem se desviarem dos seus fins virtuosos. 21. Neste ponto, estabelece-se uma oposição entre a prática de governar através de leis coercivas e de castigos e a prática de governar através de exemplos de virtude e do cumprimento dos ritos. Zhu Xi comenta: “Embora provavelmente não se atrevam a fazer nada de mal, a tendência para fazer o mal nunca os deixará”. Para o confucionismo, as meras leis ou as punições delas decorrentes não são o caminho para a governação. O governante deve, sobretudo, ser um exemplo de virtude, o que levará ao seu reconhecimento pelo povo e este deve conformar o seu comportamento aos ritos. A menorização das leis e dos castigos tornará o pensamento de Confúcio inimigo dos sábios legistas, como Han Fei Zi, por exemplo, que enformam o pensamento e a acção de Qin Huandi, o imperador que unificou o País do Meio em 221 a.E.C e fundou a dinastia Qin. 22. Aqui temos aquelas que muitos consideram as últimas palavras de Confúcio. Segundo a tradição, o Mestre terá morrido aos 72 anos. Este número levanta algumas suspeitas nas mentes mais cépticas, na medida em que se trata de um número extremamente correcto porque é um múltiplo de 9, a expressão numerológica da totalidade. Por exemplo, na mitologia chinesa, a invenção das armas e da forja é atribuída a Chiyou (蚩尤), um ser maléfico que morreu em batalha contra o Imperador Amarelo (黃帝 Huangdi), num combate mítico cuja reprodução ritual tem atravessado a história da China. Chiyou, cuja natureza aparece por vezes repartida em 72 (9×8) ou 81 (9×9) irmãos, tem um aspecto temível: cabeça de cobre com a testa em ferro e semelhanças bovinas. A tremenda batalha em que defrontou Huangdi surge recheada de contornos mitológicos, em que cada um arregimentou para o seu lado diferentes seres mitológicos: a sua legião de demónios espalha uma misteriosa neblina, no seio da qual Huangdi para se orientar inventa a bússola; depois o monarca derrota o seu inimigo graças a uma trompa mágica que imitava o grito do Dragão. Chiyou terá mesmo sido morto pelo Dragão Yin, o dragão da Chuva que, juntamente com Niu-pa, a deusa da Seca, secundava Huangdi. Duzentos anos antes da nossa era, esta figura terrível foi recuperada pelo primeiro imperador dos Han, Liu Bang (劉邦), que era suposto ostentar 72 sinais numa perna e lhe dedicou um sacrifício . É por isso muito possível que estejamos aqui perante uma espécie de divinização de Confúcio, estabelecida por um percurso (dao) ascensional que começa pelo estudo até, aos 30 anos, compreender qual o seu lugar de excelência onde deve permanecer; para depois, aos 40 anos, adquirir certezas sobre o mundo e as coisas, não sendo já surpreendido e, aos 50 anos, entender qual o destino que o Céu (tian) lhe impusera. Aos 60 anos, de “ouvidos afinados”, distinguia imediatamente as palavras certas das erradas e, finalmente, aos 70 anos, era suficientemente sábio para agir com toda a liberdade sem que com isso causasse qualquer desarmonia. Assim, pelo menos para os neo-confucionistas, liderados por Zhu Xi, Confúcio era o Grande Sábio, um Santo, que imolava os “iluminados” do budismo. 23. Falando da governação, emerge inevitavelmente o tema da piedade filial, na medida em que o confucionismo estabelece uma relação entre a hierarquia e os deveres no seio da família e a hierarquia e os deveres na sociedade. O soberano ou o superior hierárquico deverão ser respeitados como respeitados são o pai ou o irmão mais velho. Os pontos seguintes elaboram de modos diversos esta questão. Meng Yizi 孟懿子 (531-481 a.E.C.) pertencia a um dos mais importantes clãs do reino de Lu (parte da actual província de Shandong), onde vivia Confúcio. Fan Chi (樊迟) era um discípulo menor que aparece por vezes nos Analectos. 24. Ziyou 子游 (nascido circa 506 a.E.C.), nome de cortesia de Yan Yan 言偃, foi um dos dez discípulos sábios de Confúcio (Kong men shi zhe 孔門十哲). Ziyou é frequentemente mencionado juntamente com Zixia 子夏. Era muito mais novo que Confúcio e só se tornou um seguidor do Mestre quando este já era idoso. Confúcio estimava-o especialmente pela sua educação literária. Na sua juventude, Ziyou ocupou o cargo de magistrado de Wucheng 武城 (hoje Feixian費縣, em Shandong). A sua administração era orientada pelo princípio confuciano de “amar o povo”. Quando o Mestre passou pela cidade de Wucheng, ficou muito satisfeito com a música que ali tocava. Ziyou também criticou os discípulos de Zixia, dizendo que estavam “suficientemente realizados em aspergir e varrer o chão, em responder e retorquir, em avançar e recuar, mas estes são apenas os ramos da aprendizagem, e foram deixados na ignorância do que era essencial”. Ziyou sublinhou também a importância da contenção na aplicação da moral. Por exemplo, segundo Ziyou, não era apropriado exagerar o luto. Após a morte de Confúcio, Ziyou tornou-se num professor algo desviado do caminho do Mestre. Mais tarde, foi duramente criticado por Xunzi 荀子 e nunca teve a mesma importância de outros discípulos de Confúcio. 25. Yan Hui 顏回 (521-481 a.E.C.) foi o discípulo mais importante e preferido. Nascido em Lu 魯, tal como Confúcio, o seu pai Yan Wuyao 顏無繇, foi um dos primeiros seguidores do Mestre. Trinta anos mais novo que Confúcio deve ter morrido em tenra idade. Yan Hui cresceu numa família pobre, mas tinha um amor imenso pelo estudo. Por isso, nunca aceitou um cargo e preferiu ser discípulo de Confúcio. O Mestre estimava desmesuradamente Yan Hui e elogiava-o pelo seu comportamento nobre e benevolente. Para Confúcio, era um modelo de virtude e um igual a si próprio, progredindo a cada dia no caminho da benevolência. Outros discípulos invejavam Yan Hui pela sua capacidade de saber tudo sobre um assunto. A morte prematura de Yan Hui comoveu profundamente o Mestre que terá gritado: “o Céu destrói-me!”. “Se não chorasse amargamente por este homem, por quem haveria de chorar?”, terá perguntado. Yan Hui parecia, por vezes, desesperado na sua esperança de compreender os ensinamentos do Mestre. “Olhei-os e pareciam estar mais altos; tentei penetrá-los e pareciam estar mais firmes; olhei para eles à minha frente e de repente pareciam estar atrás. O Mestre, com o seu método ordenado, conduz habilmente os homens. Ele ampliou a minha mente com o estudo e ensinou-me as restrições da propriedade ritual. Quando desejo aceder ao estudo das suas doutrinas, não o posso fazer, e tendo exercido toda a minha capacidade, parece haver sempre algo que se ergue à minha frente e, embora deseje segui-los e agarrá-los, não encontro realmente maneira de o fazer”. O Mestre instruiu-o nas quatro evasivas (não olhar, não ouvir, não falar, nada fazer contrário à benevolência), e Yan Hui prometeu seguir esta directriz embora fosse “deficiente em inteligência e vigor”. Foi exactamente por causa desta obediência obstinada que Confúcio também criticou Yan Hui como não sendo de grande ajuda para ele, porque nada havia que o Mestre dissesse que não o deleitasse. 26. Interessante esta deriva psicologista de Confúcio que a considera como parte da arte de governar. O governante terá de desenvolver a sua própria capacidade de ler o carácter alheio, além das aparências, de modo a entender as motivações mais profundas dos que o rodeiam e usá-las a seu favor no estabelecimento de uma administração recta e benevolente, aceitando uns e rejeitando outros. 27. Este famoso adágio foi sujeito a diversas interpretações. Por exemplo, a pessoa exemplar (junzi)não deverá ser entendido como alguém capaz de desempenhar uma função particular (como um utensílio/ferramenta), como por exemplo, um carpinteiro que se especializa no trabalho da madeira; pelo contrário, terá uma visão mais abrangente do mundo e das coisas. Neste sentido, poder-se-á argumentar que nele o cultivo de si não passa unicamente pela aquisição de conhecimentos específicos, mas primordialmente pela formação ética, sendo capaz da Prática do Meio (Zhong Yong). Confúcio parece assim aconselhar o governante a não desperdiçar os talentos de um junzi, utilizando-o apenas para uma função, sem aproveitar todo o seu potencial, sobretudo a sua capacidade de produzir moral e assim ser um exemplo para os outros. André Levy, contudo, traduz esta frase de modo diferente. Para ele, deve-se ler: “O homem de qualidade (junzi) não trata ninguém como um utensílio” e questiona: “não concederia (esta exegese) a Confúcio um pensamento mais elevado, conforme à sua concepção de altruísmo, amor e respeito pelo homem enquanto tal?” 28. Esta fórmula pode ser interpretada de diferentes modos. A pessoa exemplar só ensina o que já comprovou pela prática ou que assim estimula os outros a pôr em prática o que pretendem afirmar antes de o fazerem. 29. A existência de várias facções no seio dos reinos era, para Confúcio, um dos grandes problemas da sua época. 30. Por doutrinas heterodoxas, refere-se outras escolas de pensamento, nomeadamente o taoísmo e o moísmo, a quem pouco importava a tradição ritual e política que vinha de Yao e Shun e dos fundadores da dinastia Zhou, que Confúcio procurava emular. A desgraça seria o esfarelamento do frágil império Zhou em diversos reinos que, constantemente, combatiam entre si. O facto de assentar as ideias na tradição, numa espécie de Idade do Ouro, garantia ao Mestre a sua rectidão. 31. Zilu 子路 (542-480 a.E.C.), nome de cortesia de Zhong You 仲由, foi um dos dez discípulos. Nasceu em Bian 卞 (hoje Sishui 泗水, em Shandong) no reino de Lu 魯 e cresceu pobre. Era o mais velho dos discípulos de Confúcio, sendo apenas nove anos anos mais novo que o Mestre. Zilu tinha um carácter simples, corajoso e decidido, mas era também grosseiro, inculto, ousado e guerreiro; e não gostava particularmente de discussões académicas. Venerava muito Confúcio e protegia-o onde quer que fossem. Confúcio gostava do discurso directo de Zilu, que nada ocultava. Zilu seria, disse o Mestre, o único a segui-lo sobre uma jangada e a flutuar sobre o mar. Morreu cruelmente durante uma revolta no reino de Wei. Mêncio considerou-o igual aos sábios governantes do passado. 32. Zizhang é um dos 72 discípulos mais importantes de Confúcio, criticado pelos seus pares pela pressa que revelava em adquirir um posto oficial. O mais importante é cultivar as virtudes interiores, que segundo o ruismo advêm do Céu, como a benevolência, a rectidão, a autenticidade, etc. Se o fizerem, em princípio, as recompensas, como tornar-se ministro ou conselheiro, serão alcançadas, embora tal não seja certo. Mêncio diz: “Os antigos cultivavam as honras celestes e as honras humanas seguiam-se naturalmente. Hoje as pessoas cultivam as honras celestes apenas como um meio para obter honras humanas, e uma vez que recebem as segundas, abandonam as primeiras. Isto é uma ilusão e, no final, só pode levar ao desastre.” 33. Jiang Xi 江熙 comenta: “O Duque Ai foi presenteado com uma oportunidade única na vida quando o seu reino se encheu de dignos sábios. Se ele os tivesse simplesmente tratado e empregado, poder-se-ia ter tornado no verdadeiro rei de Lu. Infelizmente, preocupava-se apenas com os prazeres sensuais e deixou o controlo da administração a um bando de malfeitores. Como resultado, o coração do povo encheu-se de ressentimentos. O Duque Ai estava perturbado com este estado de coisas, e por isso fez esta pergunta a Confúcio.” 4. Esta resposta de Confúcio sublinha a contribuição de cada um para o governo, ou seja, do dever cívico, independentemente do facto de fazer ou não parte da administração do reino. Assim, a governação não está apenas nas mãos dos poderosos mas disseminada entre o povo, na medida em que o exemplo de cada um pode produzir resultados concretos ao nível de toda a sociedade. Resumindo, ninguém, rico ou pobre, governante ou governado, se pode eximir ao dever de viver com benevolência, cumprir a piedade filial e os ritos, contribuindo assim para a harmonia social e a boa governação. 35. Eis uma passagem que provoca sérias dissensões entre exegetas e comentadores. Segundo alguns, a pergunta de Zizhang refere-se ao futuro: será possível saber o que acontecerá sob o Céu daqui a dez gerações? Contudo, lida assim a pergunta, a resposta de Confúcio seria de uma atroz banalidade e, de certo modo, transviada. Pelo contrário, a ser uma questão sobre o que seria conhecido do passado daqui a dez gerações, a resposta do Mestre enquadra-se na sua crença de que algo do passado sempre permanece no futuro, ou seja, há sempre continuidade apesar das mudanças. Além disso, inscreve-se na importância que o confucionismo outorga ao conhecimento das instituições do passado. Um sintoma de mudança significativa aparece nos ritos e nas alterações que vão sofrendo com as mudanças histórico-sociais.