Via do MeioLi Qingzhao – Poemas do erotismo suave António Graça de Abreu - 8 Nov 2022 Li Qingzhao李清照 (leia-se Li Chin-tsao) é a grande dama da poesia chinesa. Nasceu em 1084 em Jinan, hoje capital da província de Shandong e é, por certo, a maior poetisa da China. Aos dezassete anos casou com Zhao Mingsheng, um ilustre letrado e mandarim como ela amante das belas-artes, da poesia, da cultura. Viúva, após trinta anos de vida feliz em comum, Li Qingzhao dedicou-se por inteiro à poesia, tendo escrito alguns dos poemas de amor mais famosos e sentidos de toda a poesia chinesa. A sua obra – conhecem-se apenas sessenta e dois poemas – costuma ser dividida em três períodos, primeiro, os anos felizes de casamento e juventude; segundo, o tempo em que viveu separada do marido por causa das guerras que assolaram o império, com versos melancólicos e tristes, na esperança do reencontro com o homem amado; e o terceiro, os anos de viuvez, com poemas de profunda saudade pelo companheiro que partira. Faleceu em 1155. No mundo chinês ninguém mais a esqueceu. Em Li Qingzhao, a extraordinária sensibilidade feminina mesclando a sublime natureza com o indefinível pulsar de um grande coração. Assim: 采桑子 晚来一阵风兼雨 洗尽炎光 理罢笙簧 却对菱花淡淡妆 绛绡缕薄冰肌莹 雪腻酥香 笑语檀郎 今夜纱幮枕簟凉 Colher fruta madura A noite, o vento arrasta a chuva, apaga o fogo sufocante do sol. Fui buscar a flauta de bambu, diante do espelho, retoco o meu rosto. A minha carne, sob o robe de seda púrpura, como jade ou neve, liso e perfumado. Sorrio e digo: “Meu amor, esta noite, por detrás das cortinas de gaze, na frescura do nosso leito.” Ou: 如梦令 常记溪亭日暮 沉醉不知归路 兴尽晚回舟 误入藕花深处 争渡 争渡 惊起一滩鸥鹭 Como um sonho Recordo o pavilhão junto às águas, ao entardecer, e nós, embriagados, incapazes de encontrar o caminho de regresso. Longe de tudo, encharcados em prazer, remávamos ao acaso, entre tufos de lótus verdes. Mais depressa, mais depressa… Na margem, assustadas, garças e gaivotas levantavam voo. Ou: 武陵春 风住尘香花已尽, 日晚倦梳头。 物是人非事事休, 欲语泪先流。 闻说双溪春尚好, 也拟泛轻舟。 只恐双溪舴艋舟, 载不动许多愁。 Primavera em Wuling Cessou o vento, a terra exala o perfume das flores caídas, cai a noite, para quê pentear os meus cabelos? Sua roupa está lá, mas ele não. Nada mais faz sentido. Queria falar-lhe e desfaço-me em lágrimas. Dizem-me, nas margens do lago é esplendorosa a Primavera. Eu também gostava de passear de barco, mas receio que uma barca tão frágil não aguente o peso de tanto sofrimento. Ou, recreando a fala de uma cortesã, ou prostituta: 点绛唇 蹴罢秋千, 起来慵整纤纤手。 露浓花瘦, 薄汗轻衣透。 见有人来, 袜铲金钗溜, 和羞走。 倚门回首, 却把青梅嗅。 Pintar os lábios de vermelho Após os muitos jogos do baloiço, levanta-se, cansada, pinta outra vez o rosto. Foi o orvalho pesado numa frágil flor, pérolas de suor humedecem a sua roupa fina. Chega um novo cliente, volta a tirar as meias, caem os alfinetes dourados. Provocante, encosta-se à porta do quarto, respirando o aroma de uma maçã verde. traduções de António Graça de Abreu, Outubro 2022