A Fábrica de Vinho Chinês Tai Cheong

Quando em 2010 pretendemos escrever sobre a loja de vinho chinês Tai Cheong, situada ao fundo da Estrada do Repouso, pouca informação obtivemos do funcionário que aí trabalhava e apesar de por três vezes a visitarmos, nem o nome lhe conseguimos saber e tão pouco quem era o patrão. Ao centro do acanhado compartimento da loja encontrávamos sempre uma mesa com pessoas idosas a jogar majong e na parede do fundo, um conjunto de antiguidades colocadas entre o altar a Kuan Tai e por cima, a tabuleta com o nome do estabelecimento. Já numa das laterais paredes, prateleiras cheias de garrafas, entre elas de cerveja Tsingtao cujo rótulo referia ser vinho de arroz glutinoso de original fermentação, tendo os caracteres em baixo a dizer “Tai Cheong antiga fábrica de vinho”. A última prateleira fazia de balcão e escondia enormes potes antigos gravados com dragões a armazenar o vinho, acessíveis por buracos no tampo de madeira fechados por rolhas.

Aberta ao passeio, daí fomos assistindo em silêncio ao ritual da venda quando os clientes entravam na loja para comprar vinho e o funcionário abria a caixa de metal que guardava as várias medidas e só depois o vendia já engarrafado ou, mediante o pedido, escolhia uma das quatro conchas de alumínio nela existente com diferentes capacidades e mergulhando-a num dos potes, vertia o líquido com a ajuda de um funil para o vasilhame trazido pelo cliente. Finda a transacção, voltava a fechar a tampa da caixa e recebia o dinheiro. Duzentas patacas era o imposto que a loja pagava por ano para vender vinho, como aparecia num papel exposto na parede.

Para facilitar um início de conversa compramos uma garrafa, perguntando se o vinho era feito em Macau e a resposta foi ser produzido em Panyu, província de Guangdong. Aproveitando então o degelo na comunicação, questionamos sobre a pequena fotografia exposta na parede a mostrar um jovem a andar de bicicleta, referindo o funcionário com um ligeiro orgulho ser ele o protagonista, já lá iam mais de 50 anos.

Em superficiais pesquisas, percebemos ser esta a última das lojas de vinho de arroz que em Macau permanecia aberta, após o encerramento em 2010 da Cheóng Ón na Rua de S. Paulo.

Em 1950, Macau só em lojas de venda a retalho de vinho de arroz tinha 118 e fábricas havia 44. Com a lista de 1981, que registava 27 fábricas, deambulamos pela cidade na esperança de ainda existir alguma. Sem nada encontrar, voltamos à loja Tai Cheong para tentar conseguir mais informações.

Em 2021 regressamos à loja, mas fechara em 2019, sendo-nos revelado ter sido esta fábrica de vinho chinês uma das mais importantes de Macau. Com vontade de conhecer a sua História soubemos poder encontrar na cidade um dos filhos do fundador, dono da loja de chá Va Lun, na Rua 5 de Outubro. Assim, durante uma manhã aí escutamos do Sr. Chang Chi Fai, amável e interessante personagem, as informações que até então nos falhavam sobre a fábrica Tai Cheong.

História da fábrica

O seu pai, Chang Hin Meng era natural de Jiujiang, Nanhai província de Guangdong, e quando em 1939 esta província foi invadida pelos japoneses fugiu com a família para Hong Kong. Enquanto aí vivia, abriu em Macau uma fábrica de palitos, Dai Wa e outra de châu peng (fermento para fazer vinho de arroz), criando assim empregos aos seus conterrâneos.

Em 1941 veio para Macau e nessa década de 40 fundou a Fábrica de Vinho de Arroz “Tai Cheong”, na Estrada do Repouso n.º 129, onde se situava a loja e atrás desta encontrava-se a fábrica a ocupar a área traseira de sete espaços comerciais, tendo no outro lado da rua mais três lojas para armazenar o arroz.

A tomar conta da fábrica ficou o irmão Chang Chan Wa, que era o segundo filho. O vinho na altura era produzido num recipiente de estanho com capacidade de 15 kg onde o arroz cozia durante uma hora, sendo depois submetido à fermentação. Na primeira cozedura a vapor fazia-se o vinho para cozinhar de pouco teor alcoólico e só após uma segunda cozedura este atingia os 31,5º. Com essa dupla destilação (seóng chêng) o vinho transparente era colocado em garrafas de meio litro pois os habitantes de Guangdong gostavam de o beber a acompanhar as refeições. No entanto, o estanho dos recipientes deixava resíduos de chumbo levando o governo de Singapura a proibir a importação do vinho de arroz de Macau.

Em 1954, Chang Chi Fai após complementar o curso secundário com 18 anos foi trabalhar para a fábrica. Como a produção continuava a usar o antigo método decidiu desenhar e fazer de aço inoxidável a panela alambique para substituir a de estanho, aumentando-lhe a capacidade a fim de poder cozer 45 kg de arroz. Sendo preciso grande quantidade de água abriu-se um poço e para a conseguir fria foi-se buscar mais fundo pois necessária para cortar rapidamente o levedar com o novo bolo de vinho, que desenvolveu através do arroz glutinoso importado da Tailândia.

Este era triturado até ficar em pó, depois colocado em água e após seco dividido em bolinhas. Tai Cheong era a única fábrica a produzir desta maneira o vinho e em 1957 começou a vender esse châu pêng às outras de Macau. A juntar aos já bons resultados, inovou com a técnica de esterilização durante a fermentação usando luz ultravioleta para eliminar possíveis contaminações bacterianas e para purificar o vinho mandou vir de UK um filtro especial.

Se até então, com meio quilo de arroz se produzia quatro leong (1kg = 32 leong) de vinho, agora com a mesma quantidade de arroz conseguia-se 24 leong (¾ kg = 750ml de vinho). A qualidade também aumentou pois a fermentação era completa e assim conseguiu baixar o preço da produção.

Na década de 60 a fábrica precisava por dia entre uma a duas toneladas de arroz e por isso começou a importá-lo directamente da China, tornando-se o maior agente em Macau de todos os produtos necessários para a feitura do vinho de arroz. Tinha mais de 300 enormes potes, armazenando cada um 400 litros, havendo ainda um recipiente feito de aço inoxidável com a capacidade de 1750 litros.

Assim em três anos a fábrica de média tamanho tornou-se a maior e a número um de Macau. Em 1965 Chang Chi Fai deixou a fábrica e virou-se para o negócio do chá.

O vinho produzido em Hong Kong pagava 0,9 HK$ por cada meio litro, enquanto o importado tinha uma taxa de 1,1 HK$, mas mesmo assim o preço do vinho de Macau continuava aí a ser mais barato. Nessa altura, Macau exportava 80% do seu vinho de arroz cozido duas vezes para o Sudeste Asiático, Canadá e USA.

Na década de 80, alguns negociantes de HK usando álcool industrial e tornando-o transparente venderam-no como vinho de arroz, provocando a cegueira e morte a quem o consumiu. Tal levou à queda da confiança dos consumidores, que optaram por cerveja e uísque, dando-se assim o declínio do vinho de arroz.

Com a enorme diminuição de consumo, a fábrica fechou por volta do ano de 1987 e o último patrão, Chang Chan Wa, antes de deixar Macau vendeu a loja ao antigo empregado Tang Gan, o nosso primeiro co-locutor.

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