h | Artes, Letras e IdeiasRima do velho marinheiro Amélia Vieira - 20 Abr 2021 13 de Março de 2021 O nosso tempo actual reporta-nos para as vagas como se andássemos sobre as águas, uma navegabilidade muito própria – andamos agora por vagas- navegamos incertos, e qualquer costa se nos afigura como uma miragem na fé de chegar a bom porto, andamos literalmente a «cavalgar a vaga» que devido às fortes monções se fica parado num viver ficcional como no ventre da baleia, e quando esta sofre ruptura, ou abertura, somos expelidos, e tudo parece recomeçar em chão seguro que parece outro. Para não entorpecermos ainda mais pela linguagem chã, arranjaram-se eufemismos esperançosos, como; bazuca, vitamina, e outras variantes, mas no subsolo, o dinheiro (essa designação assaz grosseira) é um bem que só os anões e os alquimistas sabem como preservar e fazer crescer. Estas vagas que têm sereias cantando ao lado das embarcações necessitam da coragem de um Ulisses que se amarrara todo para não se atirar a elas, e assim, foi ele para casa onde aprendeu a fazer mantas. O facto das vagas se sucederem é até um factor de adaptação à jornada do navegante, onde, de ora avante não deve temer o sentimento costumeiro da adversidade imposta pelo ritmo das marés; é certo que em caso de tsunâmi toda a programação se desfaz, e a ideia de navegabilidade ao primeiro soar de calmaria pode mesmo fazer que ele se manifeste. Nestas coisas devemos lembrar-nos da frase «navegar é preciso, viver não é preciso» pois toda a Terra é agora a única barca. E se passarmos por cima, será um dom, diferente daquele que deixáramos que era, passar ao lado, uma verdadeira mudança de plano. E tudo isto não seria uma experiência de péssima qualidade se não nos recordássemos das Barcarolas, um legado antigo inscrito num tempo medieval: métrica simples, efeito de assombro, roteiro fantástico, na inesperada e renascida presença de Coleridge, percursor do romantismo inglês pela sua «Balada do Velho Marinheiro» o poeta que afirmava acreditar mais nas coisas invisíveis que nas visíveis, quando nós olhávamos ainda a Nau Catrineta, que de pasmar se foi quando passámos a ter «Chuvas Oblíquas» (que barcas afundam na vertical) e este Velho Marinheiro não gosta ainda de nevoeiro «…que trazia o nevoeiro. Há que matá-las, dizia, se trazem o nevoeiro/ Dia a dia sem um sopro que o movesse o barco ficou parado/ em vão como um barco a tinta num oceano pintado…» É nesta atmosfera que nos associamos às lembranças e delas vazamos as vozes de outro entendimento, que tudo se liga como as redes dos pescadores, e se deita, e se arrasta…se dissolve, e quantas vezes se esquece. Trazemo-las renascidas e vimos o quanto os elementos se assemelham nas suas alternâncias, recordamos viver, que sem isso, o tangível espaço incubado que o acaso nos ditou pode não ser o tempo de reflexão que é preciso para o abate dos navios piratas. As vagas de ontem transportaram assassinos de marés, mas vimos como concordaram as leis, e como por elas somos dirigidos mais que dirigistas, e muitos ainda anseiam voltar para a morte há tanto anunciada. Hoje, porém, somos um instante no verso «É um tempo de cansaço/ a garganta ressequida/ e o olhar vidrado/ Um tempo… Um tempo de cansaço!» Data de 1798 a primeira versão desta obra, a repercussão foi o ter firmado um estilo inaugural, mas o autor foi fazendo mudanças e em 1817 incluía-as em «Sibyline Leaves» e em 1828 volta então ao original. «Deveria ser encadernado em ouro» – disse um critico acerca do que dele restou, e os pescadores de pérolas sentados em tronos, por tão duros ofícios que a beleza requer. Por muitas vagas levamo-los e esperamos lembrar. Por ora, o pensar nos cansa, que este vaguear não inspira confiança confinante, nem nada se vê de muito nítido…que de nevoeiro, nem vê-lo, mesmo que para alguns seja o vínculo inconsciente de um desejo colectivo. Começa num casamento em festa, coisas que os mapas esqueceram. Quanto a Coleridge, morreu subitamente aos sessenta e um anos.