Mudar, outra vez

Mudemos de casa: porque é preciso
Arrumar as dores de outra maneira,
Certificarmo-nos da existência do corpo
Em novos lençóis, voltar a ter ilusões,
Lugar propício para a curiosidade
De alguns que nos fazem acreditar
Que a vida é um amplo anfiteatro
Para as mãos.
Portadas Abertas, Jorge Gomes Miranda

[dropcap]«G[/dropcap]osto muito do que escreves, a sério! Mas os temas são recorrentes: a mortalidade, a tristeza, o ódio a estes tempos…».

Caramba. Este amigo-leitor atento tem toda a razão. Quando mo disse apeteceu logo replicar com a citação do Nelson Rodrigues sobre o valor da obsessão. Mas, por definição, até isso seria naturalmente recorrente.

Isto porque queria escrever sobre mudança, algo que perpassa muitos destes textos e foi explicitamente tratado há dezasseis semanas aqui mesmo. Então porquê outra vez?

A resposta imediata e sorridente que o meu interlocutor recebeu nessa altura foi “sei lá”. Mas é mentira: sei porque aquilo sobre o que escrevo já está há muito no que quero ou não quero, no que acredito ou recuso. E um tipo, a partir de certa vida (podem dizer idade) vai ganhando coragem e alguma elegante impunidade (pronto, esta parte sou eu a sonhar o que gostaria de ser).

Portanto: fazendo um exercício que sinceramente não gosto de fazer percebo que desde há muito tempo aborreço as pessoas com variações sobre os mesmos temas. Só que depois do pânico cruzo as pernas, reclino-me e fico quase confortado e incomodado com o provérbio que daí sai: é a vida. E é mas por vezes e sobre certos momentos podia oferecer um tempo para preparar certos mergulhos. Mas não: é agora, de apneia e aguenta esse fôlego. Está certo.

De forma que aqui voltou algo que tanto temo como sei irreversível: a mudança. Para quem pensa como eu, o medo da mudança não é mais do que o medo da perda – é por isso que o compromisso tem de a acompanhar, sob pena ficarmos sozinhos numa floresta nova e desconhecida. E neste olhar sobre a sociedade e a política que me rodeia percebo a urgência nesta prática. Ao que parece, não sou só eu: quando um candidato às presidenciais americanas – sim, esse, não o outro – pede explicitamente que as diferenças se unam e trabalhem para um bem comum – bom, isso nesta altura é mudança.

Então poderá ser a mudança um caminho para algo que já conhecemos e desejamos? Sim. Gosto muito destes dois versos de um novo poeta, André Osório: “Atravessar o tapete de casa /é um acto de recordação”. (Passagem, Observatório da Gravidade) E é isto, é exactamente isto: há uma melancolia desejada e inerente a quem regressa (e Osório, sendo admirador explícito de Larkin e de Heaney sabe-o bem). Mas quem regressa terá um dia partido e isso pode acontecer e acontece todos os dias. E o poeta nem sequer nos sugere direcções de entrada ou saída. Continua a bater certo.

Isto para dizer que a melhor mudança é o que nos devolve o familiar. O que estimamos, quem estimamos. A vida trata do resto e apesar de nós: as perdas, os ganhos, as certezas. Aproximo-me de um desses momentos, outra vez, como tantas vezes me aconteceu. O pânico, a preguiça e a resistência são os mesmos. O medo já não: mudarei para aquilo que já conheço e quero.

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