A nova utopia (12)

A nova utopia é um símbolo de distinção.
O novo utopista aprende árabe
com um refugiado palestino,
francês com um haitiano,
quéchua em vez de castelhano.
É obrigado a fazer logística de prestígio online.
Não é um sofá velho da Era do Patriot Act,
um tolo de um dia de sol em Guantánamo.
É um connoisseur de todos os lixos.
Já ouviu algo a respeito do slogan:
“O petróleo é nosso !”
O novo utopista é obrigado a ser um etimólogo,
defende a origem lendária da palavra cadáver,
CArne DAta VERmem,
embora saiba que cadáver, do latim cadaver,
deriva do verbo cadere:
“cair, cair no combate, morrer”.
É contra uma guerra sem combatentes,
é a favor da greve dos coveiros,
do adeus impossível e da incineração de corpos.
O novo utopista é um obscuro terrorista do moribundo.
Os sinos da igreja tocam o morto largado na rua.
O novo utopista é também um xamã Yanomani:
inala yakoana, o rapé alucinógeno,
para mais um rito fúnebre.
O petróleo se alastra pelos mangues:
camarões, caranguejos, ostras e peixes, todos mortos!
Dinheiro não tem princípio.
Toda meta é alcançável: just do it.
A verdade é a verdade, seja dita por Agamenon
ou por um ladro.
O novo utopista é uma espécie em perigo de extinção.
Narra, para as crianças, a lenda do duende do beco.
É um gnomo, no oco de um tronco, mas não um espectro.
É a favor de patíbulos:
agora ao menos um morto por justiça,
a chuva rebate em seus dentes postiços,
genocida, usurário:
até a Virgem Maria o abortaria.
Encara o ofício de não poder morrer, quando tudo morre.
O novo utopista expropria cadáveres de luxe
para lhe desferir tiros.
O cara enfia fezes de cachorro na boca da mulher.
Um narco, de barato, fuzila três de suas belas garotas.
Um filhote de jiboia carbonizado
pelo incêndio da floresta,
jacaré sujo de resíduos de carvão.
Mancha de petróleo no mar.
Terapia do choque econômico.
O bebê resgatado de um bueiro
é também apenas uma notícia.
Mais um óbito: cadáver intacto na calçada,
não é da guerra, não é da blitz,
cruzes, túmulos, vala comum, é a vida.
O novo utopista trava
um duelo suicida com a história.
Uma estrela cai.
Um coro de anjos, à base de anfetaminas, canta:
“A mulher do mineiro
se pode chamar de viúva.
Ele passa o dia inteiro
cavando a própria sepultura”.
O novo utopista é contra o tributo da urina
em mictórios públicos.
O novo utopista é contra a importação
de capitais infectados.
O novo utopista é um editor de igualdade,
é contra o protesto pop:
glamour freak de boutique haute-bourgeois.
Negros, indígenas, white trash, lixo branco até virar gás.
A nova utopia, às vezes, entra em stand by.

Régis Bonvincino

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