Perspectivas VozesA Constituição e a Covid-19 Jorge Rodrigues Simão - 28 Mai 2020 “Our Constitution is partly a reality, but only partially is true. Partially it is still a program, an ideal, a hope, a commitment, a work to be done.” Piero Calamandrei Discussion on the Constitution [dropcap]O[/dropcap] poeta italiano Dante Alighieri no “Inferno” da “Divina Comédia” dizia: “Considerai a vossa própria semente; vivamos não como brutos, mas para seguirmos a virtude e o conhecimento”. Neste momento, as pessoas expressam medo, angústia e, por vezes, até pânico. O que produz o medo, angústia e pânico? Estas emoções facilitam uma redução do poder do nosso sistema imunitário e tornam-nos mais vulneráveis aos ataques da Covid-19 (ou de qualquer outra patologia). Se olharmos com atenção, percebemos que “a tarefa da Covid-19” tem na verdade uma raiz mais profunda noutro vírus, o vírus financeiro! É assim para que possamos dar sinais fortes, porque somos capazes, como povo global, de pôr um fim a esta escravidão, porque todos pedem segurança e serenidade, para si, para as suas famílias, para os seus países e para o mundo inteiro. A segurança e a serenidade são alcançadas de duas formas, primeiro, ter claras práticas “meditativas”, evolução e crescimento pessoal que permitam aos nossos “Eus” ter um guia interior, ligado à nossa alma, porque desta forma experimentamos total segurança e serenidade em qualquer situação e não vamos depender de situações externas! É o mais proveitoso que podemos fazer, porque precisamos de reforçar o nosso sistema imunitário. Além disso, a segurança, serenidade, alegria, humor e “eros” são os sentimentos e as formas que trazem um grande benefício no reforço das nossas defesas imunitárias. Depois há algo, que temos de fazer para consolidar a segurança e a serenidade, pois necessitamos de ser capazes de ter uma visão do mundo externo articulada, bem formada, como a do mundo interno (quando praticamos meditação e outras práticas de transformação e crescimento pessoal). Devemos poder ver o mundo com os olhos desprendidos, para que possamos ver que existe uma saída. Esta saída está muito próxima de nós e chama-se Constituição. É o que podemos aprender com a Covid-19 Temos de aproveitar como uma oportunidade única que temos de despertar a consciência; no sentido de uma grande ocasião, provavelmente “irrepetível”, porque toda a humanidade tem de mudar os seus hábitos. Os hábitos que tínhamos antes não eram bons hábitos, eram maus hábitos, tanto alimentares como culturais e sociais! Temos de rever todo o nosso modo de vida, que não foi orientado pela sabedoria, mas sim pela patetice. Nas últimas décadas, a maior parte da humanidade tem-se comportado como um bando de desorientados. É por isso que a Covid-19 pode tornar-se um momento extraordinário, uma oportunidade para despertar toda a humanidade, porque pode expor a gaiola financeira em que todos no mundo são prisioneiros. Encontramo-nos numa prisão financeira global. O dinheiro domina tudo, subjuga o bem-estar dos trabalhadores, sujeita o povo, que é oprimido pelas finanças internacionais. Ainda que não tendo uma visão comunista do mundo, todas as pessoas são escravas deste sistema e apenas uma “elite” muito pequena detém o controlo e a propriedade das finanças mundiais. Como funciona este sistema opressivo de financiamento internacional gerado pela cultura neoliberal? Simples, as finanças internacionais exigem que todos, enquanto seres humanos individualmente, grupos e comunidade, pratiquem uma forte concorrência (entre nós e entre países); forte concorrência a todos os níveis como concorrência política, económica e social. Não há dúvida de que uma forte concorrência política, económica e social é fundamentalmente inconstitucional em quase todo mundo. Não é preciso “grandes estudos” para compreender este princípio fundamental. A Constituição em geral baseia-se na solidariedade e na cooperação e não numa forte concorrência, por outras palavras, com o sistema actual, as finanças dominam o povo, enquanto “constitucionalmente” deveriam ser as pessoas a dominar as finanças. As finanças devem estar ao serviço do povo e não o contrário! Este princípio também mudaria completamente os modos de governo, pois actualmente, estes servem para tornar os povos cada vez mais escravos das finanças internacionais, o que é absolutamente inconstitucional! Antes da Covid-19 os economistas que se referiam ao modelo predatório neoliberal aconselharam em quase todo o mundo a reduzir as despesas nos cuidados de saúde, diminuir o número de médicos, cortar o número de enfermeiros, fechar pequenos hospitais, evitar a compra de equipamento médico… Reduzir foi a palavra de ordem! Se olharmos para o mundo actual surge a inevitável pergunta – nos últimos dez anos quantos milhares de milhões de dólares ou euros foram cortados no mundo nos cuidados de saúde pública, quantas camas foram eliminadas e quantas enfermarias foram encerradas, para além do encerramento de inúmeros pequenos hospitais? Quantos médicos que, uma vez reformados, não foram substituídos por novas contratações? Os resultados destas infelizes escolhas estão à frente dos olhos de todos! Podemos dizer que estas escolhas, implementadas pelos vários governos dos países à escala mundial, têm estado em contraste com a maioria das suas Constituições que deve mencionar mais ou menos a ideia de que o Estado protege a saúde como um direito fundamental do indivíduo e do interesse da comunidade, e garante o atendimento gratuito aos necessitados. Ninguém pode ser obrigado a submeter-se a determinado tratamento médico, excepto por disposição legal. A lei não pode, em caso algum, violar os limites impostos pelo respeito pela pessoa humana. Outro tema actual é o sistema prisional. Houve motins em alguns países e haverá no futuro devido à Covid-19. Os motins devem-se também ao medo de os prisioneiros serem infectados; as prisões estão sobrelotadas, pelo que, se o vírus entrasse, o contágio alastraria rapidamente e com cenários dramáticos. Não é preciso fechar os olhos! Há uma admissão necessária a ser feita, pois as condições de vida dentro das celas tornaram-se insustentáveis. Mas para todos, não só para os prisioneiros, entre os quais se espalha no silêncio culpado da política e da opinião pública, o número de sujeitos psiquiátricos que, durante muito tempo, já não têm um lugar para os acolher, condições de vida terríveis que, em pouco menos de dez anos, perturbaram e agravaram um ecossistema muito delicado, em que os directores das instituições, a direcção e elementos da polícia prisional, os polícias, o corpo de educadores e o exército de voluntários e profissionais de saúde, todos os dias correm muito mais riscos do que uma infecção por Covid-19. Porque é que as prisões estão sobrelotadas? Se estão sobrelotadas, significa que são demasiado pequenas em comparação com a população prisional. Mesmo nesta área torna-se fácil desmascarar o perverso guia neoliberal das escolhas de política económica; assim, se as prisões estão superlotadas, significa que aqueles que as deveriam ter alargado receberam a recomendação habitual de reduzir as despesas, porque não há dinheiro; reduzir as despesas com os cuidados de saúde, porque não há dinheiro; reduzir as despesas com a aplicação da lei; reduzir as despesas com os bombeiros, etc. Haverá alguma hipótese de tornar a população prisional menos numerosa? Sim, há. Poderão ser aplicadas medidas alternativas à prisão, especialmente a prisão domiciliária. Mas para tal precisaríamos de mais agentes da autoridade, ou pulseiras electrónicas, mas não existem o suficiente! Como assim? A resposta é a habitual, o corte nas despesas, não existe dinheiro suficiente! Deveríamos ter tido mais hospitais, mais médicos, mais camas de cuidados intensivos, mais respiradores. Deveríamos ter tido prisões maiores. Não deveríamos ter o “numerus clausus” para certas disciplinas universitárias (tente pensar nisso, mesmo a tentativa de controlar o crescimento cultural das nossas futuras gerações). Espero que todos acordemos! Que retiremos “os atributos” e que se possa defender toda a população e não uma pequena elite que detém o controlo financeiro. Assim surge o ensinamento cristão de que “Então Jesus entrou no templo e expulsou todos aqueles que ali se encontravam para comprar e vender; derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos vendedores …e disse-lhes a minha casa será chamada casa de oração, mas vós fazeis dela um antro de ladrões.”, Mateus 12-13. Por que chegámos a este ponto? Fizemo-lo porque “não havia dinheiro”? Para construir (reconstruir) uma ponte, um hospital ou uma escola pode faltar matéria-prima, pode faltar trabalho, mas a única coisa que nunca pode faltar é dinheiro! Nas Constituições e na democracia, o dinheiro do Estado é impresso pelo Banco Central. O Banco Central pode imprimi-lo com uma simples decisão e na medida do necessário para a economia, para conseguir o pleno emprego e para criar o bem-estar da população. E poderíamos também falar da gestão do fenómeno da inflação, a que tal processo pode conduzir, mas contra o qual existem medidas que tendem a equilibrar este círculo virtuoso (como a “escada rolante” para o ajustamento dos salários). Imagino agora a reacção dos economistas “mainstream” que arrancam a roupa, rasgam o cabelo, gritam heresias, mas como se atrevem a permitir-se sustentar tais falsidades! Como podem ainda apoiar as provas embaraçosas do fracasso da economia geral? E qual será a justificação de que não há dinheiro! Mas não se percebe? O nível insustentável da dívida pública de muitos países? Continua a aumentar! As dívidas devem ser pagas! Para construir hospitais criam-se dívidas! Para contratar enfermeiros e médicos criam-se dívidas, etc. O cântico habitual! Estes economistas ou são escravos do sistema ou, pior ainda, da forte folha de pagamentos dos poderes, ou são realmente ignorantes; nunca leram (ou compreenderam) uma página de John Maynard Keynes ou não leram (ou não compreenderam) as Constituições dos países. Ou pior ainda…ambos ao mesmo tempo. A maioria das Constituições dos Estados-Membros da União Europeia (UE) prevê a soberania monetária! Isto significa que os Bancos Centrais (e não o BCE) podem imprimir todo o dinheiro necessário. O problema é que grande parte dos povos europeus acreditou nessas pessoas. Os povos europeus continuam a acreditar que não há dinheiro, que vivem além das suas possibilidades, que se gerou uma enorme dívida pública ao contrário dos alemães, que são formigas salvadoras, e os outros as cigarras gastadoras da Europa. Quantas falsidades nos enchem a cabeça todos os dias! Chegou o momento de nos fazermos ouvir, de todas as pessoas partilharem estes pensamentos, até que os políticos e os economistas mal intencionados sejam desmascarados e a mudança desejada se realize. Chegou o momento de transformar o medo em raiva, para que a raiva se torne o combustível da mudança: “A raiva é para as pessoas como a gasolina é para os automóveis; é o combustível que nos faz mudar para um lugar melhor”. Caso contrário, não teríamos o impulso necessário para enfrentar um desafio. É a energia que nos permite reagir à injustiça disse Mahatma Gandhi. É de esperar e acreditar, que cada europeu acorde e ponha em acção a sua energia e vontade pessoais para que os valores das diversas Constituições dos Estados-Membros possam ser implementados e renovados. Os cidadãos da UE são forçados a entrar numa gaiola financeira internacional e encontram-se numa das prisões mais rígidas de toda a comunidade mundial. A UE utiliza a opressão do povo e, em primeiro lugar, a opressão da informação através da destruição dos cérebros pensantes do povo, em virtude do facto de serem donos de todos os meios de comunicação social e, por conseguinte, de terem enchido o povo europeu com a história “da dívida pública fora de controlo”, com o facto de “ter de se manter dentro de um orçamento equilibrado” e com uma sequência de disparates deste tipo. Muitos governos europeus atribuíram milhares de milhões de euros para fazer face às urgências decorrentes dos bem conhecidos acontecimentos ligados à Covid-19. Chegou-se a esses montantes mendigando do sistema europeu, e quem sabe porquê, passados alguns dias, quando a necessidade já não era apenas de uns poucos países, mas também franco-alemã, veio a comunicação da Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen anunciar que a Comissão Europeia activou, pela primeira vez, a cláusula de salvaguarda do Pacto de Estabilidade, que permitirá aos governos de cada um dos países da zona euro “injectar dinheiro no sistema enquanto for necessário” – “A Covid-19 tem um impacto dramático na economia, e muitos sectores são afectados.” A presidente da Comissão Europeia acrescentaria “O encerramento é necessário, mas atrasa gravemente a actividade económica. …faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para apoiar a economia e os cidadãos, e respeitamo-lo. Os auxílios estatais são os mais flexíveis de sempre e os vossos governos podem dar o dinheiro de que precisam a restaurantes, lojas, pequenas e médias empresas” Só? O que significa “dar o dinheiro de que precisam”? Ela não disse “empresta o dinheiro”. Mas, na verdade, todo o dinheiro que vai ser colocado no sistema será considerado dívida! Esperemos que não. Isso seria o fim! Os principais economistas e pró-europeus obrigaram-nos a viver mendigando à UE. Este é um modelo de controlo sem precedentes para a Europa. É um modelo predatório e violento que apenas serve para matar pessoas e destruir o planeta. Trata-se de um sistema criminoso. A injecção dos milhares de milhões de euros acordados é absolutamente insuficiente. São uma bagatela em comparação com o que é preciso. Considerando que a pandemia da Covid-19 irá durar alguns meses, que se poderá transformar em vírus endémico e permanecer para sempre, há que considerar que a paragem da economia irá custar pelo menos dois ou três triliões de euros à economia até Dezembro de 2020, o que significa que, se os países saírem da emergência no final de Junho, são precisos muitas centenas de milhares de milhões de euros para reparar os danos à economia que, em grande parte, parou. Mas mesmo que se encontrem os fundos necessários, mesmo que se consiga adiar o pagamento dos impostos, no final será tudo dívida, o que significa que então ter-se-á de pagar porque estão todos endividados! E a única razão pela qual estão endividados é a hipnose gerada pela ignorância e pelo medo de quem sabe que catástrofes poderiam acontecer se os pactos europeus não fossem respeitados. Um povo consciente de que a moeda é impressa e de que se trata de um assunto do Estado, não deve temer nada. Em vez disso, o sistema (predatório e criminoso) prevê que o BCE imprima papel-moeda (ou seja, imprima dinheiro do nada…), empreste esse dinheiro aos bancos privados (a juro zero…) e os bancos privados decidam arbitrariamente a quem o emprestar. Aplicando taxas, que, em comparação com zero, duplicam, triplicam, quadruplicam na melhor das hipóteses o seu rendimento. O outro aspecto a revolucionar é o sistema de crédito, pois os bancos protegem-se atrás de Basileia 1,2,3,4, e quem sabe que outras “bases de dados” ou registos, onde (cidadãos e trabalhadores honestos) são comparados com criminosos que vivem condenados por toda a vida a deixarem de ter acesso ao crédito por terem saltado ou atrasado alguma prestação de algum empréstimo ou hipoteca, ou (na sua vida empresarial) por terem tido alguns acidentes. Então, uma vez que o dinheiro é criado do nada, porque deixar este privilégio para o BCE e para o “lobby” da banca privada? Ficarem ricos à custa do povo europeu?