Sexanálise VozesFicção do sexo e do vírus Tânia dos Santos - 25 Mar 2020 [dropcap]E[/dropcap]sta é altura de fazer ficção. A alienação fictícia é bem-vinda quando a realidade é dolorosa. Inventam-se estórias da história, tal como o Tarantino fez algumas vezes. Se se vivem dias difíceis temos a imaginação para torná-los diferentes. Se há alguém a gostar destes cenários onde vivemos e não anda com dificuldade em dar-lhes sentido, das duas uma: ou é um optimista ou é um sociopata. Há quem julgue que este tempo possa ser usado na criação de grandes obras literárias, grandes projectos que nunca foram concretizados. Sobem-se expectativas de quem não percebe nada de criatividade. A criatividade artística, aquela que cria coisas bonitas e rentáveis, não é a única resposta para lidar com os dissabores da vida. Mas um pouco de parvoíce é bem-vinda. Parvoíce que faz com que uma escrita semanal sobre sexo possa contribuir para estórias virulentas fantásticas. Estórias de heróis e heroínas onde o mal é aniquilado por completo com o acto do sexo. Era uma vez a corona que conhece a outra corona para fazer filhos e passarem o testemunho de destruição. O sexo é a arma da multiplicação, até com o vírus – que não fazem mesmo sexo, mas no mundo fictício tudo é possível. Depois há o sexo entre humanos, os fluidos que se trocam proporcionam as condições ideais para esta partilha virulenta também. O sexo não é uma arma de destruição, mas podia ser. E se o esperma fosse o melhor dos desinfetantes? E se a masturbação fosse a forma mais eficaz de fortalecer o sistema imunitário e combater o mal invisível? A masturbação que nos dizem fazer crescer pêlos nas mãos ou cegar, podia ser a solução para os problemas do mundo. Uma forma de produção de bem-estar, como já estou bem farta de pregar semanalmente e agora prego neste cenário de ficção. Nesta fantasia mirabolante, o sexo, dentro de certas condições, seria a solução para a situação que vivemos. O corpo seria passível de invasão, mas estaria apetrechado de formas de luta, de criar barreiras e de tornar a vida do vírus difícil. A capacidade de nos transformarmos seria real. Teríamos uma fonte inesgotável de desinfetante – não adoram a ideia do esperma ter mais do que uma função do que fecundar óvulos? Homens andarem a ejacular por motivos de higiene não seria um cenário bonito. Seria o pesadelo para a luta do patriarcado. Nesta fantasia igualitária os corpos com vulvas podiam contribuir de forma igualmente eficaz, com os seus fluidos protectores e desinfectantes. O orgasmo também seria uma forma de protecção. O orgasmo emitiria radiações capazes de destruir as gotículas transmissoras do vírus, como um morcego com a sua capacidade ultra-sónica. Já que foi um morcego que trouxe o vírus de corona para o mundo humano, nós também contribuímos com a nossa capacidade quasi-morcega para nos desfazermos da praga que nos assola. A forma como sentimos o corpo e o mexemos também seria passível de todo o tipo de inovação. Pálpebras e membranas estariam disponíveis para tapar aquilo que não devia estar exposto. O sexo desafiaria a tendência isolacionista que este vírus nos obrigou. Só é preciso criatividade para tornar o que nos desconforta em algo menos desconfortável. Criatividade que não precisa de se transformar numa grande peça de dramaturgia como insinuam que o Shakespeare fez. Usemo-la para a re-invenção nestes tempos que nos atiram ora para a preocupação, ora para o aborrecimento.