Média | Repórteres de três jornais americanos banidos da China, Macau e Hong Kong

O Governo Central deu ordem de expulsão a correspondentes do The New York Times, Washington Post e Wall Street Journal. Os jornalistas ficam impedidos de viver e trabalhar na China, mas também em Macau e Hong Kong, apesar de as leis básicas garantirem liberdade de imprensa. Associações de jornalistas das duas regiões lamentam a decisão de Pequim e pedem clarificações aos Executivos locais que tranquilizem os jornalistas

 

[dropcap]T[/dropcap]êm duas semanas para empacotar tudo e sair. Este é, trocada por miúdos, o resultado da decisão de Pequim sobre o futuro próximo dos correspondentes na China das publicações norte-americanas, The New York (NYT) Times, Wall Street Journal e Washington Post (WAPO), que têm de devolver as credenciais de imprensa, o que equivale à sua expulsão, no prazo de duas semanas, segundo anunciou o Governo Central.

Enquanto a agenda noticiosa está inundada pela pandemia que varre o mundo, os correspondentes das três publicações não só vão ser forçados a abandonar a China, como também ficam impedidos de viver ou trabalhar em Macau e Hong Kong.

Além da medida extrema, Pequim rotulou repórteres de outras cinco publicações como funcionários de Governos estrangeiros e as publicações Voice of America, The Times, The Journal, The Post e a revista Time como agências controladas pela Casa Branca.

Importa lembrar o contexto dos últimos quatro anos, em que Donald Trump apelida a maioria dos órgãos de comunicação social, incluindo o NYT e WAPO, como inimigos do povo e disseminadores de notícias falsas contra a sua administração e pessoa.

A posição de Pequim surge como retaliação face à medida aprovada pelo Governo norte-americano em Fevereiro que declarou várias agências noticiosas estatais como agências controlados por Pequim. As publicações em questão são a Xinhua, China Global Television Network (CGTN), China Radio International e o China Daily.

A decisão implica que os profissionais das publicações chinesas se registem no Departamento de Estado dos Estados Unidos, um requisito que se aplica também a funcionários de embaixadas e representações consulares. Assim sendo, os meios citados vão ter direito, no total, a 100 vistos de trabalho, traduzindo-se na expulsão de facto de cerca de 60 jornalistas. Washington justificou a decisão com a crescente vigilância, assédio e intimidação a jornalistas norte-americanos e outros estrangeiros que trabalham na China pelas autoridades locais.

Apenas algumas horas depois do anúncio da Casa Branca, Pequim expulsou três jornalistas do Wall Street Journal, uma decisão justificada por um artigo de opinião.

Temos pena

Além de lamentar a inclusão de Macau e Hong Kong na decisão do Governo Central, a Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM) apelou ontem em comunicado “à clarificação relativamente à actividade de jornalistas e órgãos de comunicação social não locais por forma a tranquilizar os profissionais e assegurar o pleno respeito pela liberdade de imprensa.”

A associação recorda que o disposto na Lei Básica de Macau não se aplica apenas a jornalistas e órgãos locais, “mas também dos jornalistas não locais e dos órgãos de ‘empresas jornalísticas, editoriais e noticiosas sediadas no exterior’, tal como está previsto no artigo 9 da Lei de Imprensa”.

O impacto das tensões entre Estados Unidos e China no livre exercício do jornalismo é outra das preocupações manifestadas pela AIPIM, que deixa críticas às duas potências. “Lamentamos quer esta decisão anunciada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros da China face aos jornalistas norte-americanos quer as medidas anteriormente tomadas pelas autoridades dos Estados Unidos relativamente a jornalistas e órgãos de comunicação social chineses”.

O Clube dos Correspondentes Estrangeiros na China (FCCC, na sigla em inglês) revelou que, pelo menos, 13 jornalistas vão ser expulsos, distribuídos pelo The New York Times, The Wall Street Journal e The Washington Post.

Trata-se de longe da maior expulsão de jornalistas estrangeiros da China nas últimas décadas. “Não há vencedores no uso de jornalistas como peões diplomáticos pelas duas maiores potências mundiais”, apontou o FCCC. Nos últimos seis anos, a China expulsou nove jornalistas estrangeiros, segundo o FCCC.

Pingue-pongue

A decisão chinesa reflecte a crescente hostilidade entre Washington e Pequim, que inclui já uma prolongada guerra comercial e tecnológica ou disputas em torno do acesso ao Mar do Sul da China.

Em editorial, a imprensa estatal chinesa virou o bico ao prego e culpou os Estados Unidos pela decisão do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês. “O impacto da decisão dos EUA não se limitará à imprensa, mas criará efeitos gerais negativos e novas incertezas no relacionamento”, avisou o Diário do Povo, jornal oficial do Partido Comunista Chinês.

“Estas medidas são completamente necessárias e são recíprocas. A China é obrigada a responder à opressão irracional que as organizações de média chinesa sentem nos Estados Unidos. São medidas legítimas e justificadas em todos os sentidos”, pode-se ler num comunicado emitido pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.

A designada perseguição aos média chineses foi vista por Pequim como uma agressão típica da mentalidade e ideologia da Guerra Fria. O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, contestou a comparação entre as acções dos EUA e da China, apontando que os jornalistas chineses em Washington desfrutam de liberdades de imprensa que não existem na China. “Identificámo-los como trabalhando em missões estrangeiras ao abrigo da lei norte-americana. São coisas diferentes. E lamento a decisão da China de reduzir ainda mais a capacidade do mundo de obter informação livre, em tempos particularmente difíceis”, disse, numa alusão clara aos desafios trazidos pela pandemia.

Questões editoriais

O trio de publicações agora afectadas noticiaram matérias politicamente sensíveis na visão do Governo Central, incluindo sobre alguns temas que são autênticos tabus para o Partido Comunista Chinês. Um exemplo óbvio é a cobertura, e mediatismo resultante, da situação em Xinjiang, com reportagens que se afastam da mensagem oficial de que os campos onde as autoridades detêm a minoria muçulmana uigure se destinavam à reeducação e aio combate ao extremismo.

Importa também salientar que as mesmas publicações publicaram incontáveis reportagens, no mínimo, comprometedoras para os sucessivos governos norte-americanos.

No início do mês, o Clube de Correspondentes Estrangeiros na China já havia manifestado receios de que Pequim expulsasse mais jornalistas estrangeiros, depois de terem sido concedidos vistos de apenas um mês a dois repórteres. Pelo menos 12 correspondentes receberam credenciais válidas apenas por seis meses, ou menos, mais do dobro dos vistos de curta duração atribuídos no passado. Tipicamente, estes vistos são emitidos com a duração de um ano.

“As autoridades chinesas estão a usar os vistos como armas contra a imprensa estrangeira como nunca antes, no seguimento do declínio das condições para trabalhar”, referiu um jornalista, sem revelar a sua identidade, citado pelo South China Morning Post.

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