A 25.ª Conferência Internacional do Clima (I)

“Pour ce qui est de l’avenir, il ne s’agit pas de le prévoir, mais de le rendre possible.”
Antoine de Saint Exupéry, Citadelle, 1948

 

[dropcap]A[/dropcap] “24.ª Conferência Internacional do Clima (COP24)” que se realizou em Katowice, Polónia, de 2 a 14 de Dezembro de 2018, foi uma grande conquista na resposta multilateral às mudanças climáticas, tendo mais de cento e noventa países, conseguido chegar a acordo sobre quase todos os elementos de um livro de regras abrangente que coloca “carne no esqueleto” do “Acordo de Paris” de 2015.

As regras exigem, pela primeira vez, que todos os países forneçam informações detalhadas sobre as suas metas de mitigação das mudanças climáticas e relatem regularmente os seus progressos em implementá-las e alcançá-las.

Todavia, ainda falta um capítulo importante que é as regras para os mercados internacionais de carbono discutidas no artigo 6 do “Acordo de Paris”. As visões conflituantes sobre como evitar a “dupla contagem”, contando a mesma redução de emissão mais de uma vez para atingir as metas de mitigação climática, foram um grande obstáculo ao consenso. A conclusão do capítulo ausente do artigo 6 era uma das tarefas principais para os países resolverem na “25.ª Conferência Internacional do Clima (COP25)”, sob a Presidência do Chile e que se realizou em Madrid entre 2 e 15 de Dezembro de 2019.

A resolução da contagem dupla é fundamental para alcançar os objectivos do “Acordo de Paris” e estão identificados os ingredientes essenciais para que fosse atingido um resultado robusto que garantisse a eficácia ambiental e facilitasse a mitigação económica. A COP25 teve um começo difícil, quando o presidente do Chile, anunciou no final de Outubro que o seu país não podia mais sediar o evento dado as “circunstâncias difíceis”, como os violentos protestos contra o governo na capital do país. Faltando apenas um mês para o evento a Espanha interveio e concordou em realizar o evento em Madrid. O Chile manteve a presidência, com o evento renomeado como “COP25 Chile-Madrid”.

Apesar dessa mudança de local de última hora, o evento ocorreu da mesma forma que as anteriores COPs, caracterizadas por debates prolongados e sessões nocturnas nas quais os negociadores e ministros discutiam textos cheios de jargões. No início da reunião, a presidente da COP25 e secretária chilena do meio ambiente, afirmou que a conferência “devia mudar o curso das acções e ambições climáticas”. O secretário-geral da ONU, na primeira das várias intervenções, perguntou aos participantes se “realmente queriam ser lembrados como a geração que enterrou a cabeça na areia?” A COP25, tornou-se a mais longa já registada quando foi concluída, depois do almoço do dia 15 de Dezembro de 2019, após mais de duas semanas de negociações difíceis. Estava programada para terminar na no dia 13 de Dezembro de 2019 e cerca de vinte e sete mil delegados iniciaram os trabalhos com o objectivo de finalizar o “livro de regras” do “Acordo de Paris”, que é o manual operacional necessário quando entrar em vigor em 2020, que estabelece regras para os mercados de carbono e outras formas de cooperação internacional nos termos do dito Artigo 6.

Os delegados também esperavam enviar uma mensagem de intenção, sinalizando ao mundo que o processo climático da ONU permanece vivo e relevante, e que reconhece a enorme lacuna entre o progresso actual e as metas globais para limitar o aquecimento. Tal desconexão foi destacada por uma enorme marcha de protesto no coração da capital espanhola com a presença de Greta Thunberg. As negociações não conseguiram chegar a um consenso em muitas áreas, levando as decisões a serem adiadas para 2020 sob a “Regra 16” do processo climático da ONU. Os assuntos como o do Artigo 6, requisitos do relatório para transparência e “prazos comuns” para compromissos climáticos serão transpostos igualmente para 2020, quando os países aumentarem a ambição dos seus esforços.

O secretário-geral da ONU mostrou-se “decepcionado” com os resultados da COP25 e “a comunidade internacional perdeu uma importante oportunidade de mostrar uma maior ambição em mitigação, adaptação e financiamento para enfrentar a crise climática”. Ainda que nunca se esperasse que os principais emissores do mundo anunciassem promessas climáticas novas na COP25, havia a esperança de que pudessem enviar colectivamente uma forte mensagem de intenção para 2020. No entanto, as negociações rapidamente ficaram atoladas em questões técnicas, como as regras para os mecanismos de mercado de carbono, que esperam por uma conclusão há anos. Havia um sentimento crescente entre muitos participantes de uma desconexão entre esses processos lentos e impenetráveis ​​da ONU e a acção exigida por manifestantes em todo o mundo, pois segundo a Greenpeace o “novo momento” proporcionado pelo crescente movimento global do clima, ainda estava para penetrar nos “salões do poder” e nos vinte e cincos anos de realização das COP nunca houve uma tão grande diferença entre o interior e exterior das COP.

Quando Greta Thunberg, a adolescente sueca que tem sido usada por políticos e industriais e que desconhece tecnicamente o que se passa com as mudanças climáticas chegou a esses salões de poder, após uma viagem transatlântica de vela, foi instantaneamente a figura de destaque no centro do circo da média da COP25 e no final da primeira semana, a jovem sueca uniu-se a uma marcha pelo centro de Madrid que, segundo os organizadores, atraiu meio milhão de pessoas, ainda que a polícia tenha oferecido, uma estimativa muito mais modesta de quinze mil pessoas. A frase mais comum dos manifestantes e observadores foi a discrepância entre o ritmo lento das negociações e a urgência sugerida pela ciência mais recente.

O relatório de 26 de Novembro de 2019, “Meta climática 1.5.ºC” está fora do alcance do “Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA na sigla inglesa) ”  e mostra que a meta de 1,5.ºC do “Acordo de Paris” está mais longínqua de atingir, mesmo se as promessas climáticas existentes como as “Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs na sigla inglesa)” dos países forem cumpridas. As emissões em 2030 serão 38 por cento mais altas do que o necessário para atingir essa meta. Este ponto foi enfatizado por um novo relatório do “Projecto Global de Carbono (GCP na sigla inglesa) que integra o conhecimento de gases de efeito estufa para actividades humanas e o sistema da Terra.

O GCP, alguns dias depois, mostrou que as emissões de combustíveis fósseis e da indústria devem continuar a aumentar em 2019 e 2020. A aparente desconexão foi destacada ainda mais pelo idioma usado para descrever os relatórios mais recentes do “Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla inglesa)”, o primeiro dos quais teve como tema a “Terra”, publicado a 8 de Agosto de 2019 e o segundo sobre o “Oceano e a Criosfera”, publicado a 25 de Setembro de 2019. Os relatórios foram apenas “citados”, em oposição a “bem-vindos”, no texto final do “Projecto de Conclusões” proposto pelo Presidente da Cimeira, a 7 de Dezembro de 2019, embora também “expressassem a sua gratidão” aos cientistas que realizaram o trabalho  (Na cúpula da COP24 de 2018, a recusa dos Estados Unidos,  Arábia Saudita, Rússia e Kuwait em linguagem de “boas-vindas” ao relatório do IPCC 1.5.ºC foi uma fonte de tensão significativa.).

Houve iniciativas para aumentar a ambição de alguns actores não estatais na COP25, com, por exemplo, cento e setenta e sete empresas comprometeram-se a reduzir as emissões de acordo com a meta de 1,5.°C como parte da “Aliança da Ambição pelo Clima” e tal aconteceu depois de um grupo de quatrocentos e setenta e sete investidores, que controlam trinta e quatro triliões de dólares em activos, pedirem aos líderes mundiais que actualizassem os seus NDCs e aumentassem a sua ambição. Pela localização do Chile, um país com cerca de seis mil quilómetros de costa, a liderança apelidou o evento de “COP azul”, estabelecendo a sua intenção de dar atenção aos oceanos.

O relatório “Os Impactos Esperados das Mudanças Climáticas sobre a Economia Oceânica”, divulgado na primeira semana da COP25 pelo “Painel de Alto Nível para uma Economia Oceânica Sustentável”, que é um grupo único de líderes mundiais de todo o mundo empenhado em desenvolver, catalisar e apoiar soluções para a saúde e riqueza dos oceanos nas políticas, governança, tecnologia e finanças, trouxe “um forte lembrete das sérias consequências económicas das mudanças climáticas para as indústrias oceânicas. Ainda que a maior atenção da COP25 tenha sido focada nas negociações tensas e necessitasse de enviar um sinal claro aos países para aumentar a sua ambição climática, o presidente da Cimeira anunciou a 12 de Dezembro de 2019, que trinta e nove países se comprometeram a incluir os oceanos nas suas futuras NDCs.

É de considerar que um dos textos finais da decisão também solicitou a convocação de um “diálogo” na próxima reunião do processo climático da ONU em Bona, em Junho de 2020 sobre o oceano e as mudanças climáticas para considerar como fortalecimento das acções de mitigação e adaptação. Foi solicitado igualmente, um diálogo semelhante para a COP 26 que se realizará em Glasgow, de 9 a 19 de Novembro de 2020, sob a presidência do governo do Reino Unido, sobre a relação entre questões relacionadas à adaptação à “Terra” e as mudanças climáticas”, depois de o Brasil ter afastado as suas  objecções no último minuto.

O Chile, desde o início afirmou que se tratava de uma “ambição COP25”, reflectindo a lacuna significativa entre as promessas actuais e o que seria necessário para cumprir as metas globais de temperatura. A “hashtag #TimeForAction” foi estampada no centro de conferências e a presidência lançou uma “Aliança da Ambição pelo Clima ” para acelerar o progresso em direcção às metas de Paris, tendo o Secretário-Geral da ONU enfatizado no seu discurso de abertura da conferência, apelando às partes “para avançar no próximo ano”, acrescentando que “os maiores emissores do mundo precisam de fazer muito mais”. Nos termos do “Acordo de Paris”, todas as partes comprometeram-se não apenas a enviar NDCs para reduzir as emissões, mas também para comunicar ou actualizar as suas promessas até ao final de 2020.

Além disso, as NDCs sucessivas devem representar uma progressão e reflectir a ambição mais alta possível de cada país e conjuntamente com as avaliações quinquenais acerca do progresso, essas rondas regulares de novas NDCs estão no centro do mecanismo de catraca de aumento de ambição no “Acordo de Paris”, projectado para aumentar a ambição ao longo do tempo. Todavia, para a maioria das NDCs, que já cobrem o período até 2030, o texto de Paris não exige explicitamente que novos compromissos sejam apresentados no próximo ano, podendo as partes simplesmente (re) comunicar a mesma oferta que fizeram em 2015 ou 2016.

Dado que as NDCs actuais não estão perto o suficiente para limitar o aquecimento a 1,5.°C, houve esforços nas sucessivas COPs para concordar com o texto pedindo uma maior ambição de todas as partes.

Na COP24, algumas partes tentaram, mas finalmente não conseguiram inserir uma linguagem forte para aumentar a ambição, e com a COP25 sendo a cúpula final antes que termine o prazo final de 2020, foi vista por muitos como uma última oportunidade de garantir maior ambição.  É de recordar que a ambição não estava oficialmente na agenda da COP25, mas que muitos viam como essencial enviar uma mensagem clara ao mundo e na primeira semana, a presidência chilena  iniciou consultas sobre um conjunto de textos que, colectivamente, deveriam transmitir essa mensagem, e designados por “Decisão 1/CP.25”, “Decisão 1/CMA.2” e “Decisão 1/CMP.15”. Os países terão que anunciar contribuições mais ambiciosas em 2020, que é o ano em que todos se comprometeram a anunciar estratégias coesas a longo prazo para alcançar a neutralidade climática até 2050.

Actualmente, apenas oitenta países, principalmente os países pequenos e em desenvolvimento, declararam a sua intenção de melhorar as suas NDCs até 2020, representando apenas 10,5 por cento das emissões mundiais.  Todos os maiores emissores estão ausentes dessa lista e embora o Chile tenha adiado os seus planos para melhorar a sua NDC na COP25, alguns sinais promissores surgiram ao longo da conferência, principalmente o da União Europeia (UE). Os chefes de Estado e de Governo da UE, reuniram-se nos dias 12 e 13 de Dezembro de 2019, em Bruxelas e concordaram tornar o bloco “neutro em termos climáticos” até 2050. Apesar da resistência da Polónia, a Comissão Europeia revelou um ” Acordo Verde Europeu”, que, se for lei, comprometerá pelo menos 25 por cento do orçamento de longo prazo da UE à acção climática, tendo a Presidente da Comissão Europeia descrito como um momento tipo “homem na lua” da Europa.

O acordo também inclui um cronograma proposto para aumentar a meta de NDC da UE para 2030, desde o seu actual objectivo de reduzir as emissões para pelo menos 40 por cento abaixo dos níveis de 1990, até uma meta mais alta de pelo menos 50 por cento e 55 por cento. No entanto, havia uma preocupação  expressa por ONGs na COP25 de que essa promessa deve ser assinada com bastante antecedência antes da “Cimeira UE-China” em Leipzig, em Setembro de 2020, argumentando que é necessário tempo diplomático suficiente e, portanto, alavancar o uso da NDC aprimorada para convencer a China a melhorar a sua promessa climática e para manter esse cronograma, a nova meta deve passar por uma avaliação formal de impacto até o final da primavera de 2020.

As ONGs temem que não haverá tempo suficiente para na reunião de Leipzig pressionar a China a aumentar a sua oferta e com emissores importantes, como os Estados Unidos, Austrália e o Brasil, a demonstrar hostilidade em relação à acção climática internacional, depende muito da China e da UE, actuando como uma só para manter a dinâmica do “Acordo de Paris”. É de recordar que outro momento de optimismo na COP 25 ocorreu quando o parlamento dinamarquês adoptou uma nova lei climática, que estabelece uma meta juridicamente vinculativa de reduzir as emissões para 70 por cento abaixo dos níveis de 1990 até 2030. No entanto, uma falta geral de progresso nas negociações levou a tensões ferventes no centro de conferências da COP25, com o “texto da ambição” no centro da tempestade. Em parte, essa tensão reflectiu diferentes interpretações da palavra “ambição”.  Muitos países desenvolvidos e estados vulneráveis ​​encararam a “ambição” principalmente como um meio de aumentar os esforços para reduzir as emissões após 2020, de modo a fechar a lacuna no cumprimento das metas climáticas.

A Índia e países seus parceiros no “Grupo de países em desenvolvimento com pensamento alinhado (LMDCs na sigla inglesa)”, defenderam uma interpretação mais ampla que também cobria a prometida provisão de financiamento climático, bem como esforços para aumentar a adaptação e criar capacidade nos países mais pobres. Esses países pediram uma atenção particular no fracasso de muitos países desenvolvidos em cumprir as suas promessas climáticas no período pré-2020, argumentando que foi esse fracasso que deixou o mundo tão longe de cumprir o seu objectivo de evitar o aquecimento perigoso.

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