Macau/20 anos | Produção literária portuguesa sobre Macau é actualmente escassa

[dropcap]A[/dropcap] produção literária em língua portuguesa sobre Macau é actualmente escassa, apesar de este ser um “território fértil” para narrativas, afirma Hélder Beja, director da agência literária Capítulo Oriental, que quer apostar no reforço da literatura portuguesa neste mercado.
“Não há, de facto, uma grande produção literária em língua portuguesa sobre Macau, mas existe e tem momentos de interesse”, disse em entrevista à Lusa um dos fundadores do Festival Literário de Macau Rota das Letras, explicando essa reduzida produção literária com a “dimensão e características profissionais da comunidade portuguesa” residente.
O português, radicado em Macau desde 2010, considera que não foi a transferência de administração de Macau de Portugal para a China (em Dezembro de 1999) que contribuiu “para a perda de um qualquer imaginário para o qual Macau possa remeter”.
“Não me parece que haja uma fórmula ou um motivo para explicar esses ciclos”, afirmou, reportando-se a anos em que a literatura portuguesa era mais profícua em romances inspirados e ambientados em Macau, aspecto para o qual contribuíram autores como João Aguiar, Camilo Pessanha ou Maria Ondina Braga.
Actualmente à frente de uma agência literária e selo editorial que lançou em Março deste ano, Hélder Beja está apostado em reverter um pouco este cenário, e quer traduzir e publicar no mercado literário macaense alguns livros de autores portugueses, da mesma forma que está a trabalhar com autores locais para publicar novas obras.
“Editámos um livro de um autor açoriano a viver em Macau, Luís Melo, com o título ‘A Humidade dos Dias’. Conseguimos também este ano receber apoios da DGLAB [Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas] e do Instituto Camões para a tradução para chinês das obras ‘O Mal’, de Paulo José Miranda, e ‘O Segredo do Hidroavião’, de Fernando Sobral”.
Hélder Beja planeia conseguir publicar estes livros em Macau em 2020, juntamente com “Camões e Outros Contemporâneos”, de Hélder Macedo, embora a viabilização destes três livros dependa agora também “da vontade das instituições em Macau em apoiar estas iniciativas”.

Ontem, hoje e amanhã

Nos 20 anos que medeiam a fim da administração portuguesa e a administração chinesa o intercâmbio literário e de autores entre Portugal e Macau tem-se mantido, em grande parte, graças ao festival literário que Hélder Beja fundou.
“O Festival Literário de Macau foi, de longe, o que de mais importante se fez no que toca a intercâmbios literários em Macau, não só entre os países de língua portuguesa e a China, mas entre a Ásia e os países ocidentais”.
A título de exemplo recorda que os governos português e chinês fizeram já duas edições de um encontro literário e da indústria do livro entre Portugal e a China, um em cada país.
“Julgo que é uma boa iniciativa, mas pode e deve ser melhorada – e não deve ignorar Macau, como tem feito”, alerta, destacando ainda o “valioso trabalho de edição” levado a cabo em Macau por alguns agentes locais.
Hélder Beja abandonou o festival literário em 2018, ao fim de seis edições, devido “às pressões políticas que levaram ao cancelamento da presença de vários autores no festival”.
Desses anos, de “crescimento incrível apesar dos apoios limitados”, ficou a “experiência tremenda” de dirigir um festival “que comunicou sempre em chinês, português e inglês”, numa “cidade fascinante, repleta de histórias e, ao mesmo tempo, tão afastada delas”.
A partir dessa experiência, fala sobre as influências da presença portuguesa em Macau na literatura que perduram até hoje, e chama a atenção para o facto de “uma boa franja da actual comunidade portuguesa em Macau não olhar apenas para esse legado e essa presença dos portugueses em Macau, mas também para a cidade de hoje e de amanhã”, interessando-se por uma literatura que pense a população actual e o que a rodeia.
“Não se trata de desprezar a história ou o passado, que me são muito caros, mas de não ter grande paciência para mais um conto de caravelas e aventureiros de época”, afirma.
No entanto, reconhece que os sinais da cultura portuguesa não se alteraram nestes anos e “a história, a cultura, a gastronomia, a arquitectura, a língua, estes elementos, continuam presentes e não são menos considerados hoje do que há dez anos”, quando se mudou para Macau.
“Há uma parte cristalizada da comunidade portuguesa que, no seu atavismo, persistirá por muito e muito tempo. E há outra, mais dinâmica, desempoeirada e efervescente que está a aprender a encontrar o seu espaço, já não com um enfoque tão fechado na chamada ‘portugalidade’, mas integrando-se numa mole de gente que fala diferentes idiomas, circula entre culturas e aceita a diferença”.

Subscrever
Notifique-me de
guest
0 Comentários
Mais Antigo
Mais Recente Mais Votado
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários