Bernardo Mendia, presidente da Câmara de Comércio Portugal-Hong Kong: “O mercado de HK tem muitas vantagens”

Criada há pouco mais de um mês, a Câmara de Comércio Portugal-Hong Kong pretende dinamizar ainda mais as relações comerciais entre os dois territórios, que já comportam números significativos. Bernardo Mendia assume querer sensibilizar os empresários de ambas as partes para as oportunidades de negócio e deseja que os protestos em Hong Kong terminem “rapidamente”, uma vez que dão uma “má imagem” ao território

 

Porquê a criação de uma câmara de comércio entre Portugal e Hong Kong nesta fase?

[dropcap]C[/dropcap]uriosamente a iniciativa partiu do Hong Kong Trade Development Council (HKTDC) que teve esta iniciativa no âmbito das inúmeras feiras que lá se realizam. Eles têm esta política de incentivar negócios entre as comunidades que estejam fora do território, mas que tenham ligações a Hong Kong, e fazem esse incentivo através da criação do que eles chamam de business associations. Tenho imenso interesse e uma grande relação com Hong Kong, onde vivi e tenho negócios, e fiquei muito interessado quando falaram connosco. Depois reunimos um grupo de pessoas que pudessem ter interesse, dar força e visibilidade a uma entidade deste tipo e acabamos por decidir que o mais apropriado seria criar uma câmara de comércio e não este conceito de business association, porque as câmaras de comércio têm mais força. Aderimos à Federação das Câmaras de Comércio de Hong Kong e à rede das câmaras de comércio portuguesas, que são duas ferramentas de networking muito importantes, e arrancámos há um mês. Ainda somos um bebé, mas posso garantir que temos um grupo de gente com qualidade e credibilidade. Tivemos muito apoio de toda a gente, incluindo do Consulado-geral de Portugal em Macau e Hong Kong. Esta parte institucional é bastante importante, principalmente para os asiáticos. Também contamos com o apoio da AICEP, que é também muito importante para nós e para eles do lado de lá fazerem negócios cá. Temos ainda um vice-presidente que é residente em Hong Kong, o Gonçalo Frey-Ramos, uma pessoa que em Hong Kong tem dinamizado mais a comunidade portuguesa.

Que projectos a curto prazo pretendem desenvolver? Quais as necessidades mais prementes para as empresas?

Gostava sobretudo que nos vissem assim e que nos passassem a contactar quase que automaticamente, isto no caso das empresas de Hong Kong que investem cá. Já existem algumas, mas são veículos de investimento. Do lado português o que se verifica não é tanto investimento, mas sim empresas que querem exportar, há a participação em feiras. Acontece aí um casamento muito bom entre aquilo que são os objectivos do próprio HKTDC, pois este organismo pretende atrair pessoas para as feiras que são feitas lá e querem dinamizar o comércio. Nós temos um comércio bastante significativo a nível europeu, ao nível das trocas comerciais entre Portugal e Hong Kong falamos de mais de 500 milhões de dólares norte-americanos, em 2018, o que é bastante significativo. Somos dos países que tem maiores trocas comerciais com Hong Kong a nível europeu.

Em termos de acções concretas, o que está na calha?

O que pretendemos é que os empresários estejam mais sensibilizados para as oportunidades tanto de um lado como do outro. Este é um mercado aberto que está sempre à procura de investidores qualificados e também queremos que os empresários portugueses tenham maior apetência pelo mercado de Hong Kong, que tem muitas vantagens.

Significa isso que os empresários não têm tido apetência suficiente?

Qualquer empresário português, quando pensa em exportar, pensa em Espanha. E depois vai andando devagarinho. Os custos são menores e isso importa quando se está a pensar avançar. Nem todas as empresas têm escala e dimensão para ir para mercados tão longínquos, e aí a aposta é mais complicada. É muito importante sensibilizar os portugueses para que percebam que Hong Kong é um território acessível em termos de investimento e é um mercado que tem um poder de consumo muito grande. Do ponto de vista logístico é tudo muito concentrado, os custos não são tão grandes como às vezes se possa pensar. Há uma série de vantagens do mercado que importa que se saibam. Temos Macau ali ao lado, um cônsul-geral e um honorário também em Hong Kong, o empresário Ambrose So, que dá sempre todo o apoio a toda a gente. A AICEP também está presente.

O que é que o mercado de Hong Kong pode oferecer que o de Macau não oferece?

Escala. É o principal factor, porque Macau é muito pequeno. Macau tem, no entanto, uma vantagem, que é o facto de os produtos já lá estarem. Parte dos produtores portugueses que exportam já estão em Macau, o que é uma vantagem, mas os bens estão ali para um pequeno mercado.

Quais são as principais áreas de actividade das empresas que estão sediadas em Hong Kong?

Não tenho esse levantamento. Conheço algumas empresas que são aquelas que todos conhecemos, mas já pedimos ao HKTDC esses dados. Sabemos que a Hovione está lá, a Sogrape, a Somel, ou seja, empresas de áreas muito distintas.

Quando as empresas portuguesas vão para Macau querem sobretudo chegar ao mercado chinês. Quando vão para Hong Kong, há também esse desejo de ligação com a China ou querem penetrar apenas no mercado de Hong Kong que já tem bastante dimensão?

Também querem ir para o mercado chinês. Claro que Hong Kong pode ser mais facilmente um mercado final, mas todos eles querem entrar no mercado chinês. Entrar por Hong Kong tem vantagens, a nível legal, de arbitragem, a nível fiscal também. Mas aí é equiparável a Macau.

Carrie Lam, Chefe do Executivo de Hong Kong, anunciou recentemente que pode vir a estabelecer um acordo de comércio com o Reino Unido no âmbito do Brexit. Qual o efeito que poderá surgir para as empresas portuguesas?

Tudo o que sejam acordos de livre comércio de eliminação de barreiras beneficia os empresários do mundo inteiro. Quantos mais acordos de livre comércio e de regulação da dupla tributação tudo isso beneficia os empresários, as pessoas e a economia.

Está receoso do efeito do Brexit no sector empresarial português?

Esses movimentos são o oposto do que falávamos em termos de abertura. Quanto mais integração melhor, cada um pode, e deve manter as suas especificidades, mas quanto maior a integração económica e fiscal melhor para nós, porque menos impostos são absorvidos pelo Estado e mais livre fica a economia.

Hong Kong tem enfrentado vários protestos desde o Verão e a onda de violência é cada vez maior. Até que ponto é que esta situação pode afastar as empresas estrangeiras do território?

Infelizmente estes protestos estão sobretudo a trazer uma imagem muito negativa para Hong Kong. Ainda há pouco tempo vi um relatório sobre o número de abertura de empresas que revelava que mais empresas se estavam a estabelecer em Hong Kong. É óbvio que do ponto de vista económico estes protestos vão prejudicar Hong Kong. Quanto mais tempo se prolongarem mais vão prejudicar, portanto a única coisa que desejamos como câmara de comércio é que estes protestos terminem rapidamente.

Tem receio que o vosso projecto da câmara de comércio sofra com estes acontecimentos?

Esperamos estar cá durante muitos e muitos anos, e na história de todos os países são coisas que acontecem, são cíclicas. A situação prejudica momentaneamente, porque estou convencido que vai prejudicar o comércio de Hong Kong e sobretudo as pessoas que lá vivem. Indirectamente, prejudica todas as pessoas que têm o plano de lá fazerem negócios.

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