Centro POAO | Comerciantes chineses dizem-se insatisfeitos com espaço

Localizado a poucos quilómetros de Lisboa, o Centro POAO foi pensado para ser um novo hub de negócios para comerciantes chineses, mas a verdade é que a maior parte das lojas permanecem vazias. Muitos dos que investiram dizem-se insatisfeitos com a baixa rentabilidade do negócio. Choi Hin Man, sócio da empresa detentora do Centro, encara a situação como normal e assegura que há novos projectos em vista, apesar da queixa de um cliente apresentada às autoridades da cidade de Yiwu, em Zhejiang

 
[dropcap]C[/dropcap]ontam-se pelos dedos das mãos o número das lojas de comércio por grosso e a retalho que mantêm as portas abertas no Centro POAO, na zona do Porto Alto, a cerca de meia hora de Lisboa. O espaço desenvolvido pela POAO II – Investimentos Imobiliários, empresa que está a ser investigada em Portugal por uma alegada burla contra investidores chineses, mais parece uma cidade fantasma.
O HM visitou o local num dia de semana e era visível a falta de clientes e de movimento. A maior parte das lojas está vazia e os poucos comerciantes que ali trabalham mostram-se insatisfeitos com a fraca rentabilidade que as lojas estão a ter.
É o caso de Lucas Lei, natural da província de Zhejiang, que há vários anos escolheu Portugal como sítio para viver. “Não estou satisfeito, isto está muito fraco, há poucas pessoas. O negócio faz-se muito no Porto e em Lisboa, se este lugar fosse mais longe (de Lisboa) era diferente”, contou ao HM.
Questionado sobre se tem conhecimento de outros projectos que possam vir a abrir portas no centro POAO, Lucas Lei assume: “não há clientes, como vão abrir mais lojas?”. “Isto nem sequer encheu, mas antes havia 30 ou 40 lojas que já fecharam. Isto está cada vez pior”, assegura.
Uns metros mais à frente, Ting Ting tem um discurso semelhante. Sentada ao balcão e sem clientes, a empresária, que abriu a loja com o marido, referiu que esperava que os negócios tomassem outro rumo. Se Lucas Lei arrenda o espaço, Ting Ting decidiu comprar o imóvel em 2017 juntamente com o marido.
“No Martim Moniz há mais pessoal e mais clientes. É raro virem para aqui e vão mais ao Martim Moniz, onde já há um centro. Há clientes que me dizem que escusam de gastar gasóleo para vir para aqui.”
Apesar disso, Ting Ting mantém-se firme em continuar o seu negócio no centro POAO. “Há poucas lojas e não há, por exemplo, roupa de criança ou pijamas, mas por enquanto vamos continuar por aqui, se não é pior. Espero que a situação melhore, também não gosto de mudanças.”
O Centro POAO foi notícia em Portugal por estar, alegadamente, envolvido num caso de burla na venda de uns terrenos a empresários chineses, relacionado com um processo de vistos gold. Estes dizem terem assinado contratos para a compra de lojas quando, na verdade, adquiriram armazéns, um tipo de imóvel em que não tinham qualquer interesse. Uma das entidades que também está sob investigação é o escritório de advogados Rui Cunha, Glória Ribeiro e Associados, de que é sócio Rui Cunha, advogado radicado em Macau e fundador do escritório C&C Lawyers. Este assegurou nada ter a ver com o assunto e que o escritório em causa apenas deu “apoio jurídico” em todo o processo. Ao HM, o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa garantiu que o caso continua a ser investigado e que os autos estão em segredo de justiça.

Processo obscuro

Ting Ting, também oriundo da província de Zhejiang, assegura que nunca ouviu falar do processo que envolve a POAO II. “Não têm entrado mais comerciantes para aqui, talvez haja um problema com os donos, mas nada mais do que isso”, assegura. Também Lucas Lei diz nunca ter ouvido falar do processo, pois alugou a loja a outra pessoa. “Não conheço o senhor Choi. Aqui somos todos conhecidos e eu resolvi alugar a loja.”
O comerciante adiantou ainda que nada sabe sobre contratos celebrados no âmbito da política dos vistos gold. “Quem tem vistos gold está na China, no máximo fica cá uma semana. Mas não me interessam esses casos, eu pago a renda e vou-me embora.” Para o empresário, comprar o espaço está fora de questão. “Comprar? Isto aqui não vale nada”, defende.
António Chi Fang Yu, que tem uma loja logo à entrada do centro POAO, assegura que “não tem muitos lucros”. “Só há aqui nove lojas abertas, não há muitas pessoas que venham para cá.” Num outro espaço é Chiara Chen que conversa com o HM, por ter mais facilidades em falar português.
No seu caso, conhece o empresário Choi Man Hin, mas garante nunca ter tido problemas, apesar da incerteza do futuro.
“Aqui há pouca gente, mas vamos ver se conseguimos ter mais oportunidades, pois temos produtos diferentes. Já tínhamos uma loja na zona (do Martim Moniz) mas decidimos mudar para aqui. Não temos nada a apontar, há segurança e foi tudo construído a partir de 2010, mas não temos a certeza se vamos cá ficar.”
Também Chiara Chen garante “nunca ter ouvido falar de nada” no que diz respeito ao alegado processo de burla.
Nuno Grilo, director de uma agência imobiliária que ali funciona mediante contrato de arrendamento assinado em Junho do ano passado, diz apenas ter tido conhecimento do processo através dos meios de comunicação social.
“O assunto apanhou-me de surpresa”, disse ao HM. “Havia aqui uma farmácia e um café ao lado que fecharam entretanto, mas não sei porquê. Não temos qualquer relacionamento nem vínculo com a POAO que nos permitam opinar.” No entanto, o cenário de lojas vazias pouco ou nada mudou desde que a agência imobiliária abriu portas. “Desde 2018 que tem estado tal e qual como está.”
O responsável assegura que a escolha do centro POAO recaiu no facto de este estar próximo de uma estrada nacional, a poucos quilómetros da capital lisboeta. “Somos uma rede imobiliária e instalámo-nos neste espaço um pouco na projecção do que viria a ser o mercado imobiliário na zona, tendo em conta a proximidade do futuro aeroporto. Nunca tivemos negócios de mediação imobiliária com estes espaços.

Ideias para o futuro

Contactado pelo HM, Choi Man Hin encara como normal o facto do centro POAO estar, na sua maioria, vazio. “A decisão de sair do centro é determinada pelo comerciante, de acordo com suas próprias necessidades e modelo de negócios. Numa plataforma comercial, a entrada e saída ou rotação de comerciantes é perfeitamente normal.”
O responsável aponta ainda que “existem muitos factores determinantes para os comerciantes entrarem, permanecerem ou saírem duma plataforma comercial. Estes pretendem instalar-se num local de maior popularidade para vender o mais possível. A decisão de aí se manterem ou mudarem ocorre de acordo com seus próprios custos operacionais (rentabilidade), sendo na verdade essa a lei do mercado.”
O empresário, que é também presidente da comissão executiva do grupo Estoril-Sol, assegura que o encerramento de duas lojas no centro POAO se deveu a mudanças na estratégia por parte dos próprios comerciantes.
“Dois dos comerciantes que deixaram o centro POAO passaram a depender principalmente de pedidos feitos online. As lojas físicas deixaram de ser em muitas situações um elemento essencial nalguns negócios, bastando um espaço mais barato, um bom software/uma boa aplicação para gerir os pedidos e a logística das entregas, todos temos essa consciência.”
Na visão do empresário, o arrendamento é uma opção natural para muitos comerciantes chineses. “A maioria dos empresários chineses desenvolvem a sua actividade através de pequenas empresas que constituem o seu meio de subsistência. São micro ou pequenas empresas que operam com capacidade limitada. Arrendar é simplesmente a opção mais realista e flexível para eles.”
“Portugal está cheio de exemplos dessa natureza, os pequenos comerciantes costumam optar por arrendar lojas em vez de comprá-las, para manter um fluxo de caixa mais forte. Para a POAO, vender ou rentabilizar o seu património são soluções totalmente compatíveis e igualmente importantes”, acrescentou.
Questionado sobre as estratégias de desenvolvimento do centro POAO para os próximos tempos, Choi Man Hin revelou que há ainda dossiers a serem negociados.
Ainda assim, está a ser desenvolvido um software de gestão de pedidos e logística de entregas”, sendo que a POAO II – Investimentos Imobiliários “está a trabalhar com uma empresa para encontrar uma solução adequada”.
Está também a ser pensada a construção de um “centro de exibição de produtos de qualidade”. “Tínhamos chegado a um acordo preliminar com (a cidade de) Yiwu sobre este projecto, mas infelizmente, a queixa infundada apresentada pelo cliente Cao Yu, ao Governo municipal de Yiwu, provocou a suspensão do projecto, que aguarda agora o seu prosseguimento”, rematou.
Choi Man Hin afirmou publicamente que o Centro POAO foi pensado como uma alternativa à zona do Martim Moniz, por esta já estar sobrecarregada em termos de espaços de negócio. No Norte existe outra zona importante de armazéns e lojas de comércio por grosso e a retalho destinada a comerciantes chineses em Varziela, concelho de Vila do Conde. Estas zonas são as principais fornecedoras de produtos destinados às várias lojas espalhadas por todo o país.

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