VozesPor que razão empresas e famílias precisam da China Hoje Macau - 28 Fev 201928 Fev 2019 Por Wei Shang-Jin, Professor de Economia e Finanças na Universidade de Columbia [dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] China beneficiará de uma normalização das suas relações comerciais com os Estados Unidos, mas é importante perceber que o mesmo também é válido para os EUA. Quando a gigante americana de tecnologia, Apple, reduziu recentemente a sua previsão de vendas, o CEO Tim Cook apontou o declínio das vendas na China – onde a guerra comercial do Presidente Donald Trump está a exacerbar os efeitos de uma desaceleração da economia – como sendo um importante factor de contribuição. A diminuição do desempenho da Apple destaca a importância do mercado chinês nos resultados de muitas empresas dos EUA – e revela os riscos que o proteccionismo de Trump representa para a economia americana. A verdade é que a Apple vende substancialmente mais iPhones e iPads aos chineses do que as estatísticas de exportação dos EUA sugerem. Da mesma forma, a General Motors vende mais carros na China do que o que está registado nos dados de exportação dos EUA – mais, na verdade, do que nos Estados Unidos e no Canadá juntos. E isso acontece porque essas empresas, como muitas outras, operam na China e vendem directamente aos consumidores chineses. Há muito menos empresas chinesas a vender directamente nos EUA. Como as empresas americanas aumentaram as suas operações na China ao longo do tempo, as estatísticas do comércio bilateral apenas refletem parcialmente a importância do mercado chinês para a economia dos EUA. De 2000 a 2018, as exportações dos EUA para a China dispararam530% –muito mais do que o crescimento cumulativo de 130% das exportações dos EUA para o mundo em geral. Isto foi um resultado directo da considerável e unilateral liberalização comercial que a China exerceu após ingressar na Organização Mundial do Comércio em 2001, inclusive reduzindo a sua taxa aduaneira aplicada de 30% antes da adesão à OMC, para menos de 6% actualmente. Além disso, aproximadamente metade das importações na China estão sujeitas a tarifas zero se a produção for para o mercado mundial. O rápido crescimento do PIB da China impulsionou as importações, mas esse crescimento também foi facilitado pela liberalização do comércio e outras reformas pró-mercado. Nenhum país desmantelou mais barreiras ao comércio ou levou a cabo mais reformas pró-mercado do que a China nas últimas quatro décadas. As reformas orientadas para o mercado, da China, desencadearam uma onda de empreendedorismo e possibilitaram que as empresas do sector privado – tanto nacionais como estrangeiras – prosperassem e, em muitos casos, alcançassem um crescimento mais rápido do que as empresas estatais. Isto contrasta fortemente com a narrativa promovida por alguns, de que a China ignorou em grande parte ou evitou os compromissos que assumiu quando se juntou à OMC. Se isso fosse verdade, a China simplesmente não teria conseguido crescer mais rapidamente do que 95% dos países do mundo, desde 2001. Alguns argumentam que, mesmo que as empresas americanas tenham lucrado com o seu acesso ao mercado chinês, o comércio entre os Estados Unidos e a China prejudica os trabalhadores americanos cujos empregos estão expostos à concorrência de baixos salários dos trabalhadores chineses. Mas a disponibilidade de produtos importados baratos provenientes da China reduz os preços não apenas para os consumidores dos EUA, especialmente famílias de baixo e médio rendimento, mas também para as empresas dos EUA, apoiando a criação de empregos. Quase 40% das importações dos EUA provenientes da China são peças e componentes, e produtos intermédios. A redução de custos que essas importações proporcionam às empresas dos EUA ajudam a alavancar a sua competitividade, permitindo-lhes contratar mais trabalhadores. Segundo a minha investigação realizada com colegas, este efeito de cadeia de fornecimento cria mais empregos do que aqueles que a concorrência directa da China elimina. Enquanto os empregos que se perdem estão concentrados num subconjunto dos sectores de produção, os empregos que se ganham com o comércio com a China estão espalhados por toda a economia, incluindo muitos sectores de serviços modernos. Graças a este efeito de criação de empregos, o comércio dos EUA com a China beneficia 75% dos trabalhadores americanos, mesmo antes de contabilizar o efeito positivo no seu poder de compra e antes de qualquer transferência de rendimentos de vencedores para perdedores. No entanto, muita gente nos EUA continua a concentrar-se unicamente no papel potencial do comércio aberto na fomentação das perdas de emprego. Quando uma empresa dos EUA demite trabalhadores, o comércio com a China é frequentemente responsabilizado. Mas quando uma empresa americana contrata mais trabalhadores, raramente se ouve falar dos produtos chineses mais baratos que tornaram isso possível. Algumas pessoas nos EUA estão a pedir uma dissociação entre as economias dos EUA e da China. Se isso acontecer, as empresas americanas que usam produtos chineses perderiam competitividade em relação às congéneres europeias e japonesas, os trabalhadores que empregam poderiam perder os seus empregos e os padrões de vida das famílias americanas de baixo e médio rendimento sofreriam com a subida dos preços de muitos artigos. Nada disto significa que a China não deveria estar a fazer mudanças. Deveria trabalhar no sentido de reduzir ainda mais as barreiras comerciais, reduzir os subsídios às empresas estatais, aliviar as restrições às empresas estrangeiras que operam no país e fortalecer os direitos de propriedade intelectual. Mas para que o comércio bilateral seja mais justo e mais eficiente, os EUA também precisam de fazer algumas mudanças. Por exemplo, deveriam reduzir as tarifas elevadas (geralmente na faixa dos 20%) nos têxteis e vestuário, uma categoria importante das exportações chinesas. E deveriam reformar o seu regime antidumping (fundindo-o com o regime antitrust), e mudar regras injustas que, ao imputarem os custos de produção de outros países de custos mais elevados à produção chinesa, colocam os exportadores chineses em desvantagem artificial. Tanto os EUA como a China ganham com a normalização das relações comerciais bilaterais. Embora as reformas políticas sejam difíceis em qualquer lugar, devido a pressões políticas e interesses particulares, uma estratégia recíproca e equilibrada pode ser a chave para o progresso sustentável em ambos os países. A questão é se os líderes terão a coragem e a sabedoria necessárias para colocarem as relações novamente no caminho certo. © Project Syndicate