Portugal-China, 40 anos | Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa criada um ano antes do reatamento

Sensivelmente um ano antes do reatamento das relações diplomáticas entre Portugal e a China, nasceu a Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa. Foi o resultado de um grupo de amigos que buscavam fomentar o intercâmbio económico e/ou comercial com um gigante então adormecido

 

[dropcap]C[/dropcap]orria o ano de 1978 quando um “grupo de amigos” se junta para criar a Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa (CCILC), antecipando-se ao almejado reatamento das relações diplomáticas entre Pequim e Lisboa, efectivado em 8 de Fevereiro de 1979.

“A CCILC foi, de facto, antecessora. Entidade privada, constituída por empresas que na altura tinham ou queria ter uma relação com a China, acaba por ser criada por pessoas e/ou empresas que achavam que Macau podia desempenhar um papel muito importante no restabelecimento de relações diplomáticas, dado que à época era o elo”, contextualizou o presidente da CCILC, João Marques da Cruz, em entrevista ao HM. A época também é propícia. Se por um lado, em Portugal vive-se o pós-25 de Abril, por outro, os anos 1970 marcam a aproximação do Ocidente à China, de que é paradigmática a visita, em 1972, do Presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon.

Na génese da CCILC estiveram empresas de renome, como a Amorim & Irmão, a Sogrape, mas a maior representatividade veio sempre do sector financeiro, ou seja, dos bancos. “Nos anos 1970, eram dois os tipos que olhavam para a China: o primeiro de empresas com interesse ou que já tinham uma relação com Macau, como bancos e empresas ligadas a bens essenciais e infra-estruturas básicas, como telecomunicações; enquanto o segundo era composto por empresas que exportavam para a China ou tinham essa ambição”, explicou Marques da Cruz.

Já em sentido contrário o interesse era na altura exclusivamente através de empresas de Macau, como as ligadas à Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM), do magnata Stanley Ho, de que é exemplo a Estoril-Sol, que faz parte da CCILC “praticamente desde sempre”. “De facto, na altura, atrevo-me a dizer que não havia nenhuma empresa chinesa voltada para o mundo. A ponte era exclusivamente Macau, pelo que o interesse era de quem estava em Macau. A economia da China era, à época, inferior à de Hong Kong, pelo que era minúscula e em termos de investimento internacional era inexistente”, aponta o economista.

Grandes diferenças

Ao longo das quatro décadas que volveram, Marques da Cruz sinaliza “três grandes diferenças”. A dimensão económica surge no topo: “Nos anos 1970, a China representava praticamente nada em termos de Produto Interno Bruto [PIB] mundial e, agora, está a recuperar o papel que teve nos séculos XVIII e XIX”. O segundo grande aspecto prende-se com a direcção do fluxo de investimento: “Se, no início, o pouco que existia era de Portugal para a China hoje verifica-se o contrário”. Já o terceiro ponto tem que ver com o próprio nível de desenvolvimento da economia chinesa, que hoje é a segunda maior do mundo e está em vias de se tornar na primeira, pelo que constitui “um actor absolutamente essencial”.

Para Marques da Cruz, também administrador da EDP, existem três reptos nas relações económicas entre Pequim e Lisboa: Esbater o “muito significativo” défice da balança comercial constitui o primeiro. “O sector que mais cresce na China é o do consumo e Portugal tem muitos produtos, tanto na área alimentar, como na fileira da moda (do vestuário e do calçado), conseguindo penetrar no segmento médio/alto em vários mercados. Basta pensar que se estivermos a falar da classe média na China, na ordem de 15 a 20 por cento, estamos a falar de 260 milhões de pessoas. As exportações portuguesas têm um enorme caminho a percorrer”, aponta Marques da Cruz.

O segundo aspecto diz respeito ao investimento chinês, com o presidente da CCILC a defender que Portugal deve continuar “muito aberto”, especialmente ao investimento produtivo. “Não estou a falar na compra de empresas que já existem, mas em novos projectos, permitindo-se que haja empresas chinesas que se instalem em Portugal para servir o mercado da Europa”, afirmou, colocando a tónica “no sector dos bens transaccionáveis”, isto é, em “produtos feitos em Portugal por empresas de capitais chineses que não sejam somente para consumo interno, mas de exportação para a Europa”. Para Marques da Cruz, existem áreas com potencial como a nova economia, a biotecnologia ou a medicina, em que “há interesse de empresas chinesas em investir”.

O terceiro grande desafio passa pela parceria entre empresas portuguesas e chinesas para investimento em países terceiros, considera o presidente da CCILC, entidade que conta actualmente com 350 sócios.

 

Guerra comercial EUA/China pode prejudicar Portugal

O economista João Marques da Cruz defende que a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China pode prejudicar Portugal, contrariando a opinião de que a Europa poderia sair beneficiada, ao ser vista como alternativa. “Em qualquer guerra comercial entre duas grandes potências, as vítimas são as pequenas economias abertas que terão mais dificuldades em exportar, pelo que Portugal será um dos perdedores, porque vai haver uma redução do comércio internacional”, afirmou, em entrevista ao HM. Para o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa (CCILC), foi o que demonstrou a história dos anos 1930: “Os anos 1930 foram a década mais negra do século XX, trouxeram regimes fechados e uma das causas foi a crise económica, que foi tão global que a resposta passou pelo fechar de fronteiras e pelo proteccionismo”. “Se há a dinâmica de fechar, tudo se fecha, logo países como Portugal serão prejudicados”, apontou.

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