Diários de Próspero h | Artes, Letras e IdeiasDos glúteos: recomendações António Cabrita - 31 Mai 2018 [dropcapstyle=’circle’] S [/dropcap] ou de uma geração que ainda não tinha descoberto os glúteos. E que ainda não lia nos dicionários: Os glúteos formam a parte mais apreciada pelos homens. Não me lembro de Ginsberg a gabar os glúteos, embora tenha belos poemas de elogio ao caralho, ao qual também podemos classificar como artefacto, se o entendermos como um objecto desenvolvido a partir de uma produção mecânica e para uma finalidade específica. Posto o repetitivo e maquinal adestramento das mãos convocado pelo membro masculino podemos encostá-lo à ordem dos objectos de mais uso, ainda que uma vez por outra seja o plinto para um modo relacional. Cada palavra nova tem o seu Bartolomeu Dias, aquele que a descobriu e potenciou e socializou, ao proferir: Que belos glúteos! Em Moçambique há um herói para o primeiro tiro, aquele que inaugurou os actos de guerrilha da Frelimo. Quem será o cowboy que enrolou primeiro a língua nos dentes, para soltar a sentença: Àqueles glúteos, mordia-os todos! Se soubesse quem era oferecia-lhe um cd dos Penicos de Prata. O que é certo é que foi, com certeza, contraindo os glúteos (ou relaxando-os?) que António Costa confidenciou aos militantes: «Estamos onde sempre estivemos e estaremos exactamente onde estamos!». Melhor e mais substancial era difícil porque ao vazio da ideia acrescentou-se o glúteo. Tomada pelo glúteo foi igualmente Ana Catarina Mendes, que alçada sobre os seus três empinados músculos, arrancou aplausos da plateia com o inaudito: «vamos ganhar as próximas eleições legislativas porque António Costa merece continuar a ser primeiro-ministro e porque os portugueses merecem António Costa!». Bem, o vácuo a pedal nos glúteos talvez dê uma câmara-de-ar! Está garantida uma bicicleta para cada português na campanha! Sempre adorei gente com imaginação. Faz-me lembrar quando me contratam por causa das minhas supostas qualidades e depois afinal só querem o pior de mim, só me restando observar: está bem visto! Está bem visto que com tanta imaginação o Costa terá a merecida maioria absoluta, porque o povo mais não pede que um pedestal para pousar o glúteo! Há glúteos do catatau. Infelizmente não conheço todos. Só há uma condição em que os glúteos são inservis: em estátua. Contava-me o meu amigo João de Deus (onde foi ele buscar aquela ideia que depositou no livro A Paixão Segundo João de Deus, de que «o ouro é o minete da alma!»?) que uma filha do Imperador Augusto se entregava toda a noite ao desfrute das vergas em pedra das estátuas do templo de Minerva. Membros inapelavelmente erectos – que pensam vocês! – onde os seres carenciados podem ter a sua jangada. Já os glúteos de uma estátua não favorecem manobras similares. É uma pena, visto que politicamente têm outro potencial. Eu já decidi, depois de me finar terei um gesto politicamente correcto e doarei os meus glúteos à ciência. Esperem, passou agora por mim um glúteo que me fez sonhar. Tenho de ir aos lavabos. A sarapitola, vocês conhecem? 29/05/18 Dia cinco, na próxima terça, no Bar Irreal, em Lisboa terá lugar o lançamento do primeiro volume da minha obra poética, Oitenta Flechas para Atrair a Cotovia 1, que reúne dois glúteos, perdão, dois livros empinados: Harpo Marx na Jaula dos Leões, de 2013, e Os Testamentos Apátridas e Outros Cordéis sem Alma, de 2017. Este último livro foi um livro feliz que escrito de um jacto, como só é autorizado fazermos depois de trinta anos de rodagem, e poucas alterações conheceu, para além da habitual dança dos adjectivos. É dele o poema que aqui deixo, Talvez um gonzo: Na específica área da gandulagem/ progredi pouco além do que seja próprio a um zingarelho./ Não consegui ser firme a aceitar que o mal/ é o látego do ar./ O desnorte deste pífio desempenho não é só meu./ Na Idade Média, os monges compuseram os Cantos/ Gregorianos acreditando ser a música cantada por anjos/ e santos, no Céu./ Algo se perdeu no caminho,/ talvez um gonzo.// Desconfio que à consciência de que herdamos o mundo/ como o oco de um lugar mudo/ que a palavra escava ou preenche com pão d’água/ se segue que confundimos esta acção com o silêncio, /erro tão grotesco/ como julgarmos que é a espuma/ da escuna o que faz mover a quilha.// Estamos desde que nascemos a sós/ com as nossas inconfessáveis inabilidades/ e a tal ponto assustados que amiúde dizemos amo-te/ quando se abriu no dique a fissura./ Algo se perdeu no caminho,/ talvez um gonzo.