O comemorativo Jornal Único

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] ideia de editar um número único de um jornal, para comemorar o IV Centenário do Descobrimento do Caminho Marítimo para a Índia, surgira referida na reunião da comissão do dia 2 de Fevereiro de 1898. Estabeleceram-se diferentes subcomissões, sendo uma encarregada da direcção e publicação de um jornal comemorativo composta pelos senhores, António Joaquim Bastos, Conselheiro Artur Tamagnini da Mota Barbosa, Dr. José Gomes da Silva, Dr. Horácio Poiares, Capitão Eduardo Cirilo Lourenço, Pedro Nolasco da Silva, João Pereira Vasco e contando ainda com dois vultos da literatura portuguesa: Camilo Pessanha e Wenceslau de Moraes. Este último já não é professor do Liceu, apesar de ainda manter o cargo de imediato da Capitania de Macau, do qual será exonerado dezoito dias depois, em Junho, aspirando por incertezas de ir exercer funções de Cônsul em Kobe, no Japão.

Pretende-se que esse Jornal Único seja publicado a 20 de Maio de 1898. A faltar vinte dias, o Echo Macaense de 1 de Maio refere que essa subcomissão “propôs que se eliminasse esse projectado jornal, por não terem aparecido até hoje artigos, a não ser um do Sr. Wenceslau Moraes e também porque as fotografias que o Sr. Carlos Cabral tirou de diversas localidades, para o mesmo jornal, custarão muito caro para serem zincografadas. Quinze dias depois, o mesmo jornal dá a notícia, “ao contrário do que resolvera anteriormente, a subcomissão encarregada desse jornal está trabalhando activamente para o dar à luz, ilustrado com fotografias, por serem estas menos custosas. Segundo nos consta, sairão apenas 50 exemplares no dia 20 do corrente e nos dias seguintes os restantes, à proporção que se for fazendo a tiragem das fotografias; consta-nos mais que cada exemplar virá a custar $2,5”. O Echo de 21 de Maio anuncia, “Espera-se que será posto à venda hoje, ou amanhã. Contará artigos, poesias, a viagem [de dez meses e onze dias] de Vasco da Gama [escrita por João Pereira Vasco para ser traduzida] em chinês, umas 10 fotografias das principais vistas de Macau, com as respectivas descrições, e, segundo se diz, um artigo em patois Macaense. Já O Independente do dia seguinte comenta, “O número único do jornal comemorativo, por deploráveis circunstâncias de força maior, não pôde sair nestes dias. Só estará pronto talvez amanhã”.

Razão para o atraso

Continuando n’ O Independente de 22 de Maio, “Colaboram neste jornal (Único) os srs. conselheiro Galhardo, Bispo de Macau, D. Ana Caldas, conselheiro Tamaguini Barbosa, A. C. Abreu Nunes, comendador António J. Basto, Dr. Camilo Pessanha [com o poema ‘San Gabriel’ escrito a 7 de Maio], António Talone da Costa e Silva, Dr. Horácio Poiares, Wenceslau de Moraes, Dr. José Gomes da Silva, Tenente do estado maior Eduardo Marques, Eduardo C. Lourenço, Mário B. de Lima, Pedro Nolasco da Silva, Abeillard Gomes da Silva, Domingos do Amaral, alferes J. L. Marques e João Pereira Vasco. As fotografias que ornamentam este jornal são: vistas da Praia Grande, do Leal Senado, do Farol da Guia, do Porto Interior, Pagode da Barra, Portas do Cerco, Sé, Gruta de Camões, Avenida Vasco da Gama e uma fotografia do projecto da sua estátua. Todas estas fotografias, que são as melhores que aqui temos visto, foram tiradas pelo distinto amador, Sr. Carlos Cabral.

A capa, que é um primor, foi desenhada pelo Sr. Rodrigues Belo, imediato da canhoneira Liberal e a impressão do jornal feita sobre aguarelas. A composição e impressão são feitas nas tipografias dos srs. Secundino de Noronha e Ca. e N. F. Fernandes e Filhos. Dissemos, no nosso suplemento de terça-feira, que os prelos de Macau nunca produziram uma obra tão perfeita como deverá ser este número único, e de facto assim é, o que muito honra os srs. Noronha e Fernandes. Este número único deve ter umas cinquenta e quatro páginas”.

A 4 de Junho de 1898, o jornal O Porvir, de Hong Kong, afirma que correm boatos de que o Jornal Único foi publicado depois da data prevista por vários artigos terem sido excluídos. Entre estes, um de Camilo Pessanha “em que este distintíssimo advogado estigmatiza o facto, ocorrido, não se sabe onde, de ter um advogado, depois de conseguir uma separação, recebido como honorário a honra da sua patrocinada”. Artigos de Horácio Poiares, Tamagnini Barbosa e João Vasco também teriam sido cortados, ainda segundo aquele periódico, como refere Daniel Pires.

O Independente de 5 de Junho diz ser o Jornal Único um volume de 54 páginas com 11 fotografias de Carlos Cabral impresso nas tipografias dos srs. Fernandes e Noronha. “A qualidade da impressão feita na tipografia de N. T. Fernandes e Filhos e Noronha e C.a, graças à competência de Secundino de Noronha e Jorge Fernandes, é notória”. As folhas apresentam aguarelas com o característico chinês. A capa, um desenho devidamente aguarelado feito pelo Sr. 1.º Tenente da armada António Rodrigues Belo, é litografada e impressa, bem como a ante-capa, digna de especial menção, pelos srs. Fernandes e Noronha.

O preço do jornal será de $5, que é o seu preço de custo, mas só a 15 de Junho é que poderá ser posto à venda.

Três dias antes dessa data, O Independente a 12 de Junho aponta a demora na distribuição unicamente devido à negligência do fotógrafo, pois não tem dado prontas as vistas fotográficas. [De referir que cada exemplar era ilustrado com 11 fotografias, por serem estas menos custosas que se fossem zincografadas, tendo saído jornais com diferentes fotografias]. Diz ainda que os pedidos devem ser dirigidos ao Sr. João Albino Ribeiro Cabral, tesoureiro geral e a distribuição pelos colaboradores e membros da grande comissão foi já feita ontem. Aparece o Jornal Único completo a 11 de Junho de 1898.

Da Guerra Hispano Americana ao fim da Peste

Tal como O Independente, também o hebdomadário O Provir refere a guerra presentemente travada entre a Espanha e a América, “duelo tremendo, provocado por esta última, e que maiores simpatias atrai para a Hespanha, intrigada, provocada e afrontada por uma nação que se diz liberal, e que, à sombra da árvore da liberdade, procura espoliar a outra do que é seu, sem cuidar que com isso pode perturbar a paz universal, tão necessária para as conquistas do progresso e da civilização”.

A Guerra Hispano-Americana ocorre de 25 de Abril a 12 de Agosto de 1898 e é devida à intervenção norte-americana nas guerras de independência, que sobretudo Cuba e as Filipinas travam com Espanha. Nas Filipinas, os espanhóis viriam a ser derrotados a 12 de Junho de 1898, tornando-se estas ilhas do Pacífico independentes, mas logo de seguida anexadas pelos americanos, que vieram para ajudar os nativos e assim estes continuaram na sua luta pela independência.

Perdida a guerra em todas as frentes, a 12 de Agosto de 1898 teve a Espanha que ceder aos EUA as Filipinas, Porto Rico e Guam, tornando-se Cuba independente, mas sobre supervisão americana. Esta guerra custou à Hespanha para acima de dois mil milhões de pesetas, 39 barcos de guerra e um grande prejuízo no comércio colonial.

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