Padres, álcool e aquilo

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]a minha família paterna, oriunda de uma aldeia da região de Coimbra, a influência dos padres sempre se fez sentir. Aliás, entre os meus inúmeros primos contam-se um arcebispo de Braga e o actual pároco da Sé de Lisboa. As missas por alma dos mortos são quase diárias e, nas festas de anos dos mais velhos, os padres são presença imprescindível.

Naquelas aldeias, hoje quase despovoadas, a capelas só são abertas no Verão, para responder ao afluxo de gente que, ida de Lisboa, vai passar férias à terra. Ora, numa destas ocasiões, uma prima minha assistiu à seguinte situação:

A capela estava cheia. Só mulheres. O padre começou o serviço. Passado pouco, uma fiel interrompeu-o:

— Ó Senhor Padre, quando é que nos mostra aquilo?

Ao que este lhe respondeu:

— Calma. Isso é depois.

Mas pouco havia progredido na sua função já outra voz se fazia ouvir do meio da assistência:

— Ó Senhor Padre, quando é que nos mostra aquilo?

A minha prima achava-se, naturalmente, intrigada. Finda a missa, porém, o mistério dissipou-se, ante a sua incredulidade. Com a maior desfaçatez, o padre pegou numa mala, pousou-a sobre o altar e começou a retirar do seu interior uma grande variedade de cosméticos, destinados a serem vendidos ali mesmo.

Acumulava as funções de sacerdote com as de revendedor da Avon e não achava qualquer inconveniência em realizá-las a ambas no mesmo local.

É um lugar-comum dizer que a realidade, por vezes, ultrapassa a ficção, e claro que isso depende da ficção de que se fala, mas dar-vos-ei três exemplos de histórias verídicas dignas de figurarem nos anais do neo-realismo ou do realismo mágico latino-americano.

A primeira passa-se numa taberna da linda cidade de Tomar, onde vivi um pouco mais de um ano:

Certo dia, pela hora do lanche, entrei na referida tasca, situada, se a memória não me engana, perto da sinagoga, e pedi uma cerveja, um queijo seco e um pão. Só depois comecei a observar a paisagem circundante. Era um verdadeiro repositório de pó, teias de aranha e serradura para encapotar a sujidade do chão. Ora, o proprietário, ante o meu espanto, achou por bem esclarecer, cheio de orgulho:

— É bonito, não é? Tenho este sítio há trinta anos e nunca foi limpo!

Limitei-me a responder-lhe que, afinal, me ia ficar pela cerveja. Embora não seja dado a grandes esquisitices, o queijo e o pão tinham, subitamente, perdido o seu encanto.

A segunda história passa-se num bar de beira de estrada (aquilo a que os espanhóis, desempoeiradamente, chamam um puticlub), situado próximo de Palmela, onde fui levado por um amigo em cuja quinta de Azeitão me achava a passar férias.

Encontrava-me sentado, bebendo o meu whisky e apreciando o panorama, quando a minha atenção se achou presa pela sucessão de pinturas parietais que pretendiam embelezar as paredes da sala. As primeiras, como convinha a um estabelecimento daquele género, representavam mulheres nuas, em poses convidativas. Muito bem. O problema surgia mais adiante, quando estas davam lugar a um pai e um filho caminhando, de mão dada, rumo ao sol, e, até, a um Cristo crucificado.

Espantado, dirigi-me a um dos empregados de balcão e indaguei:

— Ó chefe, sabe explicar-me o porquê destas pinturas…?

Ao que ele retorquiu, visivelmente incomodado:

— Não me diga nada! O pintor, a meio do trabalho, converteu-se aos Jeovás e fez este lindo serviço!

Este episódio passou-se com o meu amigo T.: andava no Instituto Superior Técnico e tinha um colega que, aos dezoito ou dezanove anos, nunca tinha bebido álcool — nunca, sequer, o tinha provado (era aquilo a que os irlandeses chamam “um pioneiro”). Ora, numa festa académica, os colegas lá o convenceram a beber umas quantas cervejas. O rapaz sentiu-se mal e veio para a rua sentar-se num murete e vomitar. Acontece que, estando ele nesses preparos, por mero acaso (evidentemente), faltou a luz naquele quarteirão.

Os colegas foram dar com ele lamentando o seu destino:

— Meu Deus, o que é que eu fui fazer? Fiquei cego…

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