PolíticaO saudosista João Luz - 27 Nov 201727 Nov 2017 [dropcap style≠’circle’]B[/dropcap]ons velhos tempos que não retornam, quando éramos grandes, uma imensa vastidão de superioridade patriótica construída com a inferiorização dos outros. Violência e pilhagem como contexto da nobreza que, num amplexo, quis abarcar o mundo inteiro. Tudo desmoronou com a revolução dos encardidos, a mestiçagem que estendeu a mão para mais uma migalha e encontrou a libertação pela via de uma G3. Frúnculos humanos que teimaram escapar à honrosa morte por coisa nenhuma, quando as suas carnes deveriam ser calcadas na lama por lagartas de tanques. Cambada de inúteis que recusaram o privilégio de se tornarem heróicos fósseis da derradeira luta pela sobrevivência da grande fortaleza lusa. Personifico a nostalgia do tempo em que a mulher estava no seu lugar, transferida da propriedade do pai para o património do marido, tempos em que não existiam negros fora da servidão ou lésbicas e pederastas a conspurcar a harmonia cristã e familiar desta pia sociedade de assassinos. Que saudades dos idos tempos em que se prendiam vermelhos pelo crime lesa-pátria da leitura proibida, criminosos que ousavam pensar fora da norma. Eu sou o domínio, sou a polícia, o juiz, o cárcere, o padre e o presidente. Sou lenda dos meus antepassados, herdeiro legítimo do tesouro das Índias, a nostalgia de algo que nunca existiu. Do Império só resta a minha Carminho, dócil e pura como a virgem, o fidalgo amparo dos desejos e tesões que preenchem os requisitos do Art.º 5 do Código do Processo Carnal. Um esteio de castidade neste mundo de Jezebéis, esses cometas de incandescentes lantejoulas a brilhar ao sol vespertino, esses astros que marxisticamente brilham para todos nós. Sou a bolsante aristocracia que despeja bílis depois garfadas impostas de igualdade, pluralidade e diversidade empurradas goelas abaixo. Os dias de hoje são de opressão à minha classe, habituado a ser pilão e almofariz que faz farinha dos ossos dos pobres. Mãe, Maria, Eva, eu te suplico. Acolhe-me de volta ao teu ventre, extensão máxima da minha saudade, minha nação biológica, destino e origem de mim. Desde que me pariste que tens uma dívida eterna para comigo. Poluíste-me à nascença com um inimigo invisível com quem luto todos os dias, este sangue inquinado por séculos de ocupação norte-africana que faz ressoar dentro de mim o chamamento do minarete. O mundo rural transmite-me a nostalgia de uma época em que a vida era mais simples, quando todos sabiam o ser lugar. Adoro o campo, só tenho pena de estar cheio de camponeses, todos gregários e a conspirar cooperativas e esperanças associativas. Dói-me a barriga, preciso de mil blitzkriegs em sais de frutos para conseguir digerir esta pançada de colectivismo. Quero terraplanar Grândola, Baleizão, Barreiro e Marinha Grande e erigir a Nova Nova Lisboa, levar ao pelourinho as Catarinas, Maias, Delgados, Cunhais e todos os rubros encardidos. Admito que as minhas pernas tremem de excitação perante o leve aroma do poder absoluto exercido por homens fortes, viris, como Estaline, o grande exterminador de socialistas. Por vezes tenho acessos de fraqueza que nunca ouso confessar, impulsos comunitários que vão além da absolvição comprada por voluntariado, ou dos jantares do clube de golfe. Sonho com as gargalhadas desbragadas pela falta de chá, as paixões que movem mundos para além da união de patrimónios de facto. Fantasio com um prato de bifanas e uma imperial servida por um bruto. Desejo que a minha mãe me tivesse amado, abraçado, tratado como uma criança. Quero que uma lésbica negra sindicalista me rode um charro na Festa do Avante. Uma nova pele para mim, um espaço fora do Império de sombras em que o meu ego se abriga. Quero um T2 na Cova da Piedade e um passe intermodal Fertagus/Transtejo, quero comer caracóis numa esplanada da Costa da Caparica e chamar-me Cajó. Perdoa-me, Santo Salazar pelo amor à Nossa Senhora da Agonia, livrai-me destes devaneios paridos pelo grande satã esquerdista. Olho em meu redor e tudo é comunismo, por mais muros que caiam e bolchevismos que se dissolvam. Não interessa, a Goldman Sachs é uma extensão judia do politburo do Partido Comunista Chinês, que se lixe. Como o facho ardente do Império que alumiava a treva socialista se apagou, tudo o que resta são afiadas foices e omnipresentes martelos. Estou inoculado contra a história, desprezo a pobreza em todo esplendor da minha fé cristã e sou imune à ironia de viver numa região da República Popular da China enquanto sonho com um velho Estado Novo.