Ivo Vital: “Macau é um bom sítio para começar carreira”

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] macaense e está de regresso à terra. Ivo Vital é aluno finalista do curso de Tradução de Chinês-Português e participa no programa de desenvolvimento de tradução automática do Instituto Politécnico de Macau enquanto estagiário.

Saiu de Macau aos nove anos, depois do ensino primário. As recordações de infância são muitas. Lembra-se de ser bilingue e de “falar quase tão bem português, como cantonês”. A razão, aponta, era o estar muitas vezes ao cuidado da avó materna que só sabia falar chinês. Os pais trabalhavam no Centro Hospitalar Conde de São Januário. Se, para a maioria, uma instituição de saúde é um lugar a evitar, para Ivo Vital equivalia ao recreio. “Era para lá que ia muitas vezes brincar com a minha irmã, fazíamos fisioterapia e íamos para a piscina de reabilitação”, recorda. “Tínhamos uma vida pacata, tínhamos muita liberdade e até ia de autocarro para a escola”, ilustra.

A saída de Macau não foi feita de ânimo leve e o agora regressado à terra não esconde a zanga que o acompanhou na juventude. “Cresci sempre com alguma raiva dentro de mim. Foi uma decisão dos meus pais e claro que foi para o meu bem e o da minha irmã. Mas, na altura, não compreendi isso”, explica o estudante.

A adaptação a Portugal não foi fácil e as diferenças que registou, e que associa ao facto de ainda ser criança, foram sentidas com intensidade. “Em Macau não me interessava, por exemplo, por marcas de roupa, em Portugal toda a gente ligava àquilo e eu não entendia. Outra coisa que me fez impressão foi o facto de se dizerem muitas asneiras, coisa a que não estava habituado.”

Os mil ofícios

No horizonte profissional tem agora a carreira de tradução, mas os projectos foram mudando ao longo do tempo. Desde pequeno que queria seguir carreira na Marinha, “queria ser oficial”.

A ideia de miúdo, recorda, começou pelo fascínio que sentia quando via imagens antigas, de militares do séc. XVIII. “Na altura gostava de ver aqueles retratos com os oficiais fardados, gostava do azul que vestiam e queria ser como eles”, diz.

Fez os testes para seguir o sonho de infância e passou com sucesso. Ingressou na Academia Militar, mas mal entrou percebeu que aquele não era o seu lugar. “Vi logo que aquilo não era para mim”, diz, sem hesitação, ao recordar o cerca de mês e meio que lá esteve. “Uma pessoa que acha que as praxes da universidade são violentas é porque não faz ideia do que acontece ali.” A desilusão foi inevitável. Aliado às tormentas do “recrutamento” estava todo um ambiente, sublinha, “marcado pelo racismo”. Acabou por desistir e entrar no curso de Protecção Civil.

Ao finalista de tradução nunca faltaram objectivos ou ocupações. Ivo Vital fez carreira no atletismo profissional. “Apareceu por acaso. Sabia que era rápido, mas nunca pensei que pudesse ter algum futuro ou que viesse a ser uma actividade especial.” Começou a treinar, foi progredindo e acabou por chegar ao Benfica e integrar a selecção nacional. Depois vieram as lesões e os condicionamentos.

Foi também no Benfica que passou por umas das experiências que, considera, mais o enriqueceram. “Havia um atleta invisual que precisava de um guia, acabei por ser eu”, conta. A situação pareceu-lhe duplamente benéfica: ajudava alguém e viajava.

Aliar estudos e trabalho com desporto parece nunca ter sido problema. Apesar de não se considerar um exemplo de organização, conseguiu conciliar as duas horas diárias de treino que tinha seis dias por semana. “Ocupava bastante tempo e, às vezes, só queremos descansar mas, de certa forma, era na prática desportiva que sentia que descansava: como tinha trabalhos focados mais no esforço intelectual, os treinos acabavam por representar uma espécie de relaxamento para a cabeça.”

Está agora em Macau para ficar. “As oportunidades parecem muitas com a necessidade de tradutores. Macau é um bom sítio para começar uma carreira, tem bons ordenados, tenho aqui família, dá para viajar nas redondezas”, remata.

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