Porque é que o 1º Imperador da China foi o Nero da poesia?

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]  primeiro livro que o Imperador Qin, o Primeiro Imperador, queimou foi 《诗经》, O Livro dos Cânticos. E porquê? Não terá sido pelas as suas abundantes e explícitas referências sexuais que retratavam os nossos antepassados e os seus lamentos e padecimentos nos arrozais.

O Livro dos Cânticos, também conhecido como, Clássico de Poesia, é a mais antiga colectânea de poesia chinesa, incluindo 305 obras datadas de um período compreendido entre os séculos XXI e VII AC. Pensa-se que muitas destas líricas foram escritas por mulheres, ou pelos menos, por alguém que assumia um ponto de vista feminino. Inicialmente o clássico continha 3000 cânticos. Confúcio, que organizou a compilação oficial, eliminou 90% do material e seleccionou apenas cerca de 300 cânticos que viriam a ser estudados e memorizados por estudiosos chineses e de outros países vizinhos, durante mais de dois milénios. Estes “300” ficaram na versão aprovada, porque segundo Confúcio eram os que melhor serviam o Ritual Confuciano e as boas maneiras.

Comparados com os antigos egípcios, gregos ou romanos, que relevavam os comércios e as intrigas dos deuses, os heróis e as suas batalhas, os poetas chineses que escreveram o Livro dos Cânticos sentiam menos curiosidade pelos seres superiores e ignoravam-nos completamente. Os chineses preferiam cantar os lamentos das pessoas vulgares, as queixas do seu dia a dia e as injustiças que sofriam.

Será que esta diferença se pode explicar de alguma forma? Talvez porque as antigas sociedades grega e romana eram sobretudo constituídas por cidades-estado e os seus cidadãos e aristocratas procurassem o entretenimento; histórias de heróis de coração bondoso e de deuses intrometidos e de espíritos malvados (Egipto) que os empurravam de guerra em guerra.

Os chineses por seu lado não parecem ter encontrado encanto nenhum na guerra. Em vez disso, os poetas anónimos, na sua maioria mulheres, preferiam cantar a vida (e as suas agruras) e perseguir a esperança. Podemos facilmente imaginar que a vida ao longo das margens do Rio Amarelo era dura e desagradável e obrigava os chineses a ter uma mentalidade terra a terra, sem ilusões e prática.       

O Imperador Qin não conseguiu tolerar esta abertura e esta franqueza. O Imperador era muito sensível às críticas depois de ter unificado a China debaixo do “mesmo tecto” e tomou consciência do poder corrosivo dos cânticos que, embora aparentemente inocentes, falavam da vida do dia a dia do seu império “acabado de estrear”. Mas o Imperador Qin esqueceu-se que os cânticos são teimosos. Mesmo depois de ter queimado todas as cópias, as mães continuaram a cantá-los aos filhos e às filhas e estes seguiram-lhes o exemplo.

O Livro dos Cânticos chegou aos nossos dias apesar dos métodos agressivos de um soberano autoritário que viveu há mais de 2.000 anos.

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