Justiça | Ho Chio Meng quer saber por que o acusam de associação criminosa

Ao terceiro dia de julgamento, o antigo responsável pelo Ministério Público de Macau foi confrontado com o arrendamento de salas e a relação com os proprietários de fracções usadas pelo gabinete do procurador. Ho Chio Meng continua a dizer que não cometeu qualquer crime. E alega estar cansado

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] ex-procurador da RAEM pediu ontem em tribunal provas da sua suposta ligação às empresas que funcionariam em fracções arrendadas pelo Ministério Público (MP) e que alegadamente fazem parte da associação criminosa que é acusado de chefiar.

No terceiro dia do julgamento no Tribunal de Última Instância (TUI), questionado sobre se sabia que fracções arrendadas pelo MP no 16.º andar do edifício Hotline – onde também funciona o gabinete do procurador –, estavam a ser usadas por essas empresas, Ho Chio Meng declarou que até ficou “muito surpreendido” e garantiu que “não existe burla alguma”.

Ho Chio Meng afirmou que pensava que o MP tinha arrendado todo o 16.º andar, pois havia um “contrato global”, e que só agora, no âmbito do processo, percebeu que isso não era assim no caso da fracção R, que a acusação refere que seria usada pelo gabinete do procurador para trabalhos de microfilmagem e que associa aos endereços registados dos telefones dessas empresas.

“O MP não arrendou esse espaço [e] há outro facto: em cerca de dez anos eu nunca fui àquela sala. Eu também não sabia para que servia”, afirmou.

Quando questionado como poderia não saber, dado que esteve em salas contíguas, pediu a planta do piso, que disse estar desactualizada porque existia uma separação física que não constava da imagem exibida em tribunal.

O MP diz haver imagens de pessoas próximas do procurador, como o motorista, o irmão e o cunhado, no local.

Quanto à sua relação com um dos proprietários de fracções do 16.º andar, Ho Chio Meng referiu que não era “nada de especial”.

Saunas e desconhecidos

O nome do proprietário em questão surge em listas de convidados para momentos familiares de Ho Chio Meng, incluindo o do 90.º aniversário do seu pai, que o antigo procurador alegou nunca ter visto, perguntando quem a elaborou.

Além disso, foram mostradas imagens – de Agosto de 2015, altura em que já não era procurador – em que surge a sair de uma sauna, de madrugada, acompanhado por esse homem e Mak Im Tai, responsável, segundo a acusação, por criar as referidas empresas de fachada para ganhar adjudicações.

O presidente do TUI, Sam Hou Fai, não escondeu a estranheza por Ho Chio Meng estar acompanhado às duas da madrugada por uma pessoa que afirmara não conhecer bem.

Discutidas foram também as mais de 1300 adjudicações do MP, entre 2006 e 2014, às referidas empresas, a maior parte das quais assinadas pelo antigo procurador.

Ho Chio Meng reiterou que nunca, directa ou indirectamente, deu instruções para essas adjudicações, até por existir um procedimento habitual – que prevê diversas etapas até chegar ao procurador –, comparando a máquina burocrática a “um veículo com mudanças automáticas”.

Na audiência de ontem falou-se ainda de despesas, como bilhetes de avião e alojamento, suportadas pelo erário público, em proveito de pessoas que não pertenciam ao MP, incluindo mulheres, tendo o juiz Sam Hou Fai indagado sobre uma eventual relação íntima com alguma, algo que o antigo procurador negou.

Ho Chio Meng responde por mais de 1500 crimes, incluindo burla, abuso de poder, branqueamento de capitais e promoção ou fundação de associação criminosa, em autoria ou co-autoria com outros nove arguidos (que serão julgados num processo conexo).

O julgamento prossegue amanhã e, ontem, só decorreu da parte da manhã, depois de o antigo procurador ter afirmado estar “cansado” e que o seu estado de saúde “não está bom”.

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