Manchete SociedadeEscarlatina | Doença de regresso. Macau já atingiu maior número de casos em cinco anos Joana Freitas - 28 Jul 2016 Desde 2010 que Macau não via tantos casos de escarlatina. Durante os últimos seis meses atingiu mais situações de contágio pela doença do que todos os registados nos últimos anos. O regresso da doença, erradicada anteriormente, não é explicável mas o território não é o único nesta situação [dropcap style=’circle’]S[/dropcap]ó este ano, Macau já contabilizou quase 300 casos de escarlatina, uma doença respiratória que atacou em força no século XIX e foi erradicada, mas que regressou recentemente. O HM sabe que a doença atacou diversas escolas – nomeadamente jardins infantis e primárias -, incluindo o Jardim de Infância D. José Costa Nunes. Os dados estão disponíveis no site dos Serviços de Saúde (SS): em 2015, o número de casos de escarlatina chegou aos 268, tendo atacado especialmente crianças do sexo masculino. Este ano, o número de infecções pela mesma doença foi superior a todo o ano de 2015, ascendendo aos 285. A informação, analisada pelo HM na secção de doenças de declaração obrigatória aos SS, mostra ainda que este ano foi o período em que se deu o maior número de casos de escarlatina desde há cinco anos. Se, em 2010, a situação de infecções foi de uma dezena, tendo subido exponencialmente em 2011, quando se registaram 130 casos, a infecção tem vindo a atacar de forma gradualmente crescente: em 2014 atingiu os 142 casos, passando para 268 em 2015 e 285 no primeiro semestre deste ano. Perspectivas O HM tentou perceber junto dos Serviços de Saúde (SS) o motivo que levou ao regresso da doença e que medidas teriam planeadas para evitar que esta se continue a propagar. O organismo não respondeu ao nosso jornal – que esperou três dias pelos dados -, mas emitiu um comunicado geral para todos os média, depois de o caso ter sido levantado pelo HM e sem que nunca se tivesse alertado a população durante seis meses (ver “Carta aos Serviços de Saúde”). No comunicado, os SS titulam que o número de casos de escarlatina “tem vindo a cair”. O organismo, contudo, não faz uma comparação anual para emitir esta conclusão. “Entre os meses de Março e Abril deste ano os SS registaram um aumento do número de casos de escarlatina detectados em Macau, quando comparados com os números registados o ano transacto, contudo nos últimos dias tem sido registada uma diminuição no número de casos”, começa por indicar o documento. “Os casos registados em Março e Abril sofreram um aumento significativo. Nos primeiros seis meses do ano [os casos] ultrapassaram [os registados] em todo o ano passado. No entanto, durante o mês de Maio foi evidenciada uma queda gradual e os números verificados em Junho e Julho deste ano são semelhantes ao registado no período homólogo do ano anterior.” Os SS não indicam exactamente o que consideram como “semelhantes”. É que os dados mostram 53 casos só em Junho – mais 32 do que no mesmo mês do ano passado. Julho não foi possível ao HM comparar, uma vez que os dados ainda não estão no site do organismo. Já em 2015, no sétimo mês do ano, registaram-se 14 casos. Este ano, o mês de Março foi o que contaminou mais gente, tendo havido 74 casos. Seguiu-se o mês passado e Abril, com 49 casos. O que é? A escarlatina é uma doença respiratória aguda, que afecta sobretudo crianças. Causada pelo “estreptococo beta hemolítico do grupo A”, é transmissível através de contacto com as secreções orais ou respiratórias ou salpicos de saliva de pacientes infectados, como informam os SS. O período de incubação é de um a três dias e “uma vez infectado, o paciente fica em estado de elevado contágio, quer antes, quer depois da manifestação da doença”. As pessoas podem contrair escarlatina em qualquer período do ano e a epidemia desta doença chega ao seu pico geralmente na Primavera e no Inverno. Os principais sintomas são febre, dor de garganta, “língua com aspecto semelhante a um morango e prurido”. As erupções aparecem frequentemente no pescoço, tórax, axilas, fossas cubitais, virilha e coxas. As erupções cutâneas típicas da escarlatina não aparecem no rosto e a pele da região afectada geralmente torna-se muito áspera. Após o desaparecimento das erupções cutâneas, a pele manifesta descamação. Pequeninos Ao que o HM apurou, foram as crianças do grupo etário dos 0 aos cinco anos que mais sofreram com a doença, com algumas das declarações a incidir sobre as crianças com idades entre os seis e os oito anos. Dados do sistema de sentinela dos SS, também disponíveis no site, indicam que – na semana de 3 a 26 de Junho – quase 300 escolas declararam a existência de doenças transmissíveis nas suas instituições, envolvendo mais de cem mil alunos. Os números não especificam que casos são de escarlatina, mas o HM sabe, por exemplo, que o Jardim-de-Infância D. José da Costa Nunes teve dois casos, “um em Junho, outro em Julho”, como confirmou ao HM Vera Gonçalves, directora da instituição. Já a Escola Portuguesa “não registou” qualquer caso, como indicou a direcção. Em Macau, segundo o organismo, não foram registados casos graves ou de morte. A escarlatina não tem vacinas, sendo que o tratamento é feito com a administração de antibióticos. “Sem tratamento adequado esta doença pode [fazer o paciente] sofrer de complicações, como otite média, febre reumática, doença renal, pneumonia, linfadenite, artrite” e outras, alertam os SS. O organismo compromete-se a “continuar a prestar estreita atenção à situação epidemiológica”, apelando ainda aos pais, instituições de ensino e creches para a necessidade de estarem alerta. Como prevenir: – Lavar frequentemente as mãos – Cobrir a boca e o nariz quando espirrar ou tossir, de preferência com um lenço e deitá-lo no lixo depois de usado – Não partilhar toalhas – Utilizar luvas ao manusear objectos contaminados – Praticar desporto, descansar o suficiente, ter uma alimentação equilibrada, evitar fumar e deslocar-se a lugares públicos densamente frequentados – Evitar contactos próximos com doentes – No caso de sofrer sintomas usar máscara e recorrer de imediato ao médico; – Os doentes devem permanecer no domicílio e suspender o serviço ou a ida à escola – Manter a limpeza e a secura do ambiente e garantir uma boa ventilação de ar – Limpar e desinfectar os brinquedos utilizados, mobiliário, pavimento e locais com os quais as mãos têm contacto frequente Casos declarados de escarlatina 2010: 16 2011: 130 2012: 76 2013: 80 2014: 142 2015: 268 2016 (Janeiro a Junho): 285 Veio para ficar? O caso de Macau não é único e, recentemente, nas regiões vizinhas foi também relatado um aumento do número de casos de escarlatina. A razão, segundo os Serviços de Saúde, não é conhecida, “acreditando-se que o mesmo aconteça devido a flutuações cíclicas”. Uma reportagem da BBC deste ano dá a mesma informação. A doença, praticamente erradicada no século passado, tem originado surtos no Reino Unido e na Ásia, estando nos “níveis mais altos de sempre”. “Durante os últimos cinco anos, houve mais de cinco mil casos em Hong Kong, algo que representa dez vezes o número médio de casos registados anteriormente. E foram mais de cem mil casos na China”, revelou o professor Mark Walker, do Centro de Doenças Infecciosas da Austrália e autor de um estudo publicado na Scientific Reports em Novembro do ano passado, citado pela BBC. A razão do regresso da doença é desconhecida. Diversos artigos na imprensa internacional indicam que poderá existir a hipótese da doença ter voltado mais forte face aos antibióticos. Peritos indicam ainda a existência de ciclos, como mencionam os SS, de quatro em quatro anos. Carta aos SS O artigo que hoje apresentamos poderia ter sido publicado na terça-feira desta semana. Não o foi, porque como manda o Código Deontológico e a ética de qualquer jornalista que se preze, há que esperar e dar a hipótese de contraditório ou explicação formal a quem nele estiver mencionado. Foi o que fez o Hoje Macau, que na segunda-feira de tarde enviou um pedido de informação aos Serviços de Saúde pedindo a confirmação do aumento dos casos de escarlatina, a razão para que uma doença erradicada esteja de volta e também as medidas que o Governo tem para evitar que os casos continuem a subir. Na terça-feira à noite, o Governo decidiu emitir um comunicado geral, para todos os média, sem sequer ter a hombridade de dar uma resposta a este jornal. A justificação dos SS para o facto de terem decidido emitir um comunicado para todos os meios de comunicação social e não responder ao HM poderá ser que, neste caso de saúde pública, não pode haver exclusividade para apenas um jornalista. A questão então é porque é que o caso não era de saúde pública até ter sido levantado pelo Hoje Macau? Por que é que só se tornou tão urgente avisar toda a população quando o HM colocou a questão? Não estamos contra o envio de um comunicado no geral, de alerta, após a notícia ter sido dada. Mas questionamos, então, qual a razão que levou os SS a não emitir qualquer alerta durante os SEIS MESES em que os casos aumentaram? Esquecimento? Conveniência? Foi preciso um jornal mexer no assunto para que o caso fosse dado a conhecer? Com todo o respeito pelos porta-vozes do organismo, especialmente pelos que tentam que casos como estes não aconteçam, lamentamos que quem de direito não se tenha dignado a responder directamente a um jornalista que utilizou os canais certos para fazer questões directamente. Lamentamos que nem sequer tenha avisado que um comunicado iria ser enviado para todos às 22h45 (horas depois do fecho da edição) e depois do HM ter informado estar à espera de uma resposta para poder lançar o artigo. Lamentamos terem decidido desrespeitar o nosso trabalho de investigação. A questão não é, sequer, se o tema tem um valor elevado ou não (que tem, neste caso, como os próprios SS admitem). O que está em causa aqui é o valor, esse sim, que mais uma vez os SS não dão ao trabalho de um jornalista: esta não é a primeira vez que isto acontece e, apesar de todas as queixas e de já ter recuperado desta situação durante um certo período, o organismo volta a andar para trás. O trabalho de um jornalista baseia-se, sobretudo, em exclusivos. Ora, se uma questão feita EXCLUSIVAMENTE a um organismo do Governo é dada a conhecer, com as devidas respostas, a todos os jornalistas, o valor de notícia perde-se. Bem como a forma como essa notícia é dada. E como sabemos que o pedido de desculpas vai chegar com a certeza de que situações como esta VÃO acontecer de novo, deixamos uma solução que nos parece mais prática: os artigos do HM passam a não incluir o contraditório dos SS no mesmo dia em que o artigo sai publicado. Pode ser que assim se evitem casos – que não são únicos – de notícias que são dadas pelos SS como se tivessem partido do organismo por vontade própria.