MancheteNatália Gromicho: “Sempre me revoltei por não ter apoio no meu país” Sofia Margarida Mota - 28 Jun 2016 Natália Gromicho está na RAEM para apresentar a sua primeira exposição na terra que há muito sonhava conhecer. A artista que expõe em Nova Iorque e é representada na Baker Street londrina pintou à vista de quem quisesse as 11 obras que abrem portas ao público na Casa Garden, já no próximo dia 30 de Junho A Natália já conta com cerca de 20 anos de carreira. Como é que tudo começou? Tenho mais do que 20 anos de carreira. Sempre me interessei por desenhar. Apesar de ter estado sempre na área das ciências, já no liceu fazia recortes das ilustrações dos manuais de português que eram, na sua maioria de grandes artistas. Quando ingressei no 10º ano resolvi abraçar as artes e optei por um curso profissional na área. Acabaram-se as negativas à excepção de geometria descritiva. Acabei por finalizar o 12º ano à noite. Acabou por ingressar nas Faculdade de Belas Artes em Lisboa… Desisti das belas artes. Sou autodidacta e serei sempre autodidacta, à semelhança da Graça Morais que cá esteve em exposição recentemente. Aquilo na faculdade era um horror! Por um lado estava num “convento” e o edifício, naquela altura, não tinha condições nenhumas de trabalho. Fui para lá autoproposta. Era aluna de 20 a desenho quando acabei o liceu, e cheguei ali e desisti quase de imediato. Aquilo não era para mim. Queria uma coisa diferente e não me sentia entendida. Queria outro tipo de trabalho e fiz-me à vida. Eu aprendo com os erros. Também passou pela cerâmica… Essa é a minha paixão maior. A minha formação na escola foi de cerâmica artística. Tirei o curso profissional nessa área e convivi com os melhores professores. Depois chego às belas artes e tenho um professor que nos aconselha a desenhar com um régua. Desisti logo! Também frequentei um curso no ARCO de carácter intensivo e foi aí que consegui aprofundar o nu artístico. E estando agora na China, aproveito para ir em busca das cerâmicas de cá e aprender mais. Como arrancou então a sua carreira? Depois de desistir das belas artes criei uma exposição auto-sustentável. Andei com esse projecto a correr Portugal. Não havia dinheiro e criámos um pacote, eu e o Gonçalo Madeira, o meu agente. A exposição era entregue a um determinado sítio e esse sítio entregaria a outro, e assim sucessivamente. andei com uma exposição itinerante por Portugal inteiro. Não havia dinheiro e fizemos um pacote em que eu entregava a exposição num sitio, esse sitio entregaria a outro, e assim se correu o país inteiro. Foi o trabalho que marcou o seu arranque… Sim porque Portugal tinha que saber quem era a Natália Gromicho. Já ouviu falar dela? Não. Então vai ouvir que os trabalhos vão estar perto de si. Foi essa a intenção. Foi uma exposição muito bem recebida e coincidentemente os trabalhos seguiram para a Austrália onde foram ainda melhor recebidos e vendidos. Estiveram no Adelaide Festival. Depois do sucesso na Austrália como foi o regresso a Portugal? A exposição correu bem e quando voltámos resolvi ter o meu atelier em Lisboa. Sempre me revoltei por não haver apoios ou reconhecimento no meu país. Depois de lá fora ter corrido tudo tão bem resolvi ser e afirmar-me como portuguesa. Quando chegámos a Portugal fomos procurar um local para recomeçar num momento de afirmação. Curiosamente o departamento de cultura de Câmara de Lisboa não nos deu qualquer incentivo e foi a área do património que nos propôs um espaço que possivelmente nos interessaria. Era uma antiga galeria municipal da câmara, abandonada, no edifício do espaço Chiado. Foi quando começaram a aparecer os primeiros convites para expor. Na mesma altura fui convidada para expor em grande formato no Open Day, uma iniciativa da LX Factory. Aconteceu tudo ao mesmo tempo e a câmara ajudou nesse sentido. Aqui se vê o espelho da cultura que devia ter sido o principal apoiante e não foi mais uma vez. Apesar de estar sediada em Portugal a sua obra é conhecida, vendida e divulgada no exterior. Como é que se sente com este reconhecimento que não é na sua terra? Portugal é futebol. Ramon Casalé, crítico de arte espanhol, foi quem me fez a primeira crítica arrebatadora. Em Portugal, tenho o atelier aberto ao público e as pessoas nem sequer lá entram. Isso acaba por me dar mais força. Quero fazer coisas mais estranhas numa linguagem ainda mais provocante. A sua linguagem tem mudado. Como a poderia definir? Tenho que me conseguir expressar de uma outra maneira que não seja por palavras. As coisas têm que ser ditas de outra maneira. A minha linguagem é para inovar e chocar. Ninguém consegue fazer uma pincelada igual à minha. Marco pela imperfeição. O homem não é perfeito e a imperfeição é arte. Se fizesse uma coisa perfeitinha era uma máquina, coisa que não sou. É sabida a sua paixão pelo Oriente. Porquê este encanto? A disciplina e o rigor. Acho que aqui as coisas são coerentes. Influenciou também o desenvolvimento do seu trabalho? Dei comigo a conhecer Singapura, uma cidade emergente, em pleno crescimento. Comecei logo a transmitir isso com o meu trabalho, com coisas mais geométricas. Não me comparem nunca com a deusa Vieira da Silva. A obra está feita, as manchas surgem, eu não tenho a culpa, não sei o que é, a minha obra está feita. Desenhei muito e fartei-me. Acho que desenhar toda a gente pode fazer. A minha passagem pelo Oriente fez com que o abstracto aparecesse de uma forma mais intensa. Passei a dar menos importância à linha, passei do figurativo para o abstracto. Também me inspirei na arquitectura e considero que aqui no Oriente se fazem coisas fantásticas. Por exemplo em Macau, construíram de uma cidade velha, uma coisa cheia de cor. Como está a correr esta estadia por Macau? Macau sempre foi um sonho meu. Já na Expo 98 em Lisboa visitava frequentemente o pavilhão dedicado a Macau. O contraste, aqui, encanta-me e é diferente de qualquer outra coisa que conheça. Saímos das Ruínas de S. Paulo, por exemplo, e logo a seguir se encontramos um edifício como o Grand Lisboa. Macau é uma surpresa. Vai também inaugurar, pela primeira vez uma exposição no Museu Oriente em Portugal. É o esperado reconhecimento nacional? Nunca foi minha intenção estar a expor numa coisa tão sagrada como é um museu. Mas sim, o reconhecimento pela Fundação Oriente em Portugal é de facto o culminar de muito tempo de trabalho. E exposição será composta por 71 obras em que muitos trabalhos são de grande formato e resultam de seis anos de trabalho que abrangem também as viagens pelo Oriente. Pintou aqui na Casa Garden os trabalhos que vai expôr… Acho que é bom ter companhia. Quando trabalho, mesmo acompanhada estou sozinha, mas é um desafio. Pode correr bem ou mal, se correr mal faz igualmente parte. É também uma maneira das pessoas verem como trabalho e de verem o processo de um artista expressionista. O que espera levar de Macau, que queria tanto conhecer? Tenho muitas ideias para levar comigo e poder mostrar o que é Macau. As que vão ser aqui expostas já estavam de alguma forma em mente, mas os trabalhos inspirados em Macau vão nascer após esta passagem.