Manchete SociedadeExpatriados | “Choque cultural afecta” crianças portuguesas e macaenses Andreia Sofia Silva - 24 Fev 201624 Fev 2016 Anastasia Lijadi, professora da Universidade de Macau, defende que os filhos de pais portugueses ou macaenses podem “sentir desafios semelhantes” às chamadas crianças expostas a uma terceira cultura (Third Culture Kids), como a perda de identidade ou o choque cultural quando chegam a Portugal. A tese de doutoramento de Anastasia Lijadi, sobre os Third Culture Kids, foi distinguida em Janeiro na Universidade de Alberta, Canadá [dropcap style=’circle’]S[/dropcap]ão crianças quase sem terra obrigadas a mudar de escola, de casa e de país com frequência devido ao trabalho dos pais. Essas mudanças repentinas a que são sujeitas na idade de desenvolvimento físico e cognitivo fazem delas crianças expostas a uma terceira cultura (são Third Culture Kids – TCK) e também a alterações do foro psicológico. Foi este o tema da tese de doutoramento de Anastasia Lijadi, docente do Departamento de Psicologia da Universidade de Macau (UM) que em Janeiro foi distinguida pela Universidade de Alberta, Canadá. A tese intitula-se “Bloom where you are planted: Place identity construction of TCK”. Ao HM, a docente defendeu que as crianças nascidas no seio de famílias portuguesas e macaenses, que se mudaram para a RAEM recentemente, não podem ser consideradas TCK, embora possam sentir “desafios semelhantes” quando chegam a Macau, apesar das parecenças culturais existentes. “As crianças macaenses ou portuguesas são expostas a uma diferente cultura (são Cross Culture Kids – CCK). Contudo, podem sentir desafios semelhantes às crianças TCK, em termos de perda de identidade ou confusão de identidade. Podem ainda sentir o reverso do choque cultural, pois quando visitam Portugal chegam à conclusão de que pensam e agem de forma diferente em relação às crianças que não saíram de Portugal”, defendeu a docente, numa resposta por email. Durante o doutoramento, concluído o ano passado, Anastasia Lijadi conheceu casos de crianças que nasceram em Macau ou que “se mudaram para Macau durante a sua infância e só conhecem o seu país graças ao passaporte ou férias de Verão”. “As razões pelas quais os pais se mudaram para Macau são várias, sendo que a maioria trabalha na área da advocacia ou no Governo. São crianças CCK, porque interagem ou vivem em dois ou mais ambientes culturais diferentes durante um significante período de tempo, durante os anos de desenvolvimento”, explicou ainda. Pouco foco no problema O trabalho de investigação realizado para a sua tese permitiu a Anastasia Lijadi chegar à conclusão de que, em Macau, a maioria das crianças TCK são filhas de pais que trabalham em multinacionais na área financeira, construção, turismo, aviação ou entretenimento, mas também na área da educação. Perda de identidade, confusão sobre a sua origem e até solidão são os problemas mais comuns neste tipo de crianças. “As crianças TCK não têm apenas de renegociar a sua etnicidade junto das comunidades local e global, como também têm de reavaliar toda a sua construção de identidade incorporando os diversos elementos dos sítios por onde vão passando”, frisou a académica. “A noção de maturidade e de experiência das crianças TCK pode ser exagerada, já que uma criança TCK pode ter aprendido os costumes de muitas culturas, mas pode não ter interiorizado uma única cultura”, disse Anastasia Lijadi. Apesar de considerar que a oferta educativa é variada em Macau para as famílias expatriadas, Anastasia Lijadi considera que a falta de psicólogos que dominem outra língua que não o Chinês pode não ajudar na resolução destes problemas. “Há poucos psicólogos que dominam o Inglês em Macau e não estão focados nos problemas sentidos por estas crianças. Contudo, sugiro que a melhor forma de dar apoio a estas crianças TCK é fazer ajustamentos no novo lugar envolvendo as partes mais importantes da sua vida, os pais e a escola. O professor, psicólogo ou conselheiro escolar devem trabalhar em conjunto para garantir a prevenção de problemas e criar programas de intervenção. Mas os pais não devem permitir que o problema seja unicamente resolvido pela escola”, defendeu a docente. Para receberem os alunos vindos de outros países, as escolas de Macau fazem “ajustes académicos”, como aulas adicionais e consultas aos pais, sendo ainda pedido o apoio do docente ou dos colegas a nível da integração social. A questão do Mandarim Anastasia Lijadi revelou ainda que a maioria das crianças TCK ou CCK, apesar de terem “a oportunidade de interagir com crianças locais”, acabam por estar sempre um pouco à parte da sociedade. E a culpa é do ensino do Mandarim. “As escolas internacionais e as escolas secundárias com o ensino do Inglês ensinam o Mandarim. Por comparação, as escolas locais usam o Cantonês como língua de ensino e como base de conversação. É fácil afirmar que as crianças TCK em Macau estão a aprender a falar Mandarim, mas não a língua local, então é muito difícil para estas crianças interagir com a maioria da sociedade no seu dia-a-dia. Depois de viver aqui oito anos, sinto-me envergonhada pelo facto do meu Cantonês não ter melhorado, mas falo melhor Mandarim porque aprendo todos os dias com as minhas duas filhas”, disse a docente. Anastasia Lijadi defendeu ainda que, para as crianças, “a comunidade falante de Inglês em Macau deveria conseguir misturar-se mais com a comunidade expatriada”, sendo que “muitas vezes a sociedade tenta integrar as crianças TCK no seu modelo monocultural”. A docente acredita que o passado e experiências anteriores das crianças são muitas vezes esquecidas em prol da sua nova fase de integração social. Macau “não estava preparada” para famílias expatriadas A viver em Macau há oito anos, a docente da UM, com um mestrado pela Universidade de São José (USJ), defende que Macau “não é um lugar comum para as famílias expatriadas”. “Só muito recentemente é que as famílias de expatriados se começaram a mostrar em Macau. O território não estava preparado e não antecipou a procura de um determinado estilo de vida pelos expatriados e aqui refiro-me às questões interculturais, como a interacção no dia-a-dia, comunicação, informação e valores sociais. A maioria das famílias expatriadas decidiram mudar-se e viver em Macau devido aos elevados salários, baixos impostos e alguns privilégios que não tinham na sua terra natal. Isso faz com que seja difícil saírem de Macau”, explicou. Anastasia Lijadi não deixou de falar das barreiras culturais entre macaenses, portugueses e chineses. “Macau tem vindo a abraçar o multiculturalismo nos últimos anos e, tanto os portugueses, como os macaenses têm feito parte da população. Mas como alguém que está de fora, e depois de muitos anos a viver aqui, penso que existe uma parede transparente que separa os chineses de Macau, os macaenses e os portugueses. É muito raro vê-los a jantar juntos numa mesa, a não ser que estejam ligados pelo trabalho ou outra organização”, rematou.